Que lição aprendemos com os layoffs nas empresas de tecnologia?
Em artigo, Giuliana Tranquilini fala sobre o mercado de trabalho brasileiro e o setor de tecnologia
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Publicado em 3 de outubro de 2023 às 07h00.
Por Giuliana Tranquilini*
Os dados gerais de desemprego no Brasil mostram um mercado de trabalho acelerando em 2022 e 2023. Segundo o IBGE, a taxa média de desemprego no país caiu a 7,9% no trimestre móvel encerrado em julho, menor resultado para o período desde 2014, quando atingiu 6,7%.Esse padrão não é exclusivo do Brasil. Ou seja, novas vagas de emprego surgem a cada dia. Então por que no mercado de tecnologia a palavra do momento é layoff?
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As demissões em massa foram (e infelizmente ainda são) o assunto dominante do mercado de trabalho tech dos últimos dois anos. A quantidade de funcionários demitidos de empresas de tecnologia até agosto deste ano no mundo ultrapassou 233 mil pessoas.
As big techs Google, Meta, Amazon e Microsoft lideram a lista de empresas que mais dispensaram, de acordo com o site Layoffs.fyi., que reúne os dados das principais empresas do planeta. As informações compiladas mostram que, no total, 986 companhias dispensaram 206.594 colaboradores desde o início de 2023 até o mês de agosto. No ano passado, 1.058 empresas de tecnologia demitiram em massa 233.442 pessoas.
Mas por que essas demissões aceleraram tanto justamente agora que os efeitos da crise sanitária começam a arrefecer? Os fatores incluem a persistente desconfiança com a economia global, a inflação, o conflito na Ucrânia, taxas de juros elevadas e, acima de tudo, o excesso de contratações que, por consequência, levou a uma correção no quadro de funcionários.
O efeito da pandemia
Quando tudo fechou repentinamente com a eclosão da pandemia, diversas empresas precisaram correr contra o tempo para adequar seus serviços à nova realidade e, para isso, contrataram um alto número de funcionários.
Programadores, engenheiros e desenvolvedores , para citar apenas alguns exemplos, que já eram disputados à tapa pelo mercado de trabalho, ficaram ainda menos disponíveis, grande parte deles atraídos ainda na universidade com altos salários e gordas bonificações. E, embora as tecnologias “da vez”, como Google Meet, Microsoft Teams, Zoom e diversos softwares de produtividade ainda estejam em uso, a procura por esses serviços “pandêmicos” se estabilizou.
As altas promessas de crescimento do setor, que atraíram os suados bilhões de investidores e acionistas, também foram tímidas, como o caso do Facebook, que apostou alto no metaverso e ficou no prejuízo. Apesar de a Meta ter registrado lucro, pois ainda é a dona de marcas de sucesso como o Instagram, a divisão da empresa responsável pelo metaverso gerou perdas operacionais de US$ 3,7 bilhões, o que significa mais gastos que a receita gerada, de “singelos” US$ 276 milhões.
Se até 2019 as gigantes da tecnologia tinham reputação de lugares perfeitos para se trabalhar, com direito a guloseimas, mesa de sinuca e horários flexíveis, agora as coisas ficaram um pouco menos “divertidas”.
Scott Galloway, professor da New York University, muito perspicaz em prever tendências, apontou como as demissões em massa nas empresas de tecnologia mudaram a mentalidade das pessoas, contratantes e contratadas. A preocupação excessiva com reter o talento jovem deixou de ocupar o topo da lista de prioridades dos gestores de RH. Plano de carreira em uma única empresa é coisa do passado, como já ocorre em tantos outros mercados.
Você não é o seu cargo
Galloway observa outro fato digno de atenção: muitos daqueles atingidos pelos layoffs são jovens e enfrentam o processo de demissão pela primeira vez na vida. A geração que recorre ao TikTok para desabafar e se divertir, acabou viralizando conteúdo sobre o próprio desligamento repentino. Na rede, é só procurar por #layoff e se deparar com o impacto emocional: há quem relate até confusão com a identidade após ter deixado determinada empresa.
A frase “ame o que você faz” não deve ser entendida como sinônimo de “ame a empresa para a qual você trabalha”. Para Galloway, a confusão e o sofrimento de muitos é resultado do discurso “somos uma grande família”, que tenta revestir de sentimento uma relação que jamais poderá ter o peso de trocas familiares. O professor lembra: demissões em massa não são algo pessoal, não é sobre você, sua competência ou caráter, mas uma decisão financeira e mercadológica.
Claro, seja em grupo ou sozinho, ser demitido costuma desencadear um processo de aceitação da nova realidade. A psicologia compara com o término de relacionamentos e, guardadas as proporções, com o luto.
Isso traz um alerta valioso. Entrelaçar nossa própria identidade a de uma corporação, principalmente se não somos seu fundador ou fundadora, é um risco com repercussão que extrapola o campo profissional. Somos um conjunto de histórias e de particularidades únicas.
Você ESTÁ “Diretor de Marketing da empresa Y” até quando? Não seria mais importante ter plena consciência daquilo que você É e tem a oferecer independente do local de trabalho? Suas fortalezas não se dissolvem de acordo com o emprego.
Mas então isso significa que não devo vestir a camisa da empresa? Não posso sentir orgulho de trabalhar para uma Netflix ou uma Coca-Cola da vida? Pelo contrário, se identificar com a empresa para a qual trabalhamos, compartilhando seus valores, objetivos e missão é um compromisso emocional. Essa atitude enriquece a experiência pessoal de trabalho e do trabalhador, independentemente do destino final desse emprego. O segredo é saber que essa parceria chegará ao fim e a sua história profissional irá continuar.
Vivemos em um mundo de constantes transformações, altas cobranças por resultado e pressão por carreiras de sucesso. Somos muito mais que um determinado job description. A demissão pode ser utilizada como oportunidade de autoconhecimento, que pode levar um indivíduo até a recalcular a rota da vida pessoal e profissional.
Para quem vive no piloto automático, um desligamento inesperado pode inclusive ser uma boa notícia. Usando uma metáfora rodoviária, tão familiar aos californianos, a demissão pode e deve ser aquele momento em que você reprograma o GPS e pega um trevo para trocar de highway. Não um beco sem saída.
*Giuliana Tranquilini é co fundadora da consultoria Betafly Brandmakers
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