A estabilidade política deste governo Lula decorre de ele estar quase perfeitamente encaixado na narrativa do momento, de salvação da democracia (Lula Marques/Agência Brasil)
Analista Político - Colunista Bússola
Publicado em 19 de fevereiro de 2024 às 14h00.
Última atualização em 29 de fevereiro de 2024 às 14h04.
O teatro da política brasileira tem vivido de recorrer à troca de máscaras. A cada ato, o desafio preliminar é saber se o personagem é bom ou mau, nas circunstâncias dadas do enredo. Um exemplo é o presidente da Câmara, Arthur Lira, afagado ou execrado dependendo do alinhamento ou não com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
É preciso acompanhar com acuidade o debate público para, em todo momento, saber quem está do lado certo e deve ser apoiado e não se desatualizar.
É raro, entretanto, que os ciclos escapem completamente ao sincronismo eleitoral. Em geral, a cada semiperíodo do pêndulo os personagens mantêm sua persona razoavelmente íntegra, a não ser que se metam, ou sejam metidos, em episódios com potencial para inverter radicalmente papéis. Foi o caso de Michel Temer, que, de timoneiro da salvação nacional, repentinamente passou a vilão.
Na política, além de ser bom, é preciso ter sorte. E talvez a maior sorte na política seja o alinhamento das frequências, que no popular é a pessoa certa estar no lugar certo na hora certa. É quando os elementos se conjugam para um pequeno empurrão fazer o balanço oscilar bem para cima. É a ressonância do tal “encaixar-se na narrativa”.
A estabilidade política deste governo Lula decorre de ele estar quase perfeitamente encaixado na narrativa do momento, de salvação da democracia. Uma situação radicalmente diferente do período 2013-2018, quando o eixo organizador da discussão política era a luta contra a corrupção, e ao PT impôs-se a máscara do malvado favorito da opinião pública.
Decorre principalmente daí o visível desconforto dos candidatos a críticos, que, com pouquíssimas exceções, precisam fazer mesuras e quase pedir desculpas quando apontam algo que acham desagradável nas ações do governo federal. No mais das vezes, apressam-se a pagar o pedágio básico de ressaltar que também criticam, e muito, o antecessor recém-removido de palácio.
Aqui e ali começam a surgir sinais esporádicos de desconforto com pontos de contato entre métodos de agora e o demonizado lavajatismo, mas nada que interrompa a tendência. E Lula, experiente, trabalha bem o encaixe entre as circunstâncias e a narrativa, trazendo junto ao peito, e bem protegidas, as cartas de personagem central do combate ao bolsonarismo.
Não chega a ser novidade, aliás é bem antigo, dizer que, na política, mais importante que escolher os aliados é escolher o adversário. Jair Bolsonaro agrega para Lula a vantagem decisiva de o presidente manter para si a sincronicidade com o Zeitgeist.
Lembrando que sempre há a possibilidade de uma hora o vento virar, como virou para Sergio Moro e Deltan Dallagnol. Lula, além de tudo, tem-se reinventado em torno das pautas globais do momento. E mantém o discurso de não deixar o passado voltar, uma vaca que lhe deu tonéis de leite em três eleições contra os tucanos.
Além de algum desconforto provocado pela conjugação de mediocridade econômica, sanha arrecadatória e sinais exteriores de poder brasiliense usufruído em excesso, a ressurgência de um resiliente nacionalismo conservador, sempre potencialmente presente.
O exemplo norte-americano mostra que é uma variável crítica a monitorar. E nunca desconsiderar.
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