Guerra na Ucrânia e covid balançam o jogo das empresas de tecnologia (Maskot/Getty Images)
Bússola
Publicado em 3 de junho de 2022 às 18h10.
Última atualização em 3 de junho de 2022 às 19h24.
Com a vacina contra covid a todo vapor em boa parte do mundo, 2022 parecia aquele momento em que você varre o entulho que a ressaca deixou no seu jardim e parte para reabastecer a casa. Só que, no meio do caminho, a chuva voltou com juros altos tanto nos EUA quanto no Brasil para combater a inflação, guerra na Ucrânia bagunçando os preços dos combustíveis e outras commodities.
Como reflexo disso, as empresas de tecnologia passaram a ter resultados menos brilhantes. As pessoas olharam para o índice Nasdaq e realizaram: o acumulado do ano em 24 de maio registrava queda de 28,85%. "Aí vai outra bolha estourando…"
Até parece quando está no meio de um jogo e vem alguém e balança o tabuleiro, bate uma irritação, incerteza e temos de parar tudo até arrumar. E agora? Claramente, a preocupação faz sentido também no Brasil depois da maré espetacular de dinheiro que vinha inundando o nosso ecossistema de startups, em 2021, melhor ano da história em termos de aportes. O medo de uma vazante violenta de capital gerou muita especulação nas últimas semanas.
Lembra do pânico que invadiu o mercado logo no início da pandemia, especialmente depois do memorando da Sequoia Capital recomendando que as empresas se preparassem para uma forte turbulência e chamando a covid de Cisne Negro (eventos catastróficos no mercado), pois é, aconteceu de novo.
Bom, em 2020 imaginou-se que quase todo mundo ia passar a trabalhar em home office para sempre, que a transformação digital seria a única saída e que dificilmente voltaríamos a um "velho" normal. Logo, empresas capazes de viabilizar essa revolução seriam as grandes estrelas, do streaming às fintechs, dos incontáveis serviços SaaS até ferramentas de governo eletrônico. No fim, foi triste e penoso, mas a covid refluiu, parte dos profissionais retornou ao trabalho presencial e o novo normal nem é mais tão novidade assim.
Somada às variáveis econômicas imprevisíveis como o horizonte dos juros aqui e nos EUA, a crise dos alimentos, inflação, a potencialmente barulhenta eleição geral no Brasil e o risco de nova onda de covid na China, a tendência normal é mesmo haver uma retração do mercado e conselhos mais cautelosos do tipo “olhe para a sua operação” parece fazer bastante sentido.
Mas, se 2020 não nos fez viver em bunkers protegidos do vírus para sempre, 2022 não se parece em nada com o estouro da bolha pontocom em 2000. Se, por um lado, as startups estão mais online e globalizadas e, assim, também mais expostas a desajustes e rearranjos na economia e na geopolítica, por outro lado, são mais ágeis e menos engessadas. Tem menos necessidade de estoques, ativos fixos e gestão modernas e ágeis o que as tornam mais adaptáveis e respondem mais rápido à crise… desde que tenham fundamentos (unit economics) sólidos. É assim que tem sido nas últimas décadas, é assim que as sobreviventes das marés baixas tem conseguido se superar e dominar mercados.
Em meio a este cenário alguns fundos estrangeiros e de late stage que vinham atuando de maneira oportunística no mercado brasileiro precisaram dar uma pausa, concentrando em seus mercados originais como o caso do SoftBank, por exemplo. Diversos family offices, investidores anjos e fundos investidores mais recentes têm se retraído e pensando em fazer menos transações ou olhando para além da fronteira da tecnologia (juros altos e bolsa descontada são fatores fortes para quem opera com capital próprio).
Os investidores (gestores profissionais) já estão fazendo seus cálculos. No Brasil há diversos fundos hiper captados que inicialmente tendem a privilegiar o próprio portfólio. Afinal, se o mercado está ruim, algumas empresas vão ter dificuldade de fazer novas captações, então é natural guardar capital para investir em quem você já apostou antes e vem apurando resultados positivos.
No todo, algumas coisas parecem estar se consolidando:
Apesar do chacoalhão no tabuleiro, todas as variáveis que acompanhamos vão decantar, afastem-se da ideia de que vivemos uma crise impiedosa que irá afundar as startups. Os múltiplos dos exits serão menores, os de entrada (novos investimentos) também! Ajustes, agradáveis ou desagradáveis são normais e mais do que esperados durante a jornada empreendedora.
Aos empreendedores, agora a lição de casa é entender quanto o seu mercado caiu, reavaliar o estágio do seu produto e o tamanho do caixa — tem lenha para queimar mais 12, 24 meses? Dependendo dessa resposta, pode ser desde a hora de pensar em vender ou fundir-se, optar entre crescer ou ser lucrativo, mudar de estratégia ou concluir que há espaço para não fazer tanta espuma até a pior fase passar.
Procurem se cercar de investidores experientes e com capital de longo prazo, esta experiência e mindset ajudarão a ajustar o foco e as necessidades de curto prazo que permitirão vocês continuarem sonhando e executando a transformação da nossa sociedade através da inovação.
Não obstante, todo o nosso talento para confusão institucional e voos de galinha, o ecossistema de inovação brasileiro nunca esteve tão sólido. Nosso drive é por soluções mais pé no chão; em vez de mirar para a lua, nossos founders querem é chutar para o gol. Como o que vivemos hoje é, essencialmente, uma questão de ajuste de preço, a tendência é que ao sobrevivermos saiamos dessa situação de forma menos traumática e mais forte!
*Gabriel Sidi é cofundador da Domo Invest
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