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A novela asiática do Milan

Carlo Cauti, de Roma Paris Saint Germain, Manchester City, Valência, Inter de Milão. Bilionários da Ásia e do Oriente Médio aproveitaram a crise e compraram, nos últimos anos, alguns dos mais emblemáticos clubes de futebol da Europa. Mas há um negócio que insiste em não sair: a venda do Milan, um dos times mais vitoriosos […]

BERLUSCONI E O MILAN: ex-premiê italiano tenta há anos vender o time no qual já investiu mais de 800 milhões de euros  / Claudio Villa/ Getty Images

BERLUSCONI E O MILAN: ex-premiê italiano tenta há anos vender o time no qual já investiu mais de 800 milhões de euros / Claudio Villa/ Getty Images

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Da Redação

Publicado em 18 de março de 2017 às 07h13.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h14.

Carlo Cauti, de Roma

Paris Saint Germain, Manchester City, Valência, Inter de Milão. Bilionários da Ásia e do Oriente Médio aproveitaram a crise e compraram, nos últimos anos, alguns dos mais emblemáticos clubes de futebol da Europa. Mas há um negócio que insiste em não sair: a venda do Milan, um dos times mais vitoriosos da história e que pertence ao ex-primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi. Nos últimos meses, três grupos de potenciais compradores já tocaram a campainha de Milanello, a sede do time. Todos vindos do Oriente e todos com propostas mirabolantes e ofertas bilionárias. Entretanto, nenhum deles levou o time, e a venda do Milan se transformou em uma telenovela tragicômica com tempero asiático.

Alguns simplesmente desapareceram na hora de desembolsar a grana, outros compraram uma parte minoritária das ações e depois sumiram, e os últimos começaram a realizar o pagamento, entregaram a garantia, mas tiveram de interromper a operação por falta de liquidez — e acabaram acusados de fazer parte de esquemas ilícitos internacionais.

Tudo começou em abril de 2015, quando Berlusconi anunciou oficialmente que iria vender o time após 32 anos de presidência e 29 troféus nacionais e internacionais conquistados. “Vendo o Milan aos chineses”, declarou publicamente o ex-premiê, que controla 99,93% das ações do time. Uma decisão sofrida, motivada pelo fato de que o futebol europeu estava “invadido pelos recursos gigantescos dos oligarcas russos e dos xeiques árabes”.

Na mesma hora, choveram pretendentes ao trono de Milão. O primeiro foi Richard Lee, empresário do ramo têxtil em Hong Kong, que durante um jantar com Berlusconi na mansão da família em Arcore, apresentou uma proposta de compra de 75% das ações do Milan. O valor da transação foi mantido em segredo, mas os analistas o estimaram em cerca de 1,5 bilhão de euros, sem contar os 250 milhões de euros em dívidas com bancos que o asiático e seus sócios bancariam. “A venda do Milan é coisa feita”, anunciou Berlusconi no dia seguinte, explicando que só faltava combinar os detalhes. Mas quando veio a hora de assinar o contrato, nenhum chinês desembarcou em Milão. Lee e seus sócios simplesmente sumiram do radar e nunca mais quiseram falar com a imprensa.

Arquivado o sumiço dos primeiros chineses, foi a vez do segundo pretendente ao comando do Milan: o tailandês Bee Taechaubol, dono de uma empresa de investimentos. Entre 2015 e 2016, Bee visitou Milão várias vezes, provocando furor entre torcedores e jornalistas. De baixo das janelas do Bulgari, hotel de luxo onde ele se hospedava, começaram a se formar hordas de fãs rossoneros ululantes. Todos pediam a Bee que comprasse logo o Milan, que há um bom tempo não ia bem das pernas no campeonato italiano e estava fora da Champions League desde 2013.

Mas o tailandês preferiu passar vários dias fazendo compras pelas glamourosas avenidas da moda de Milão, e quando finalmente decidiu encontrar o ex-premiê italiano, chegou jogando pesado: colocou na balança 1 bilhão de euros para o Milan. As gravações de televisão da época mostram Berlusconi saindo da reunião esbanjando um sorriso de 32 dentes. “Fecharemos o acordo em 15 dias”, anunciou Bee em agosto 2016. “Comigo o Milan voltará a crescer no mundo inteiro”.

De novo os jornais italianos foram à caça de informações sobre esse asiático desconhecido de 41 anos que chegou de paraquedas no templo do calcio italiano. Dessa vez, Bee decidiu falar com a imprensa, contando que “aos 14 anos era ajudante de cozinha em um restaurante, mas com 16 já tinha negócios no setor imobiliário”. A dúvida inevitável: como? O que ficou claro por fontes internas do Milan é que quem colocaria a grana de verdade não seria ele, e sim a CITIC Bank, colosso bancário chinês de propriedade do governo de Pequim. A dúvida, então, passou a ser: o que o estado chinês quer com um time de futebol na Itália?

A pressão em fechar o acordo chegaria diretamente do presidente Xi Jinping, apaixonado por futebol. E a razão seria mais política do que pessoal, uma vez que o objetivo do líder chinês seria difundir o futebol na China e obter bons resultados com a seleção chinesa. A escolha do time italiano não seria casual: o Milan é o time mais popular da China.

Aparentemente, Berlusconi, líder de um partido de direita e crítico ferrenho dos “comunistas”, não tinha problema em vender o Milan para os maoístas. Mas os consultores que estavam auxiliando Bee na operação, o grupo Tax and Finance, foram indiciados pela procuradoria de Milão por evasão de divisas e criação de fundos ilícitos off-shore no exterior. No fim das contas, Bee se limitou a comprar uma cota minoritária das ações do Milan e sumiu nos caminhos da Tailândia, deixando Berlusconi com os abacaxis do time para descascar. O Milan, além das dívidas, tem um custo de gestão mensal na casa dos 14 milhões de euros. Nos últimos meses, pela primeira vez em 32 anos, o clube atrasou pagamentos com fornecedores.

Nisso tudo, também entrou em jogo a politica, já que Berlusconi utilizou o Milan como instrumento para ganhar eleições na Itália nos últimos 25 anos. Em dezembro do ano passado, ocorreu um referendo constitucional decisivo na Itália, e Berlusconi congelou as negociações de venda. Não dava para ceder o time no momento em que ele precisava mobilizar a torcida para as urnas. Foi mais uma vez a escolha certa: Berlusconi ganhou o referendo que acabou por derrubar o premiê Matteo Renzi, e já no dia seguinte voltou-se a falar da venda do Milan.

O terceiro capítulo

E chegamos ao terceiro capítulo dessa novela asiática: o interesse dos chineses da Sino-Europe Sports. Um grupo de investidores dos quais ninguém nunca tinha ouvido falar, nem na Europa e nem na Ásia, liderados por Yonghong Li, um empresario semi-desconhecido até no mundo financeiro asiático. A proposta da Sino-Europe foi mais modesta do que as precedentes: 740 milhões de euros, dívidas inclusas. Uma oferta que deixou torcedores e jornalistas muito desconfiados, tanto que os chineses foram obrigados a mostrar capacidade financeira desembolsando um adiantamento de 100 milhões, com mais duas parcelas de 100 milhões prometidas. Mas, no restante do pagamento, o negócio se complicou. A grana da última parcela não apareceu, os chineses sumiram e Berlusconi ficou com o Milan e, de brinde, os 200 milhões que já haviam sido pagos.

Os torcedores milanistas começaram a perder a paciência e os bancos italianos credores do Milan também. Muitos começaram a procurar quem eram os investidores liderados por Yonghong. Descobriu-se que as empresas que deveriam comprar as ações do Milan eram off-shores de Hong Kong criadas poucos dias depois do fechamento do contrato preliminar e com apenas 11 centavos de euros de capital social. Ambas administradas por Chen Huashan, ilustre desconhecido até na China. De novo a mão do governo chinês e de operadores pouco cristalinos.

Como se não bastasse, o jornal italiano Correire della Sera descobriu que Yonghong chefiou uma fraude contra mais de 18.000 investidores chineses nos anos 1990. E que os 200 milhões já pagos para Berlusconi chegaram em sua conta por uma empresa off-shore das Ilhas Virgens Britânicas, famoso paraíso fiscal. Começaram a surgir boatos de que os chineses estariam ligados a um gigantesco esquema de apostas ilegais baseado na Ásia, e que queriam adquirir o controle do Milan para manipular os resultados do campeonato italiano. Uma organização tão poderosa que já teria comprado ou estaria prestes a comprar outros 15 times europeus. Na pressão, Berlusconi afirmou: “venderei somente se tiver certeza de deixar o time em mãos seguras”. Até hoje não vendeu.

Há anos a polícia italiana e a Interpol investigam ilegalidades no mercado de apostas, e vários jogadores, técnicos e membros das organizações, geralmente afiliados com a Máfia ou a Camorra italianas, acabam presos. O chefe de uma das quadrilhas mais poderosas que atuariam nesse setor criminal se chama Tan Seet Eng, chefe de um grupo criminal baseado em Cingapura que faturaria cerca de 90 bilhões de dólares por ano graças a mais de 500 jogos fraudados no mundo inteiro.

Não parece ser coincidência que em 2016, a Inter, outro time de Milão, passou às mãos de um grupo chinês liderado por Zhang Jindong, magnata dos eletrodomésticos. Para muitos parece no mínimo suspeita a possibilidade de que, se a operação com o Milan tivesse sido concluída, ambos os times de Milão seriam controlados por chineses.

Procurado por EXAME Hoje, o Milan respondeu que não vai comentar o assunto, alegando cláusulas de confidencialidade nos contratos. “Toda essa operação é muito nebulosa”, declarou a EXAME Hoje um importante analista esportivo italiano. “Antes de tudo, a operação foi feita inteiramente se endividando com bancos chineses, o que gera dúvidas sobre como esses investidores pensam em pagar essa dívida, pois o Milan não gera fluxos de caixa positivos. E todas as figuras que se apresentaram para comprar o time ou são completamente desconhecidos ou tem um histórico que não é propriamente limpíssimo”.

Segundo o jornalista italiano Marco Travaglio, inimigo declarado de Berlusconi, toda essa operação será uma manobra do Cavaliere para repatriar capitais que mantém no exterior. Berlusconi anunciou que vai processar Travaglio e qualquer outro veículo de imprensa que alegue essa informação. Mas os boatos continuam. “É claro que Berlusconi tem dinheiro no exterior, já sabemos disso graças a outros processos do Tribunal de Milão. Mas, pessoalmente, não acredito que essa operação seja uma forma de repatriar esses capitais. Se ele tentar fazer isso, será uma grande besteira: a Procuradoria de Milão já está com uma investigação aberta e sem dúvidas o incriminaria imediatamente”, explicou o analista esportivo italiano a EXAME Hoje.

Os 30 anos da gestão Berlusconi marcaram o período em que o Milan mais conquistou troféus em sua história, sendo 8 vezes campeão italiano, 5 vezes campeão europeu, faturando 7 Super Copas Italianas, 5 Supercopas Europeias e uma Copa da Itália. Mas desde 2011, quando ganhou o último italiano, o time não consegue mais alcançar o topo, entrou em uma crise profunda e chegou a trocar quatro técnicos em menos de dois anos entre 2013 e 2015.

Berlusconi também parou de investir e não comprou mais campeões como no passado, sendo duramente criticado pela torcida. “Tem que gastar”, gritava a torcida rossonera todos os domingos em direção à tribuna de honra do estádio de San Siro, onde sentava Berlusconi. Só que o Cavaliere já desembolsou 865,47 milhões de euros nos últimos 30 anos, e aparentemente cansou de abrir a carteira.

Ninguém sabe dizer se aparecerá mais um asiático querendo virar chefe dos Diavoli Rossi, mas uma coisa parece certa aos observadores do mundo inteiro: nenhum outro grande time internacional enfrentou tanta dificuldade para ser cedido do que o Milan de Berlusconi. Os próximos capítulos são aguardados como a nova temporada de uma série da qual é impossível desgrudar.

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