Como a renúncia de Eduardo Leite embaralha (ainda mais) o jogo eleitoral
O governador do Rio Grande do Sul vai renunciar ao cargo ainda nesta semana para ficar livre para ser uma opção do PSDB. Falta combinar com Doria e outros partidos
Gilson Garrett Jr
Publicado em 29 de março de 2022 às 14h29.
Eduardo Leite ainda pode ser candidato à presidência pelo PSDB? Durante a coletiva de imprensa, na segunda-feira, 28, em que anunciou a renúncia ao cargo de governador do Rio Grande do Sul, o gaúcho disse, por diversas vezes, que estar fora do Executivo estadual o “libera para várias possibilidades”, incluindo figurar como cabeça de chapa em uma disputa nacional. A grande questão é como ficam as prévias feitas pelo partido, em novembro do ano passado, em que João Doria, governador de São Paulo, saiu vitorioso, e o arranjo com outros partidos.
Leite disse que vai respeitar as prévias, mas ao mesmo tempo falou que elas “não perdem a exclusividade” de outros nomes se apresentarem mais competitivos para concorrer ao Palácio do Planalto em 2022. Também deixou claro que a escolha de Doria foi algo interno do partido, mas que em uma coligação mais ampla, a decisão caberia ao grupo, e não somente ao PSDB.
Os tucanos já anunciaram que vão formar uma federação com o Cidadania. O partido está em conversas ainda para fazer uma aliança a nível nacional com o União Brasil, além do MDB. A ideia é ter como vice de Doria a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
O fato é que este movimento do governador Eduardo Leite (ele sairá oficialmente só na quinta-feira, 31) embaralha ainda mais o jogo político e divide o ninho tucano. Por trás desta decisão estão fatores externos e internos do partido. No externo tem a proximidade de Leite com o PSD, de Gilberto Kassab, que poderia entrar em uma coligação, caso ele fosse o cabeça de chapa. O gaúcho chegou a cogitar deixar o seu partido, mas decidiu ficar, motivado por colegas do PSDB.
PSDB ainda mais dividido?
É dentro do partido tucano que Leite enfrenta o principal desafio no momento, com briga de lideranças, sendo uma corrente ligada a Doria, e outra próxima aos nomes do senador Tasso Jereissati (CE) e do deputado federal Aécio Neves (MG), desafeto conhecido do governador paulista.
O cientista político André César, da Hold Assessoria, avalia que o PSDB não estava preparado para as prévias. “Pode ser que os dois saiam perdedores deste processo. O movimento coloca sobre o partido uma pressão que não existia. Fora isso, há um impacto no mundo político, com mais uma figura para fazer uma composição”, diz.
Internamente, também pesa, em favor de Leite, Doria não ter decolado nas pesquisas, mesmo após ele anunciar a intenção de disputar a eleição. Na mais recente pesquisa EXAME/IDEIA, o gaúcho tem 2% das intenções de voto e o paulista 1%. Mesmo que seja dentro da margem de erro da sondagem, que é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos, a corrente do partido que defende a candidatura de Leite se apoia nos números de rejeição.
Na pergunta sobre em quem o eleitor não votaria “de jeito nenhum”, o governador paulista aparece com 18%, e Eduardo Leite tem 11% das menções. Vale lembrar que Doria é mais conhecido que o governador do Rio Grande do Sul, o que naturalmente faz ele também ser mais lembrado em uma questão de rejeição.
A sondagem ouviu 1.500 pessoas entre os dias 18 e 23 de março. As entrevistas foram feitas por telefone, com ligações tanto para fixos residenciais quanto para celulares. A pesquisa foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral com o número BR-04244/2022. A pesquisa EXAME/IDEIA é um projeto que une EXAME e o IDEIA, instituto de pesquisa especializado em opinião pública. Confira o relatório completo aqui.
Procurada pela EXAME, a campanha do governador João Doria não quis se manifestar sobre a renúncia de Leite, mas nos bastidores a decisão de correr por fora é considerada como um "golpe", e cobraram um posicionamento do presidente do partido, Bruno Araújo.
Nacionalmente, o PSDB só se manifestou dizendo que tem orgulho de como o gaúcho conduziu o Rio Grande do Sul. "Com diálogo, entendimento e coerência política, soube equacionar problemas gravíssimos que duravam décadas", disse uma nota enviada.
O desejo de ser presidente
Desde que se lançou como candidato das prévias do PSDB para disputar uma eleição presidencial, Leite tem falado do seu sonho em ser o ocupante do Palácio do Planalto em 2022. Questionado por EXAME na segunda-feira se esse ainda é o seu desejo, mesmo após perder a escolha interna, ele disse que sim.
“Naturalmente nós temos nossas aspirações de forma individual, a vontade de estar protagonizando naquele caminho que escolhemos para atuar. Claro que eu desejo poder dar uma contribuição como presidente da República, mas eu não faço dessa aspiração pessoal um projeto que se sobreponha ao que eu quero como cidadão, que é ajudar o Brasil a construir de forma sólida o crescimento para viabilizar distribuição de renda de forma sustentada”, afirmou.
Leite ainda lembrou e parafraseou uma fala do governador João Doria, de fevereiro, para justificar a resposta e dizer que o jogo não está definido. Na ocasião, o paulista admitiu, pela primeira vez, que pode não sair candidato do PSDB. “Se lá na frente eu precisar oferecer o meu apoio para não ter dicotomia [de Lula e Bolsonaro] estarei ao lado daquele, e de quantos que serão capacitados, para ganhar”, disse durante o CEO Conference, evento do BTG Pactual (controlador de EXAME).
Maurício Moura, fundador do IDEIA, instituto de pesquisa especializado em opinião pública, acredita que o movimento de Leite é muito embasado na sua principal bandeira - ser contra a reeleição -, mas que o cenário não deve mudar nos próximos meses. “Creio que dificilmente uma candidatura dele pelo PSDB possa quebrar a polarização estabelecida entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL)”, afirma.
Terceira via unida?
Outra questão que a renúncia de Eduardo Leite pretende resolver é a união da terceira via em torno de um candidato único. Logo que lançou sua pré-candidatura, no fim do ano passado, Sergio Moro (Podemos) ganhou a simpatia do eleitorado e chegou a ultrapassar Ciro Gomes (PDT) nas pesquisas seguintes, figurando com 11% das intenções de voto.
Com o passar do tempo, o seu nome perdeu fôlego e agora ele está empatado com o pedetista, em uma simulação de primeiro turno. Mas a situação não é só ruim para o ex-juiz, toda a terceira via, somada, não chega a 24% das intenções de voto. Lula tem 40% e Bolsonaro 29%.
Há um movimento de tentar aglutinar essas forças políticas e tentar brigar em termos de igualdade com Lula e Bolsonaro, a questão é a conta, que parece não fechar. Todos querem apresentar um nome como cabeça de chapa.
A ideia do grupo que está conversando, formado entre PSDB, Cidadania, União Brasil e MDB, é escolher não o que mais pontua nas pesquisas, mas aquele que seja capaz de enfrentar a polarização entre o atual presidente e o petista. Leite poderia trazer ainda para este grupo o PSD e o Novo, partido do qual é bastante próximo.
Moro tenta entrar neste debate, mas já ouviu que pesquisa não define o representante do grupo na disputa nacional. Nos próximos dias, futuros candidatos precisam renunciar a mandatos, por conta da lei eleitoral, e o jogo começa a ficar mais claro. Até as convenções, no meio do ano, que vão definir, de fato, os candidatos, muita regra precisa ficar estabelecida antes da partida realmente começar. E todo mundo quer ser o dono da bola.