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Brasil na OCDE: bilhete premiado

Para alcançar o desenvolvimento sustentável, nações precisam criar ambientes e manter instituições capazes de gerar benefícios para a sociedade

Há quem diga que o país tirou o bilhete premiado; e não sem razão (Antoine Antoniol/Bloomberg)

Há quem diga que o país tirou o bilhete premiado; e não sem razão (Antoine Antoniol/Bloomberg)

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Publicado em 22 de março de 2022 às 19h06.

Última atualização em 22 de março de 2022 às 19h22.

Por Fábio Pimentel e Rafael Aniceto*

O conselho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aprovou a abertura das discussões para assunção do Brasil à condição de membro da sexagenária instituição que congrega, atualmente, 38 economias em elevado estágio de desenvolvimento, bem como países emergentes.

A história nos ensina que as instituições são uma grande fonte da melhoria, no longo prazo, dos padrões de qualidade de vida das populações.

Os princípios da já consagrada teoria clássica do crescimento econômico, de Robert Solow, também recordam que nenhum país alcança o desenvolvimento sustentável apenas por meio do acúmulo de capital, do acesso a recursos naturais, da geração de superávits ou de práticas protecionistas.

Para além disso, é necessário que as nações compreendam essa sistemática e criem ambientes capazes de permitir que suas instituições internas cumpram da melhor forma possível seus objetivos, gerando benefícios para a sociedade.

Diferentemente do que ocorre com a participação em organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), em que países-membros devem obedecer às regras estabelecidas em prol de um objetivo maior, que é o comércio justo entre os Estados, mesmo que elas as coloquem em situação desfavorável, fazer parte da OCDE significa poder contar com uma rede de países que reconhece objetivos comuns e trabalha em cooperação para o crescimento mútuo. Léon Tolstói, no clássico Anna Karenina, escreveu que "todas as famílias felizes se parecem"”.

Da mesma forma é o comportamento das economias prósperas, que guardam notáveis semelhanças entre si. A missão da OCDE passa, portanto, por mapear os fatores que levaram ao crescimento exponencial de determinadas nações e auxiliar na criação de conjunturas favoráveis à sua replicação, tema este que já é desafiado pelo menos desde o fim do século 18, quando Adam Smith publicou sua investigação habitualmente chamada de A Riqueza das Nações.

À luz de tudo aquilo que já foi construído em termos de conhecimento e aprendizagem, caberá ao Brasil promover um conjunto amplo e profundo de reformas, que vão desde os temas tributários até a demonstração da existência de um regime de proteção de dados pessoais legítimo, eficiente e cujas autoridades encarregadas de sua fiscalização sejam realmente independentes dos poderes estabelecidos. Um esforço desta envergadura política, econômica e social justificaria — com sobra — a manutenção de uma estrutura estatal integralmente voltada para este desafio.

Como se sabe, muito embora as cidades venham ganhando papel cada vez mais relevante, como propulsoras da economia e da inovação, cerca de 68% da arrecadação fiscal é destinada à União, 26% aos estados e apenas 6% aos municípios, locais onde a vida em sociedade se desenvolve. Este desequilíbrio é sintomático e apenas reforça a necessidade premente de uma reforma tributária que promova efetiva justiça fiscal, visto que na maioria dos casos de Estados-membros da OCDE, 55% da arrecadação é destinada às cidades.

Trata-se, portanto, de um aspecto nodal e que sintetiza o que pode estar por trás do ingresso na OCDE: uma revisão da estrutura de poder e do conjunto de lógicas motrizes que determinam a direção e o sentido de funcionamento das instituições no Brasil.

Por outro lado, não se desconhece que a entrada na Organização não resolverá, por si só, todos os desafios estruturais nacionais. É importante reconhecer que o país já possui uma relevante convergência normativa com os predicados da OCDE, além de gozar do status diferenciado de parceiro-chave, ao lado de Índia, China, África do Sul e Indonésia.

Além disso, é correto afirmar também que a quantificação dos benefícios com o ingresso no chamado "Clube dos ricos" é de difícil avaliação, sendo certo que alguns países, como Chile e México, podem perfeitamente atribuir sua melhora econômica a outros fatores que não o acesso à Organização.

No entanto, é bem verdade que a necessidade de retomada econômica pós-covid pode funcionar como um incentivo extra para que os esforços sejam concentrados em um movimento que tende a contribuir substancialmente para o aumento da atração de investimentos externos, aperfeiçoamento da governança e até mesmo incremento na qualidade dos modelos educacionais.

Nos chamados tempos líquidos de Bauman, em que as instituições derretem a uma velocidade vertiginosa seria um alento poder contar com a quase certeza do apoio de uma rede de economias tão pujantes quanto as dos Estados-membros da Organização.

Qual deve ser a estratégia brasileira para que o ingresso na OCDE se torne uma realidade? O governo estima já ter cumprido quase 50% dos requisitos (acquis) necessários para passar no crivo dos mais de 20 comitês técnicos da Organização, embora reconheça a existência de grandes desafios, como a metodologia para os preços de transferência, tema de extrema controvérsia no contexto concorrencial do país.

A OCDE, naturalmente, não fará todo o trabalho duro para o Brasil. Porém, proverá os guidelines para que possamos promover as adequações necessárias ao atingimento dos padrões da Organização. É chegado o momento para que este tema entre, de vez, na pauta diária do debate e acompanhamento nacionais. Mãos à obra; há quem diga que o país tirou o bilhete premiado. E não sem razão.

*Fábio Pimentel é sócio sênior de J Amaral Advogados, head da prática de data privacy, tecnologia e negócios digitais e Rafael Aniceto é advogado da prática de data privacy, tecnologia e negócios digitais de J Amaral Advogados

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