Márcio de Freitas: As mãos cheias
Depois de mais de 30 anos de debates, uma proposta de reforma tributária tem chances reais de ser aprovada no Congresso
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Publicado em 7 de julho de 2023 às 17h20.
Última atualização em 7 de julho de 2023 às 18h02.
Por Márcio de Freitas*
“Você está me escondendo algo. Mostre as mãos!”, o fiscal da Receita Federal cobra do contribuinte.
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“Não escondo nada. Veja minha mão”, responde o pagador de impostos.
“E na outra?”, cobra o homem da Receita.
“Aqui a tem”, mostra alternadamente a outra mão vazia o contribuinte.
“As duas ao mesmo tempo!”, exige o fiscal.
Diante das duas mãos sem nada, o cobrador exige: “E a outra mão?”
O diálogo acima é plagiado do dramaturgo francês Jean-Baptiste de Poquelin, o popular Moliére em seu clássico "O Avarento". Paródia do que pode ser o debate no segundo semestre com o avanço explícito e evidente da reforma tributária na Câmara, nas mãos grandes e longas do presidente Arthur Lira (PP-AL). O Senado pode endurecer o jogo, mas há grandes forças políticas e econômicas em movimento para fazer avançar a matéria. E quando essa união acontece, as coisas tendem a ter um final. Ser feliz depende do ponto de vista de quem pagará a conta.
Depois de mais de 30 anos de debates, uma proposta de reforma tributária tem chances reais de ser aprovada no Congresso. Salvo, claro, um tropeço grande na tramitação da propositura.A reforma expõe, depois da aguardada aparição do texto, indícios de quem pagará a conta maior, quem pagará menos, e quem pode até receber um troco (no caso, governos gostariam de receber muitos trocos). Principalmente depois de virem à luz as propostas infraconstitucionais. É nelas que estarão os tais busílis – as quotas que formarão as alíquotas. Por enquanto, uma mão mostra nada, outra mão evita exibir algo, e as duas juntas não significam menos ainda. Mas é bom lembrar que o personagem é esperto. Algo ele pode estar escondendo sob suas vestes.
Alguns setores incentivam claramente a proposta. A indústria vê a chance de recuperar importância econômica e relevância no produto interno bruto (PIB) nacional com esse novo sistema tributário. Os serviços fazem alarde do aumento dos preços que virá com maior taxação sobre produtos e atividades da área – argumento que até agora sensibiliza pouco o parlamentar que pensa mais no tamanho do fundo partidário ou eleitoral. O setor financeiro ri das brigas alheias, e apoia o relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) – que amplia pontes e se engalana como nome promissor no território da Câmara dos Deputados para voos futuros mais ousados. Seria um sucessor de Lira mais palatável ao governo que Elmar Nascimento (União Brasil-BA), aliado de primeira hora do presidente da Câmara.
No mundo dos ilusionistas da política, é difícil ver as projeções reais. Há insegurança em vários tons de cinza. Exemplo: a Receita Federal até agora não fez uma simulação de que alíquota deveria ter o IVA dual proposto até agora. Uma parte federal unirá PIS/Cofins e IPI, e ninguém melhor do que o Fisco para saber os cálculos dessa reunião de tributos. Teremos ainda um imposto seletivo para os produtos do pecado: álcool, tabaco, açúcar, combustíveis fósseis (?), e outros, mas não se sabe em que grau de inibição dos vícios tributários ou dos vícios dos homens. E outra colocará no mesmo balaio ICMS e ISS, de estados e municípios – com negociação que manteve longe as mãos nacionais a administração do dinheiro desses dois entes.
Sem que o órgão responsável pela arrecadação fale, falta bastante transparência na tramitação da matéria quando seu efeito se tornar realidade. Esconder o jogo pode mostrar competência política, mas pouco apego às regras democráticas e à segurança do investidor/empresário . É esconder a mão, e não mostrar as cartas todas à mesa. E ainda há o fator digital. Sempre muito virtual mas de ação econômica real. A economia está em franca transformação, e sua mão invisível é cada vez menos perceptível a olho nu. Inclusive do fiscal. Vivemos num país que, diferente da terra de João Sem Terra, o contribuinte tem o direito de se calar para sempre, e pagar eternamente.
*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação
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