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A resistência silenciosa do Supremo

O Supremo Tribunal Federal (STF) adotou tática silente para evitar a escalada retórica no embate com o presidente Jair Bolsonaro

Venda que cobre os olhos da estátua da Justiça foi baixada de improviso sobre a boca de ministros. (Ueslei Marcelino/Reuters)
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Bússola

Publicado em 28 de abril de 2022 às 18h10.

Por Márcio de Freitas*

O Supremo Tribunal Federal (STF) adotou tática silente para evitar a escalada retórica no embate com o presidente Jair Bolsonaro. A venda que cobre os olhos da estátua da Justiça foi baixada de improviso sobre a boca de ministros. Os olhos, contudo, estão arregalados com os movimentos que isolaram a corte no jogo dos três Poderes, que abandonaram a harmonia prevista na Constituição e ficaram pé somente na independência como forma de atuação.

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O julgamento do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) foi o estopim usado por Bolsonaro para isolar o Supremo. Ao defender e perdoar um parlamentar da pena de privação de liberdade, multa, suspensão de direitos políticos e cassação de mandato, o presidente angariou apoio do Congresso.

A “graça” foi usada para um terceiro (Silveira), não para si próprio ou para o Executivo. Bolsonaro conhece profundamente o sentimento de corporação que existe entre deputados, e atirou com essa arma contra o ministro Alexandre de Moraes, que tem trabalhado instrumentos alguns heterodoxos em sua judicatura para tocar inquéritos e proferir sentenças.

A decisão do tribunal era permeada por elementos de uma relativa superioridade, uma espécie de soberba suprema em relação aos outros Poderes. Esse sentimento já causou outros embates com o Executivo e Legislativo. E gera rancor acumulado que inibe a harmonização da relação entre presidente, senadores, deputados e ministros do STF. É uma feijoada que nada combina nem com vinho Romanée Conti. Tem gerado uma ressaca imensa de instabilidade institucional do país.

A suprema arrogância tenta diminuir a inteligência emocional do presidente Bolsonaro. É um erro que os ministros já deveriam ter percebido no trato com outro personagem sem o glamour de títulos doutorais, mas que acabou por enquadrar o judiciário brasileiro com a força da persistência, Lula. Que para surpresa de muitos, se calou sobre o indulto presidencial.

Lula também enfrentou o sistema jurídico quando a máquina da Lava Jato triturava empresários e políticos numa mixórdia onde havia culpados e outros nem tanto levados juntos ao cadafalso sob pretexto de qualquer tipo de delação — mesmo as mais frágeis e sem conexão com provas. Quando a coisa cresceu tanto que se perdeu o controle, houve um freio de arrumação… ainda em andamento. O Centrão respirou aliviado no regaço do governo Bolsonaro. O sistema partidário voltou a dar as cartas na política e velhas lideranças botaram novamente o pescoço acima da superfície das páginas policiais. Por enquanto, no país dos ciclos nunca encerrados…

Não que as sentenças proferidas tenham deixado de gritar supostos ou reais crimes do passado. Tanto é assim que decisões e delações serão muito usadas na campanha eleitoral deste ano como instrumento de desconstrução de imagem, ou de narrativa de perseguição organizada. A prescrição, revisão ou anulação de decisões serão brandidas como sinal de pureza infantil, quase como anúncio de fraldas para bebês.

É por isso que, mesmo que sob o manto atual do silêncio, o Supremo e o sistema judicial do país estarão no centro da campanha política. Quer queiram ou não. Seja pela dúvida levantada em relação à confiabilidade do sistema de apuração dos votos, seja pelo debate sobre ficha criminal dos candidatos e até dos inquéritos ainda em investigação.

Brinca-se muito que hoje se sabe mais o nome dos 11 ministros do Supremo do que os 11 jogadores da Seleção Brasileira de Futebol. A razão talvez seja queos dribles nos tribunais surpreendem mais que os de Neymar e cia. Como a Copa do Mundo é só em novembro, pouco deve mudar neste quadro até a eleição presidencial. Mas não haverá mutismo capaz de impedir a estratégia política de trazer o judiciário ao centro do debate político-eleitoral nacional deste ano. O veredito será popular.

*Márcio de Freitasé analista político da FSB Comunicação

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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