Deputado federal Ricardo Barros é o líder do governo na Câmara. (Valter Campanato/Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 29 de setembro de 2020 às 08h27.
Última atualização em 29 de setembro de 2020 às 08h36.
Enquanto o Renda Cidadã derrubou a bolsa na segunda-feira, 28, com a incerteza sobre a fonte dos recursos, quem vem assumindo as conversas com agentes do mercado financeiro sobre o impacto do programa são líderes políticos do governo, e não o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Na tarde de ontem, após o anúncio, a derradeira tarefa de conversar com agentes do mercado coube ao líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), que vinha participando ativamente das negociações sobre o programa. Barros liderou ontem uma videoconferência com dezenas de participantes do mercado para dar explicações sobre os recursos do Renda Cidadã.
O plano do governo é usar dinheiro de precatórios e do Fundeb, fundo de educação renovado neste ano. Mas, para os economistas ouvidos pela EXAME, o governo está propondo um "calote".
O uso do Fundeb também foi criticado tanto por ser uma tentativa de burlar o teto de gastos (já que o fundo não está no teto) quanto por tirar recursos da educação. O governo já havia tentado garantir parte da PEC do Fundeb para o antigo Renda Brasil, mas a medida não passou no Congresso à época.
O Ibovespa fechou em queda de 2,41% ontem, na contramão das bolsas internacionais, que subiram. Levantamento da consultoria Economática obtido pela EXAME mostra ainda que o risco fiscal tirou quase 440 bilhões de reais da bolsa brasileira em dois meses.
Vendido na campanha do presidente Jair Bolsonaro em 2018 como o "posto Ipiranga" da Economia, Guedes era outrora o principal responsável por essa tarefa de passar confiança ao mercado financeiro, empresários e outros agentes econômicos. Mas, nas últimas semanas, o governo tem dado sinais públicos de que a força do ministro diminuiu.
Um vídeo que viralizou nas redes sociais na última semana mostra Guedes sendo tirado de perto de um microfone pelo próprio Barros e pelo general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo. Guedes falava, na ocasião, sobre tributos e sobre o auxílio emergencial. Já longe do microfone, o ministro da Economia ainda se voltou aos jornalistas e disse “agora tem articulação política”, apontando para o ministro Ramos.
Ramos e o general Walter Braga Netto, chefe da Casa Civil, já oficialmente assumiram articulação política com o Congresso, em detrimento de Guedes e da equipe econômica.
A mudança na chefia das negociações aconteceu à medida em que o governo passou a se aproximar do bloco do Centrão, do qual o deputado Barros faz parte. O novo momento foi oficializado também com a troca da liderança do governo na Câmara, que Barros assumiu em agosto em meio à aproximação de Bolsonaro com o Centrão. A liderança na Câmara antes pertencia ao Major Vitor Hugo (PSL-GO).
No Senado, o líder do governo é o senador Fernando Bezerra (MDB-PE). Bezerra, ontem, também se manifestou sobre o impacto econômico e disse que usar os precatórios para bancar o Renda Brasil não é "pedalada" fiscal, algo que economistas vêm dizendo para se referir aos malabarismos do programa para não bater oficialmente no teto de gastos.
Em entrevistas, Ramos e os líderes no Congresso têm dito que dão ao presidente Jair Bolsonaro uma visão "política" sobre os projetos e a articulação com os deputados e senadores, enquanto Guedes dá a visão "econômica".
Nas últimas semanas, além dos líderes no Congresso e ministros da coordenação política, também se reuniram com o mercado nomes como o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho -- e que se afirma nos bastidores que é um dos cotados ao cargo de ministro da Economia em uma possível saída de Guedes.
Há duas semanas, as entrevistas de Guedes e sua equipe falando sobre de onde tirar os recursos para o novo Bolsa Família -- que o governo primeiro batizou de Renda Brasil --, já haviam gerado desavenças públicas. Bolsonaro fez um vídeo desistindo do Renda Brasil, dizendo que "até 2022, no meu governo, está proibido falar em Renda Brasil" e que quem aparecesse "com uma proposta dessa, eu só posso dar um cartão vermelho".
O presidente se irritou com a possibilidade de interromper reajustes de aposentados para gerar receitas ao novo programa. Bolsonaro disse que não iria "tirar dos pobres para dar aos paupérrimos".
Como resposta, as lideranças no Congresso e no governo vieram com um programa de novo nome, mas que segue com os mesmos desafios do anterior: achar recurso no orçamento. Ao que indicam as declarações do governo, Guedes foi pouco protagonista nessa nova rodada de negociações.
No domingo, 27, um dia antes de anunciar ao público o Renda Brasil, Barros publicou no Twitter a imagem de uma reunião com líderes no Congresso e o general Ramos para falar sobre o Renda Cidadã e disse que o grupo estava "trabalhando por um Brasil melhor". Guedes não aparece na foto.
(Com Estadão Conteúdo)