Economia

Brasil pode ter falta de combustível se congelar preços. Entenda

Apesar da insuficiência, especialistas não veem espaço para novas refinarias, o que reforça política da Petrobras, que segue cotação internacional do petróleo

Vibra, a maior distribuidora de combustíveis do país reestruturou a área de ESG  (Bloomberg/Getty Images)

Vibra, a maior distribuidora de combustíveis do país reestruturou a área de ESG (Bloomberg/Getty Images)

AO

Agência O Globo

Publicado em 10 de maio de 2022 às 06h19.

Última atualização em 10 de maio de 2022 às 08h59.

O novo reajuste do óleo diesel, de 8,87%, anunciado pela Petrobras para entrar em vigor hoje nas refinarias, não foi concedido apenas para que houvesse uma paridade do preço com a cotação internacional do petróleo.

A correção não zerou a defasagem, mas é necessária para que não falte combustível nos postos do país. E isso ocorre por uma deficiência do Brasil na área de refino de derivados de petróleo.

O Brasil é exportador de petróleo, mas, ao mesmo tempo, importa derivados, especialmente o óleo diesel. Cerca de 20% dos derivados consumidos no país vêm de foral. A situação é resultado de um conjunto de refinarias que não são suficientes para dar conta da demanda nacional, além da integração global das cadeias do setor.

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Para abastecer todos os postos do país, é preciso importar diesel e gasolina. Dessa forma, se a Petrobras se afasta muito do preço desses derivados no exterior, os importadores não podem competir com a estatal e tendem a reduzir as compras lá fora.

Isso pode levar o país ao desabastecimento, até porque a produção nacional, mais barata, fica atraente para a exportação. O país também precisa importar óleo leve produzido no Oriente Médio especialmente para a produção de lubrificantes.

Planos de refinarias naufragaram

Apesar dessa insuficiência na área de refino, especialistas não veem espaço para novos grandes investimentos neste mercado no país, como a construção de novas refinarias. Esse cenário reforça o modelo de preços adotado pela Petrobras, que segue a cotação do dólar e do barril de petróleo no mercado externo.

Márcio Félix, ex-secretário de Petróleo do Ministério de Minas e Energia e atualmente CEO da EnP Energy, lembra o histórico do refino no país, que data da década de 1970, quando as últimas grandes plantas entraram em operação.

A partir de 2006, vieram projetos de novas refinarias — especialmente o Comperj (no Rio de Janeiro), e Abreu e Lima (em Pernambuco) — e as refinarias premium (no Maranhão e no Ceará). Os investimentos não aconteceram e viraram alvos da Operação Lava-Jato, que apontou esquemas de desvios bilionários em obras da empresa.

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A Petrobras projetava chegar à marca de 3,4 milhões de barris refinados por dia em 2015, o que colocaria o Brasil entre os cinco países com maior produção de derivados de petróleo.

Essa marca nunca foi atingida e não consta dos planos atuais. Em 2021, as refinarias da Petrobras processaram 1,9 milhões de barris por dia, volume próximo do registrado em 2008.

— A ideia era que o Brasil ia ter tanto derivado que iria exportar para o Hemisfério Norte. As refinarias não saíram e essa importação começou a acontecer. Essas coisas estão associadas — diz Félix. — Se não tem um preço adequado aqui, não se importa combustível. O privado não vai importar e a Petrobras, também tem mais como fazer isso sofrendo prejuízos. Foi criada uma blindagem e ficou uma equação difícil de mexer.

O ex-secretário acrescenta:

— O domínio que a Petrobras tem e a possibilidade de interferência faz com que ninguém invista em refinaria no Brasil.

Unidades não alcançam 100% da capacidade

Valéria Lima, diretora-executiva de Downstream (mercado de derivados) do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), afirma que as refinarias do país hoje operam com cerca de 88% da sua capacidade.

É um valor, inclusive, superior aos pares internacionais. É preciso importar diesel, por exemplo, diante da predominância do modal rodoviário no país.

— A gente almejar a atender 100% da demanda nacional para derivados não é factível. O Brasil é um país aberto, com muita relação comercial. Essa coisa de achar que vai ser um país fechado, sem importar nada, não conversa com essa economia aberta que a gente tem — afirma Valéria.

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A executiva do IBP continua:

— Mesmo se a gente fosse uma economia auto suficiente, não vai ter ninguém querendo investir aqui se não tiver a mesma margem que ele tem no exterior. Não se pode perder o norte dos preços internacionais. A gente nunca vai importar zero.

Valéria também não vê espaço para construção de novas refinarias do zero. Esse tipo de empreendimento demora para ser amortizado e começar a dar retorno e não há mais tempo para isso, segunda ela, por conta da urgência da transição energética.

Venda de refinarias da Petrobras está atrasada

Por isso, o foco do setor neste momento é o programa de desinvestimentos da Petrobras. Originalmente, a empresa se comprometeu junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a vender metade de sua capacidade de refino, oito refinarias, até dezembro do ano passado. Mas a companhia não conseguiu cumprir esse prazo, que foi ampliado. O novo cronograma não foi informado.

Das oito unidades, a Petrobras conseguiu vender apenas três. A maior delas foi a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, para o fundo árabe Mubadala por US$ 1,65 bilhão. A unidade, rebatizada de Mataripe, responde, sozinha, por 14% de toda a capacidade de refino do Brasil.

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Para Márcio Couto, coordenador de pesquisa da FGV Energia, esse processo foi prejudicado pela pandemia de Covid-19, mas será retomado.

— De uma maneira geral, o que se espera é que esses novos agentes aumentem a produção em termos de derivado, atendendo melhor os mercados que precisam de algum tipo de complementação de demanda — disse.

Couto também rechaça o controle de preços e lembra que a arrecadação de União, estados e municípios disparou com as receitas de petróleo. Como o GLOBO mostrou, depois de bater recorde em 2021, a arrecadação de União, estados e municípios com a produção de petróleo deve terminar o ano com um novo salto de 58,9%, para R$ 118,7 bilhões, segundo projeção da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

— A discussão agora deveria ser como usar esse dinheiro que União, estado e municípios têm por conta da alta do petróleo. Como usar esse dinheiro para política pública adequada, para aumentar o bem-estar da população. Se houver um investimento bem gasto, tem ganhos enormes para a sociedade, muito maiores que o congelamento de preços — disse.

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