O Brasil não adota sanções contra a Rússia (Kerstin Joensson/Divulgação)
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Publicado em 4 de julho de 2023 às 14h20.
Última atualização em 4 de julho de 2023 às 14h40.
Por Vera Kanas*
Em maio de 2023, foi realizada em Hiroshima, Japão, a Cúpula dos Líderes do Grupo dos Sete (G7). Trata-se do encontro dos chefes de Estado das sete maiores economias do mundo: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Em tais encontros, esses países discutem temas que são de comum interesse e alinham ações conjuntas que, inegavelmente, repercutem em todo o planeta.
Os líderes do G7 abordaram temas caros à humanidade, como desarmamento, segurança alimentar, transição energética e descarbonização. Porém, um dos assuntos mais tratados foi o apoio explícito à Ucrânia, e a condenação à Rússia pela invasão àquele país.
Nesse contexto, o G7 emitiu uma declaração conjunta, a “G7 Leaders’ Statement on Ukraine”, que reforçou o comprometimento em não permitir que a Rússia tenha meios de financiar suas atividades bélicas. Esse objetivo será atingido, entre outros, por meio da intensificação de sanções econômicas contra a Rússia e contra interesses russos.
Com efeito, desde fevereiro de 2022, diversas nações desenvolvidas têm adotado sanções econômicas e proibições de importação que afetaram o comércio e a realização de negócios pelos russos, e bloquearam ativos de seus nacionais. Além disso, o G7 estabeleceu, em fevereiro de 2023, tetos de preços para o petróleo e derivados, e restrições à prestação de serviços conexos, com o propósito de limitar os ganhos da Rússia nesse setor. A Declaração apresentada em Hiroshima prometeu restringir ainda mais o acesso da Rússia às economias do G7, apontando três caminhos.
Incialmente, pretende-se estender as atuais proibições ao comércio de equipamentos industriais em geral, bens relacionados a transportes, metais e diamantes, bem como aos serviços e tecnologias relacionados a esses setores.Ademais, a Declaração dispõe sobre medidas para reduzir os meios de acesso ao sistema financeiro global pela Rússia, o que atingiria também filiais de bancos russos em terceiros países, que estão sendo utilizados para contornar as sanções.
Por fim, o G7 passará a focar em evitar que a atuação de terceiros países acabe por reduzir a eficácia das medidas adotadas. Por um lado, o Grupo encoraja que os demais países assumam compromissos para garantir o sucesso das medidas adotadas por seus membros, e por outro exige que eles cessem um eventual apoio material à Rússia, ou enfrentarão penalidades por parte do grupo.
Atualmente, o Brasil não adota nenhuma sanção econômica contra a Rússia, a entidades ou indivíduos desse país. De fato, de maneira geral, o Brasil não impõe sanções de maneira unilateral contra nenhum país, e não há base legal que o autorize. Tampouco aplica sanções adotadas por terceiros países individualmente.
O Brasil segue rigorosamente as sanções impostas pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), com base na Lei nº 13.810/2019 – que regulamenta o congelamento de bens de propriedade de pessoas físicas, jurídicas e entidades, bem como a designação nacional de pessoas físicas investigadas ou acusadas de terrorismo, ou de financiar atos terroristas. Além disso, a Portaria da Secretária de Comércio Exterior (SECEX) 23/2011, e suas alterações, regulam os casos de “Países com Peculiaridades”, impondo restrições à exportação ou à importação de alguns bens em relação a determinados países também seguindo as decisões da ONU.
Portanto, o Brasil dificilmente seguirá a diretriz do G7 de impor sanções contra a Rússia sem o aval da ONU, ou de adotar medidas para garantir o sucesso de sanções aplicadas por outros países.
Entretanto, a Cúpula de Hiroshima evidencia que sanções econômicas desenvolvidas pelos seus membros podem impactar as atividades das empresas brasileiras de diversas maneiras.
Algumas entidades estabelecidas no Brasil podem estar efetivamente sujeitas às penalidades previstas nas regulações sobre sanções econômicas, sobretudo no caso dos EUA, que dispõe sobre a aplicação extraterritorial de certas disposições, o que deve ser examinado caso a caso.
Porém, muitas outras empresas brasileiras podem ser parte em contratos de financiamento, contratos de fornecimento, ou mesmo contratos de câmbio, que prevejam a obrigação de cumprir sanções impostas por terceiros países. Nesse caso, a violação dessa obrigação não tem por consequência as penalidades impostas por leis, mas sim as previstas no contrato que foi violado.
É inegável também que o cumprimento de sanções internacionais tem se tornado “melhores práticas”, e integra as políticas internas de muitas empresas. Trata-se do cumprimento voluntário, em prol da reputação da empresa.
Finalmente, pode ser cada vez mais difícil concretizar operações sancionadas por terceiros países, dada a dificuldade operacional de contratar operadores logísticos e financeiros internacionais, estes sim obrigados a seguir as sanções, como bancos, armadores, seguradoras, etc.
A Cúpula de Hiroshima claramente jogou luz sobre a questão das sanções econômicas contra a Rússia, ao propor a sua expansão, aprofundamento e a penalização a terceiros países. Por essa razão, é preciso que nós brasileiros estejamos atentos aos movimentos internacionais, cabendo às empresas brasileiras avaliar os riscos associados na condução dos seus negócios internacionais.
*Vera Kanas,é sócia na área de Comércio Internacional de TozziniFreire Advogados
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