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Ministro diz que oferecer internet não é atribuição do MEC: é verdade?

Ministro disse em entrevista ao Estadão que reabertura de escolas também não cabe ao MEC e atribuiu homossexualidade a "famílias desajustadas"

Milton Ribeiro, ministro da Educação: "Se você entrar numa escola, mesmo na pública, é um número muito pequeno que não tem celular" (Isac Nóbrega/PR/Flickr)

Milton Ribeiro, ministro da Educação: "Se você entrar numa escola, mesmo na pública, é um número muito pequeno que não tem celular" (Isac Nóbrega/PR/Flickr)

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Carolina Riveira

Publicado em 24 de setembro de 2020 às 16h58.

Última atualização em 24 de setembro de 2020 às 20h52.

Dois meses após assumir o Ministério da Educação, o pastor Milton Ribeiro disse que temas como reabertura das escolas e oferecimento de internet aos alunos em meio à crise educacional na covid-19 não cabem ao MEC. As declarações foram publicadas nesta quinta-feira, 24, pelo jornal O Estado de S. Paulo. 

A entrevista do ministro incluiu ainda falas afirmando que estudantes homossexuais vêm de "famílias desajustadas" e que falar sobre educação sexual "para adolescentes que estão com os hormônios num top sobre isso é a mesma coisa que um incentivo".

Sobre o papel do MEC, Ribeiro disse que "a lei é clara" e que "quem tem jurisdição sobre escolas é estado e município".

Apesar de a Constituição estabelecer que o MEC não tem o papel de gerir diretamente as escolas, a participação do ministério na coordenação da crise educacional gerada pelo coronavírus é questionada por especialistas e por parte do Congresso.

Em seu artigo 211, a Constituição estabelece que a União deve exercer “função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino" e oferecer assistência a estados e municípios.

"No nosso ponto de vista, o grande articulador das ações nacionais na área da educação tem de ser o Ministério da Educação, junto com estados e municípios, particularmente nesse momento da pandemia e também no retorno da pandemia. Porque as realidades brasileiras são muito diversas", disse à EXAME o senador Flávio Arns (Podemos-PR), relator no Senado da PEC que renovou o Fundeb, fundo de desenvolvimento da educação básica. "O MEC tem um papel essencial que tem de ser assumido."

O governo federal não pode obrigar um estado a seguir todas as regras, como a data de abertura de escolas, que fica a cargo de cada lugar. Mas algum nível de coordenação nacional é desejado, dizem especialistas.

Para Daniel Cara, dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e professor na Faculdade de Educação da USP, o MEC não tem cumprido seu papel na pandemia. A própria aprovação do Fundeb contou com pouca participação do MEC e ficou a cargo de deputados e senadores.

"O enfrentamento dos impactos da pandemia no ensino depende concretamente de orientações e ações do governo federal. Milton Ribeiro está se eximindo de sua obrigação", diz Cara.

Assim como a Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases também estabelece o papel dos estados e municípios na gestão das escolas na ponta, mas não exime o MEC e o governo federal de responsabilidades para garantir que a educação brasileira seja ofertada a todos — um dos maiores desafios na pandemia.

Falta acesso à educação na pandemia

Ribeiro disse ainda na entrevista que a falta de acesso à internet para os alunos da rede pública também é de responsabilidade dos estados e que a maioria dos alunos já tem equipamentos.

Se você entrar numa escola, mesmo na pública, é um número muito pequeno que não tem o seu celular

Milton Ribeiro, ministro da Educação, em entrevista ao Estado de S.Paulo

Quase 6 milhões de alunos brasileiros não tinham acesso à internet rápida ou a um equipamento como celular e tablet para assisti-las, segundo um estudo do Inep com base em dados do IBGE. Esse grupo de alunos fica de fora das aulas online na pandemia.

Com o tempo, alguns estados fizeram projetos para disponibilizar chips de dados para os alunos, mas as ações ainda não chegam a todos.

Para Lucas Hoogerbrugge, líder de relações governamentais do Todos pela Educação, caberia à União aproveitar o fato de ter mais estrutura financeira para auxiliar estados e municípios nesse momento de crise.

O especialista, que tem contato direto com as secretarias de Educação no país, afirma que, mesmo entre os estados que já se articularam para oferecer planos de internet sozinhos, alguns têm relatado que conseguem oferecer internet somente à rede estadual, mas não têm recursos suficientes para a rede municipal.

Os principais afetados são estados e municípios mais pobres. "Isso é um dinheiro que poderia vir de Brasília, inclusive com uma negociação centralizada desses pacotes de dados, o que traria escala e poderia baratear os custos", diz.

O mesmo estudo do Ipea calculou que custaria cerca de 3,8 bilhões de reais para oferecer internet ou outras ferramentas de aprendizagem a alunos sem acesso no Brasil. O custo incluiria equipamentos para alunos que não têm celular ou tablet. O problema da falta de acesso é que afeta alunos já desfavorecidos: a maioria dos alunos sem internet é pobre, negra ou indígena e mora fora das capitais.

As leis em discussão

Da mesma forma como um pacote de socorro foi enviado a estados e municípios para a saúde durante a pandemia, o governo tem sido pressionado para que o mesmo seja feito na educação.

Um dos principais pontos é a Medida Provisória nº 934/2020 (que virou o Projeto de Lei nº 14.040/2020). A relatora, deputada Luisa Canziani (PTB-PR), incluiu no relatório aprovado pelo Congresso que parte do "Orçamento de Guerra" da pandemia seria usada na educação, um valor na casa dos 5 bilhões de reais.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou esse trecho. Segundo fontes ouvidas pela EXAME, o Congresso se articula para derrubar o veto.

Na outra ponta, o MEC disse nesta semana que irá distribuir 525 milhões de reais para a compra de insumos para a volta às aulas presenciais, como produtos de higiene. Ribeiro disse que o valor será destinado diretamente às escolas, e não às redes estaduais e municipais.

"Tem de ser uma distribuição bem articulada. Ir direto para o caixa das escolas não leva em conta o que estados e municípios já estão fazendo e onde o dinheiro é mais necessário", diz Hoogerbrugge, do Todos pela Educação. O valor também é considerado baixo perto das necessidades.

Estudo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação aponta que a rede pública pode perder mais de 50 bilhões de reais -- devido à queda na arrecadação diante da crise --, o que vai impactar na oferta em 2021.

No trabalho de apoio aos estados e municípios na educação, Congresso e Executivo também têm entre as prioridades aprovar o Sistema Nacional de Educação (SNE), que aperfeiçoa a colaboração entre os entes federativos e a discussão nacional de políticas — o que é especialmente essencial neste momento de pandemia.

Já há projetos tanto na Câmara quanto no Senado para que o SNE avance nas duas casas. Segundo o senador Flávio Arns, o objetivo é "o diálogo, o entendimento e a busca conjunta de soluções" entre os entes federativos.

Na entrevista ao Estadão, Ribeiro disse ainda que não está em conversa com congressistas, e que fará isso na "hora oportuna". Neste mês, o ministro recebeu deputados da Comissão de Acompanhamento do MEC (Comex), incluindo a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), o que gerou críticas por parte dos apoiadores do governo. "O presidente não gosta, porque são muito críticos, para mim, de uma maneira totalmente desequilibrada, mas eu vou ouvi-los", disse sobre a comissão.

Para evitar que a educação brasileira colapse ainda mais na pandemia, o diálogo entre a liderança do MEC, o Congresso e os gestores estaduais e municipais será fundamental — algo que pouco aconteceu até agora.

(Com Estadão Conteúdo)

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