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João Kepler: Extinção em massa de startups? Acho que não

Boas startups sempre terão grana e continuarão recebendo investimentos

15 pontos sobre a thread do Twitter que vem assustando investidores (Nuthawut Somsuk/Getty Images)
Bússola

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Publicado em 15 de fevereiro de 2023 às 13h00.

Última atualização em 15 de fevereiro de 2023 às 13h17.

Por João Kepler*

Recentemente o ecossistema de startups ficou alarmado pelo artigo Vem aí uma extinção em massa de startups, publicado em um portal de economia e negócios. Acontece que, ao ler a matéria, percebemos que essa afirmação apocalíptica é baseada em uma thread no Twitter do investidor Tom Loverro, na qual ele faz uma previsão de “extinção em massa chegando para startups em estágio inicial e intermediário”.

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Ele prevê que “o final de 2023 e 2024 fará com que a crise financeira de 2008 pareça estranha para as startups” E completa dizendo que “as grandes startups sempre serão financiadas, embora não nos termos de 2021. Muitas startups “boas” vão ter de encarar down rounds e outras muitas startups sem ainda atingir o PMF [ Product Market Fit ] morrerão em uma taxa maior do que qualquer coisa que vimos desde 2008”. E ainda por fim, oferece sete conselhos “milagrosos” para sobreviver e evitar "a extinção iminente” como ele comenta.

Mas começo afirmando o seguinte: calma!

No Brasil as boas startups early stage (com produto, gestão, governança e vendas) sempre terão grana e, sim, continuarão recebendo investimentos.

Mas vamos aos meus 15 pontos de análise:

1 - Sempre soubemos que mais de 50% das startups falham ou vão falhar. Isso não é nenhuma novidade! Os empreendedores e os investidores conhecem as estatísticas e os riscos envolvidos, aliás, o nome da nossa atividade é Venture Capital (Capital de Risco) exatamente por isso. Portanto, afirmar que haverá uma extinção em massa e iminente das startups é no mínimo um exagero, para não dizer desrespeito com milhares de empreendedores e investidores de startups brasileiros.

2 - É fato que os vocês estão mais prudentes nas análises das oportunidades e mais técnicos nos racionais de valuations das rodadas, isso é muito bom, o que aconteceu com relação à “abundância” e rodadas mirabolantes em startups Later Stage, certamente não acontecerá mais daqui para a frente.

Isso chamamos de “freio de arrumação” e não de “o fim dos investimentos”.

3 - Também não é novidade que o risco de falha e de “morte” está maior agora nas startups em estágio inicial e intermediário. Elas morrem e vão continuar morrendo, não somente por não conseguir captar investimento, mas por vários outros motivos. Segundo a CBInsight, que mapeia as 12 principais razões para o fracasso, os motivos vão desde a falta de adequação do serviço e produto ao mercado à desarmonia do time fundador. A falta de investimento é apenas uma das razões e não “a” única ou “a” maior das falhas.

4 - Sobre o PMF (Product Market Fit), as rodadas de investimento nos estágios iniciais aceleração, anjo, pré-seed e seed existem exatamente por isso, para permitir às startups pivotar e buscar o modelo ideal, desde os estágios iniciais à ideação, passando por MVP, validação e desenvolvimento, até atingir o PMF e, só depois, seguir com as rodadas series A, B, C e assim por diante.

5 - Nos estágios iniciais (Early Stage) o racional do valuation é muito pé no chão e no Brasil já aplicamos o múltiplo entre 6x e 10x ARR. Valuations esticados dificilmente emplacarão daqui por diante. Ou seja, já estamos mais conservadores e não é nenhuma novidade o suposto padrão de múltiplos daqui por diante, alertado pelo Tom Loverro.

6 - As startups brasileiras Early Stage têm sido orientadas a buscar o breakeven e a ter um runaway bem maior.

7 - Empreendedores brasileiros são resilientes, flexíveis e adaptáveis. Essa crise global que estamos vivendo (inflação, recessão e mais dificuldade de acesso ao crédito) além de mais um obstáculo e desafio, será também uma grande oportunidade para empreendedores se organizarem e se prepararem.

8 - Além disso, no Early Stage, apesar do índice de morte ser maior, os cheques são bem menores e pulverizados, fazendo com que as taxas de retorno no longo prazo sejam inclusive melhores, ou seja, apesar de menos maduras, investir em startups Early Stage é mais vantajoso. Diversos estudos já comprovam que investimento no começo e em mais startups afeta positivamente o resultado do portfólio.

9 - De fato, é verdade que grande parte das startups não conseguiu ou evitou fazer rodadas em 2022. Por isso, haverá um excesso de startups captando e, embora exista muito capital (Dry Powder) a ser alocado (inclusive no Brasil), o Venture Capital ainda será mais seletivo, investindo em startups Camelos e Cabras da Montanha, em vez de financiar qualquer promessa ou sinal de um novo unicórnio, como foi feito em anos anteriores.

10 - Os tempos de dinheiro em abundância de fato seguem distantes em 2023, sobretudo por ter ocasionado ondas de demissões que deixaram milhares de pessoas desempregadas nas startups Later Stage, Big Techs, e startups Unicórnio, como podemos acompanhar em sites que mostram os Layoffs. Isso não aconteceu nas startups iniciantes. O investimento de venture capital para estes perfis de startups vai continuar, mas virá direcionado a garantir um crescimento sustentável (não a qualquer custo), não aceitando mais, grandes custos fixos, com estrutura física desproporcional e com pessoas com remuneração muito agressiva.

11 - E exatamente por isso, estamos percebendo movimentações de diversas casas de investimento em venture capital, antecipando o momento de seus investimentos, ou seja, destinando seus recursos a startups em estágios mais iniciais como seed e pré-seed. Na contramão do que disse o Tom, no Brasil as casas estão investindo cada vez mais e diversificado mais cedo, para garantir uma boa originação de startups e acompanhar o desenvolvimento e crescimento delas. E claro, melhorar a rentabilidade dos seus fundos nos próximos seis a dez anos.

12 - Mesmo com todo a alarde e a generalização exacerbada, investidores qualificados e profissionais sabem que, apesar de ser um ativo ilíquido e de muito risco, é uma classe de ativo convexa e descorrelacionada e, por isso, entendem que devem continuar diversificando, direcionando e equilibrando suas carteiras de investimento de forma mais consciente e respaldada entre 5% a 10% de seu patrimônio líquido para terem boas possibilidades de retorno no longo prazo.

13 - Um ponto que poderia ser fatal para startups no médio prazo é não se adaptar às novas tecnologias como a inteligência artificial que pode sobrepor ou substituir de forma instantânea e com menos custo, as soluções que as startups se propõem a resolver. Se elas não se adaptarem, desenvolverem, integrarem ou desenvolverem APIs, aí sim, essas startups tendem a deixar de serem essenciais para o mercado.

14 - Os alertas desses tuítes do Tom Loverro para o momento de crise são importantes, assim como foram os alertas na pandemia. No entanto, não cabe a ele declarar e deixar dúvidas sobre o suposto fim de um ecossistema, até porque estamos falando de tecnologia que tende a ser cada vez mais essencial para resolver problemas da humanidade.

15 - Por fim, termino minha análise lembrando e informando que, apesar de o melhor dinheiro ser o dinheiro do cliente, captar funding nas fases das startups e na escada de investimento é importante para o contexto do jogo do equity e é a essência desse modelo.

E isso não quer dizer "cultura do crescimento a qualquer custo” instigada por grandes fundos no passado recente e também alardeada e generalizada pelos "de fora" ou os "do contra" que não entendem como realmente funciona o capital empreendedor, que, na prática, é o investimento para crescimento orgânico, sustentável e saudável.

 

*João Kepler é CEO da Bossanova Investimentos

 

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