Olivier Anquier: “Ir a restaurantes voltará a ser um prazer?"
O chef reclama da falta de um plano para nortear a reabertura e comenta declaração "Eu me recuso a aceitar essa paranoia"
Guilherme Dearo
Publicado em 11 de maio de 2020 às 12h04.
Última atualização em 11 de maio de 2020 às 12h05.
Da safra de chefs franceses abrasileirados, Olivier Anquier foi um dos primeiros a conquistar a fama. Jurado do reality "Bake Off Brasil", do SBT, ele é dono do bistrô L’Entrecôte d’Olivier, que faz sucesso com um único prato e tem duas unidades; da padaria Mundo Pão do Olivier, que ganhou a primeira filial em novembro; e do Esther Rooftop, em sociedade com o conterrâneo Benoit Mathurin, o responsável pela cozinha. Todos os empreendimentos ficam em São Paulo e estão fechados desde o início da quarentena — do quinteto, só o Esther, instalado em uma cobertura na Praça da República, aderiu ao delivery para diminuir o prejuízo.
No dia 16 de março, oito dias antes da quarentena entrar em vigor, Olivier publicou uma foto em sua conta no Instagram que o mostrava diante de uma plateia em um evento em São Sebastião (SP). "Eu me recuso! Eu me recuso a aceitar essa paranoia injetada à força. Eu me recuso a ser hipócrita. Eu me recuso a ser covarde. Me recuso a ser mais um boi do rebanho", escreveu no post. Em outro trecho, disse o seguinte: “Eu me recuso a ler, ver e ouvir os argumentos daqueles que nunca se revoltaram ou fizeram qualquer coisa sólida para acabar com problemas infinitamente maiores, profundamente instalados no nosso país: epidemia de dengue ou outras transmitidas por mosquitos que matam todos os anos milhares de jovens e idosos". O post recebeu inúmeras críticas e foi apagado. Por telefone, Olivier falou sobre a postagem polêmica e o delicado momento que vive como empresário.
Como reagiu à necessidade de fechar seus restaurantes?
Eu sou um cidadão que segue a lei, então fechei todos os meus estabelecimentos. O que penso sobre a medida não vem à tona.
A quarentena em São Paulo não impôs o fechamento das padarias, só restringiu o atendimento a compras para viagem. Por que fechou as suas?
Pela constituição elas poderiam continuar funcionando. Mas padarias são negócios que dependem do fluxo de pessoas. Sem ninguém nas ruas não há faturamento. Nesse cenário, manter abertas as duas unidades do Mundo Pão do Olivier traria um prejuízo ainda maior. Não faria sentido.
Qual é o tamanho do prejuízo até aqui?
Essa conta será feita depois, até em respeito a quem está vivendo situações mais difíceis. Estamos tentando salvar o que é possível. Do ponto de vista emocional o prejuízo é considerável. Dói ver aquilo que você construiu se destruir, é um sofrimento muito pesado. E agora a gente não pode fazer nada.
De que forma a pandemia deve impactar a gastronomia a médio, longo prazo?
O setor da gastronomia está parado, então neste momento só dá para falar de culinária em geral. Para a elite que tem empregados em casa e precisou se virar para cozinhar, e também para passar roupa e lavar a casa, a quarentena tem sido uma experiência valiosa. Começar a ter alguma noção da realidade é muito interessante. Muita gente não sabia cozinhar porque sempre teve uma micro empresa dentro de casa. O trabalho das empregadas domésticas é penoso, não é fácil, pede uma dedicação constante. E agora talvez seja valorizado. Algo de benéfico nessa pandemia.
Não vislumbra nenhuma mudança no setor de restaurantes?
É impossível prever como eles serão. O mundo vai voltar diferente, e de que forma ainda não sei. Como saber se as especiarias da Índia continuarão a ser usadas, ou não sei qual tempero, se a gente não sabe de nada do futuro próximo? Primeiro que quem define os planos são os governadores e os prefeitos. São eles que deveriam nos apresentar um plano. Vai ser desse modo? Daquele outro? Vai relaxar dia 11 de maio? Vai ficar mais drástico? Tudo que a gente pensar agora não vai servir de nada se essas perguntas não forem respondidas logo. Estamos numa situação sem equilíbrio nenhum. A verdade é que nós, donos de restaurantes, não sabemos o que fazer. Fica muito difícil traçar planos com essas incógnitas todas. E ir a restaurantes voltará a ser um prazer? É a grande dúvida. Eu não sei dizer. Mas o que importa agora é que o vírus deixe de ser uma ameaça à saúde. Aparentemente está se resolvendo.
Tirou alguma lição da pandemia?
É uma análise que farei depois. Agora, no calor do momento, quando não se sabe o fim disso tudo, fica complicado. Qualquer análise seria fajuta. Por enquanto, não estou tirando lição nenhuma. Acredito que todos estamos numa fase de sobrevivência, cada um tentando proteger sua família e seus negócios. Em casa tenho vivido um cotidiano que a vida nunca permitiu. Posso almoçar e jantar todo dia com minha esposa, a Adriana, e nossa filha, Olívia, de 3 anos, os três sentados na mesa, conversando. São momentos muito bons, que provavelmente nunca vivemos. Essa experiência tem reforçado laços familiares, é mais um lado positivo.
Se arrepende do post no Instagram no qual escreveu “eu me recuso a aceitar essa paranoia”, se referindo ao isolamento?
Eu apaguei por insistência da minha esposa, mas tenho o costume de assumir o que falo. Fui atacado porque no dia 15 de março eu fui fazer um evento, organizado pela prefeitura de São Sebastião e com a presença do prefeito. Assinei um contrato dois meses antes. Da mesma forma que respeito a lei, respeito os contratos. Postei uma foto e fui incendiado. ‘Por que você faz isso? É regido pelo dinheiro!’, disseram. Como regido? Eu tinha um contrato. E não recebi ordem para não fazer o evento, sendo que envolvia o poder executivo local. No mesmo dia houve o lançamento da CNN Brasil com 1.300 pessoas, entre elas o governador [refere-se a João Doria] e ministros do STF. Recebi um ataque gratuito por uma paranoia. Por que foi um erro ter ido trabalhar no mesmo dia que o chefe do executivo estadual pôde se encontrar com uma panela de jornalistas e gente famosa? Foi isso que questionei. E depois disso as coisas mudaram. É a vida.