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Análise do Alon: as voltas da História e o rei nu

Troca de Biden por Kamala é uma oportunidade de medir quatno os EUA mudaram ou seguem iguais, escreve Alon Feuerwerker

Joe Biden, atual presidente dos Estados Unidos (Evan Vucci / POOL / AFP/AFP)
Alon Feuerwerker

Analista Político - Colunista Bússola

Publicado em 29 de julho de 2024 às 10h00.

A troca palaciana forçada de Joe Biden por Kamala Harris na chapa situacionista para as eleições presidenciais norte-americanas oferece a oportunidade de comparações na História.

Uma referência possível é 1968, quando, no auge na onda de mobilizações desencadeadas pelo Maio parisiense, pelos protestos contra a Guerra do Vietnã e pelo prestígio das revoluções armadas, o Partido Democrata do liberal (ali isso significa esquerda) Hubert Horatio Humphrey Jr. foi derrotado pelos republicanos de Richard Milhous Nixon.

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Para refinar ainda mais os paralelismos, Humphrey era vice do incumbente, Lyndon Johnson, que desistira de concorrer precisamente por causa do desgaste trazido pela guerra no Sudeste Asiático.Dizem que a desistência foi apenas uma manobra e que Johnson imaginava retomar gloriosamente a indicação apresentando-se na hora "h" como a única alternativa ao caos entre os democratas.

Dizem também que ele foi demovido da ideia depois que o Serviço Secreto não lhe garantiu as necessárias condições de segurança para comparecer à conflagrada convenção partidária.

O ambiente agora entre os democratas parece bem mais pacificado, mas a disputa com o campo oposto será algo parecida, até por alguma semelhança reputacional entre Nixon e o atual desafiante republicano. Quem vai levar? O liberalismo cosmopolita de Kamala Harris ou o conservadorismo patriótico de Donald Trump?

Se a comparação mais imediata é com 1968, vale também dar uma olhada no que aconteceu quatro anos depois, quando o conflito vietnamita já caminhava para uma derrota calamitosa dos americanos e apareciam as primeiras sombras de Watergate. Mesmo assim, Nixon conseguiu a reeleição vencendo o democrata ultraliberal George Stanley McGovern em todos os estados, com exceção de Massachusetts e da capital (DC). Um landslide.

Claro que nestes nossos tempos acelerados meio século faz diferença, e os EUA hoje não são uma cópia do país de então. Estamos, como o culto a certa modernidade gosta de ressaltar, "em pleno século 21". De todo jeito, a disputa será uma medida de quanto os Estados Unidos mudaram ou continuam iguais.

Vale observar e verificar se Kamala Harris conseguirá agrupar a aliança social que deu vitórias recentes aos democratas, juntando uma base trabalhadora-sindical tradicionalista e o “wokismo” de elites liberais, financeiras e intelectuais. Ou se o radicalismo pretensamente modernizante empurrará, como em 2016, uma fração decisiva do antigo operariado para favorecer Trump em estados-chave pendulares.

Não à toa a demografia ali ganha terreno sobre a marquetagem. Isso muito se deve ao protagonismo dos resultados eleitorais estaduais naquele país, algo particularíssimo. Mas os grandes movimentos do eleitorado americano não refletem uma realidade apenas local. A Europa que o diga.

*

Ainda sobre a troca de candidatos no Partido Democrata, é relevante que a fragilidade mental de Biden para governar só tenha sido admitida por seu campo político depois de escancarada no primeiro debate.

Um típico caso de “ o rei estava nu ”, para recorrer ao clássico sobre a roupa nova do monarca. Um exemplo paradigmático de como ter lado (e todo mundo tem um) acaba limitando a capacidade de o jornalismo cumprir sua primeira missão: contar o que realmente acontece.

O Poder360 fez uma matéria interessante sobre isso.

E restará para sempre a dúvida se a agora ex-campanha de Biden não era só uma operação política para eleger Kamala sem ela precisar disputar no voto.

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