Como são as comemorações dos novos milionários do Vale do Silício
As festas são no Zoom, as conversas sobre impostos se dão no Slack, a compra de casas está um pouco menos intensa e o espírito é de cautela. É um momento estranho para ficar rico
Daniel Salles
Publicado em 24 de março de 2021 às 15h51.
Última atualização em 26 de março de 2021 às 12h29.
As coisas estão tão quentes no Vale do Silício que chegam a assustar as pessoas. Com as startups de tecnologia abrindo seu capital com a oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) e vendo seu valor aumentar, Aaron Rubin, sócio da Werba Rubin Papier Wealth Management, disse que seus clientes estavam em choque com sua nova riqueza.
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Quando a pandemia começou há um ano, os trabalhadores da tecnologia temiam que as ações das startups desvalorizassem. O baque, além do mal-estar geral sobre a economia, não os incentivou a fazer o tipo de alarde que muitas vezes acompanha as fortunas surgidas da noite para o dia, de acordo com Rubin. Em comparação com os booms passados, há "mais gratidão", segundo ele, e mais planos de caridade. "Todo mundo fica esperando uma má notícia. Por isso, talvez compre um novo Tesla ou um conversível, mas não um jatinho."
As IPOs milionárias do Vale do Silício estão maiores e mais movimentadas do que nunca. Porém, na pandemia, os novos-ricos não comemoram com festas ou com uma aposentadoria antecipada em viagens ao redor do mundo, como de costume.
Eles se adaptaram. As festas são no Zoom, as conversas sobre impostos se dão no Slack, a compra de casas está um pouco menos intensa e o espírito é de cautela. É um momento estranho para ficar rico.
"A mentalidade das pessoas está longe da ostentação. Está diferente", afirmou Riley Newman, que foi um dos primeiros funcionários do Airbnb, empresa que fez sua oferta pública em dezembro e imediatamente ultrapassou o valor de 100 bilhões de dólares. As pessoas mudaram seu foco de casas de férias e carros chamativos para casas de bairro e estudos, informou ele, que agora dirige a empresa de capital de risco Wave Capital.
Nos últimos seis meses, pelo menos 35 empresas da Área da Baía de São Francisco — incluindo Airbnb, DoorDash e Snowflake — abriram o capital por um valor de mercado combinado de 446 bilhões de dólares, de acordo com as contas do The New York Times. Os "períodos de bloqueio" dessas empresas, que impedem que os envolvidos vendam a maioria de suas ações logo depois de uma IPO, vão expirar nos próximos meses, desencadeando uma onda de riqueza.
Apenas umas poucas dessas aberturas de capital podem criar cerca de 7.000 milionários, de acordo com uma análise da EquityBee, plataforma que facilita transações de capital de startups. A série de IPOs tem sido grande o suficiente para que sua renda fiscal consiga acabar com parte do déficit orçamentário projetado da Califórnia.
Em uma pesquisa com funcionários de sete empresas com IPOs recentes conduzida pelo Blind, aplicativo para discussões anônimas de funcionários, cerca de 25% deles planejavam ser conservadores com seu dinheiro por causa da pandemia. Muitos informaram que comprariam casas. Aqueles que queriam esbanjar estavam de olho em Ferraris, Teslas, relógios, um ateliê de cerâmica e "stonks", gíria para apostas no mercado de ações.
A nova riqueza faz parte da lacuna crescente entre a indústria tecnológica e o resto da economia. Dezenas de redes de varejo faliram, restaurantes populares fecharam e o desemprego aumentou. Mas, no setor de tecnologia, o trabalho, as compras e a socialização via telas turbinaram o uso de produtos digitais e impulsionaram seu crescimento.
Há mais dinheiro prestes a chegar. No dia 10 de março, a Roblox, startup de jogos infantis que cresceu na pandemia, abriu seu capital e foi avaliada em cerca de 45 bilhões de dólares. O site de análises AppLovin, o de roupas usadas thredUP e a startup de criptomoedas Coinbase também planejam sua IPO neste mês, com investidores prevendo que a Coinbase poderá chegar a um valor de 100 bilhões de dólares.
Pacote gourmet
Antes da pandemia, quando as startups de tecnologia abriam o capital, comemoravam com esculturas de gelo em forma de foguete e shows de bandas dos anos 1980. Agora, as empresas enviam caixas com artigos de festa a seus funcionários, com artigos para ser usados nas reuniões no Zoom.
Daniel Figone, proprietário da Handheld Catering and Events, recentemente entregou caixas de refeições na casa de vários funcionários de empresas do Vale do Silício que abriram o capital. Nelas — que custam de 45 a 100 dólares cada uma — pode haver temperos, sais especiais, mistura para preparar chocolate quente, barras de chocolate gourmet, queijos requintados, frutas e espumantes. Além disso, há convites impressos elegantes com o código de login para uma reunião no Zoom.
Os principais executivos recebem mais: arranjos florais, refeições completas e um chef no local para preparar e finalizar os pratos, disse Figone. Em alguns pequenos encontros ao ar livre, ele já ofereceu "cones de petiscos" individuais, cheios de comidinhas, em vez de bufês servidos por garçons.
Mas as comemorações no Zoom para todos os funcionários se parecem muito com as reuniões de trabalho. Assim, segundo Jay Siegan, que dirige a Jay Siegan Presents, agência de entretenimento em São Francisco, as empresas também estão adicionando rodadas de perguntas e respostas virtuais com autores famosos ou membros do elenco do Saturday Night Live, conversas inspiradoras de palestrantes do TED e até sessões de meditação em grupo lideradas por profissionais famosos.
Se há um músico — Alicia Keys, Train e John Legend são os principais pedidos —, este apresenta apenas uma ou duas músicas, segundo Siegan.
Uma empresa, que ele preferiu não identificar, comprou bicicletas Peloton para seus funcionários como presente de agradecimento pela IPO. "Você tem de encontrar coisas que são significativas, em vez de distribuir bebida a rodo em uma festa", afirmou.
Vans para viajar
Para a Palantir, empresa de análise de dados que abriu o capital em setembro, 18 de fevereiro foi o dia do "dinheiro da girafa" — quando os funcionários atuais e antigos puderam vender suas ações depois que a startup se tornou pública.
Em um canal do Slack para ex-funcionários chamado Giraffe Money — referência à riqueza que pode garantir até girafas de estimação —, muitos anteciparam seus lucros compartilhando links, basicamente em tom de brincadeira, com anúncios de barcos e casas absurdamente caros, de acordo com um ex-funcionário.
Mas, na realidade, os integrantes desse segmento estão gastando de maneiras muito diferentes. Em vez de arte, estão comprando NFTs, sigla em inglês para tokens não fungíveis, que representam a propriedade de obras de arte digitais, memes ou artefatos da história da internet. Em vez de viagens ao redor do mundo, eles viajam de Sprinter, a van que é peça essencial das férias da pandemia. Jackie Conlin, consultora de estilo pessoal para executivos de tecnologia, contou ter criado o "guarda-roupa de van", que consiste em roupas confortáveis, mas elegantes, que exalam a vibração de férias descontraídas, para clientes que viajam de carro.
Em vez de roupa de grife, eles procuram aquelas que ficam bem nas reuniões pelo Zoom, fazem aulas de maquiagem virtuais para a câmera e reformas do ambiente em que fazem as chamadas. Conlin disse que está redecorando a sala do Zoom de um cliente "para que os outros participantes vejam algo mais coeso, elegante e agradável". Seus clientes também estão comprando presentes "confortáveis" para amigos e familiares, como mantas e roupões aconchegantes, itens de cuidados com a pele, pijamas e jogos. E, em vez de condomínios de luxo, muitos procuram casas com área ao ar livre, espaço para academia e "bons cômodos para o Zoom".
Em São Francisco, os novos-ricos do setor estão trocando apartamentos modernos no bairro de SoMa por casas tradicionais em áreas mais estabelecidas, como Nob Hill, Russian Hill, Pacific Heights e Sea Cliff, informou Joel Goodrich, corretor de imóveis da Coldwell Banker Global Luxury. Muitos procuram mansões históricas com arquitetura elaborada. "Depois de um grande trauma mundial ou nacional, muitas vezes há uma volta aos estilos mais tradicionais. As pessoas querem um senso de normalidade e solidez", explicou.
Cripto e caridade
J.T. Forbus, gerente de impostos da Bogdan & Frasco, empresa de contabilidade fiscal em São Francisco, disse que seus clientes estão basicamente evitando grandes gastos. Sua maior despesa, além de uma casa, é com o consultor financeiro. "Quando gastam muito, é porque estão investindo em cripto", observou Forbus, referindo-se às moedas digitais.
No ano passado, quando o Airbnb se tornou público, ex-funcionários iniciaram o Equity for Impact, programa no qual empregados de várias empresas prometem doar uma parte não especificada de seus lucros com a IPO para caridade. Até agora, mais de 400 pessoas comprometeram cerca de 50 milhões de dólares em ações, o que equivale a 50% da meta do grupo quando o período de bloqueio do Airbnb expirar em junho.
O foco na caridade em um período de bonança é uma mudança em relação às levas passadas de novos milionários, segundo Forbus. "Eles com certeza terão uma dedução nos impostos."