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Ainda há um vazio no centro nestas eleições, diz Silvana Krause

Para pesquisadora da UFRGS, brasileiros devem novamente tender ao centro nestas eleições - mas, na visão dela, nenhum candidato está nesse posto

Geraldo Alckmin: ele ainda não teve fôlego para cair nas graças do eleitor que prefere o centro (Adriano Machado/Reuters)

Talita Abrantes

Publicado em 27 de julho de 2018 às 16h40.

Última atualização em 31 de julho de 2018 às 13h43.

São Paulo - Nos últimos quatro anos, muitos fatores alteraram a lógica política brasileira - e algumas dessas mudanças devem impactar estratégias e desempenhos dos candidatos nas eleições de 2018 . Apesar dessas mudanças, alguns velhos paradigmas permanecerão relevantes na disputa eleitoral, segundo a cientista política Silvana Krause, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em coligações partidárias.

Segundo a pesquisadora, a necessidade de palanques fortes nos estados é um deles. Por si só, esse fato penalizaria os presidenciáveis que ainda estão patinando ao compor suas alianças. O outro é a tendência do brasileiro de apoiar chapas centristas. O problema: até agora, ninguém conseguiu assumir esse posto, segundo a pesquisadora.

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De acordo com ela, mesmo oex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), que deve assumir uma postura mais ao centro neste pleito e goza de vantagem em termos de estrutura de coligação, apresenta deficiências que pode impedi-lo de alcançar o eleitor. Nesse cenário, na visão de Silvana, o horizonte para as eleições de 2018 permanece em aberto. Veja trechos da entrevista que ela concedeu a EXAME:

Silvana Krause, professora da UFRGS e uma das organizadoras do livro "Coligações e Disputas Eleitorais na Nova República" (Editora Unesp) (Cedido a EXAME por Silvana Krause/Divulgação)

EXAME.com: Apesar de estarem na liderança das pesquisas de intenção de voto para a Presidência, tanto Jair Bolsonaro (PSL) quanto Marina Silva (Rede) estão patinando para conseguir formar alianças. O quanto isso é negativo para a campanha de ambos?

Silvana Krause: Posso estar enganada, mas eu tenho dito que tudo indica que a candidatura de Bolsonaro tem limites. A gente olha para as pesquisas de opinião e ele tem uma grande dificuldade em ter simpatia do voto das mulheres. A intenção de voto dele é significativa, mas é predominantemente formada pelo voto masculino. Para os outros candidatos, não há uma distorção tão grande. Não é por acaso que ele está tentando ter uma vice mulher. Além disso, é grande a rejeição que ele tem. São muitos limites. A dificuldade em compor alianças é sintoma de uma candidatura de pouca agregação.

A maior parte dos eleitores é silenciosa. Quem se manifesta nas mídias é uma minoria. A grande parcela dos eleitorado ainda não sabe em quem votar. Apesar do processo de polarização que se aprofundou, o comportamento tradicional do brasileiro é buscar o centro. Não é por acaso que quando o Lula foi mais ao centro que, entre outros elementos, ele teve sucesso eleitoral em 2002. O problema é que hoje nós temos um vazio de lideranças de centro.

Então, a chance de um candidato mais radical chegar ao segundo turno é menor?

Podemos ter a surpresa de um candidato mais radical.  A engenharia de uma eleição de dois turnos torna mais difícil que alguém polarizado consiga vencer por que é necessário formar maioria. Além disso, no segundo turno, a tendência é ampliar o leque de alianças, algo que força as negociações com elites tradicionais e torna a radicalização mais difícil.

Em termos de tempo na televisão e palanques nos estados, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin está em vantagem depois que se aliou com o Centrão. Mas ao mesmo tempo, esse é um dos grupos reconhecidamente fisiologistas do Congresso. Qual é o saldo desse acordo, na sua visão?

Ele  tem duas situações positivas. O PSDB competiu nas últimas sete eleições como um partido central na disputa presidencial. O fato de não estar ligado ao governo da Dilma alcança todo esse eleitorado anti-petista.

Por outro lado, há vários elementos que hoje travam a campanha. As feridas das disputas internas do PSDB nas eleições de 2016 ainda não foram saradas. Foi um trauma que nasceu em São Paulo, não em um estado periférico. Além disso, ele tem uma dificuldade de penetrar no eleitorado brasileiro, ele tem uma rejeição significativa.

A ampla aliança feita com o Centrão foi uma estratégia tradicional, de calcular ganhos de TV. Mas já há estudos mostrando que a importância da propaganda de TV tem diminuído muito nas campanhas. O saldo ainda não está claro. Essa eleição ainda está muito aberta.

O tempo de TV pode não ser mais decisivo?

Essa eleição vai ter um diferencial muito grande pelas redes sociais, que vão ter um impacto importante na campanha. A TV é importante, mas não é mais a variável única para determinar uma eleição. É uma variável importante que faz a lógica das coligações. Mas não é só o tempo de TV que determina essa lógica.

Quais são essas outras variáveis?

Pesa a expressão dos partidos em cada estado, sua capacidade de mobilização, sua capacidade de ter lideranças que elevem uma campanha em um dado distrito. Quando se estabelece estratégias para campanhas à Presidência da República, é preciso garantir presenças de articuladores nos estados. Isso é fundamental para que uma campanha seja bem sucedida.

A única exceção foi a eleição de Fernando Collor de Mello, mas aquele era um momento muito específico da democracia - não havia partidos estruturados, era uma eleição apenas para presidente, a primeira depois da redemocratização. Tudo isso criou um clima que possibilitou que ele fosse lançado sem uma estrutura partidária nos estados.

Nas outras eleições presidenciais no país, as coligações foram fundamentais para garantir palanques. Por maior que seja o antipartidarismo, acho pouco crível que um candidato outsider tenha sucesso sem palanques estruturados nos estados.

Mas nem sempre a coligação para presidente coincide com os apoios nos estados...

A questão da verticalização das coligações obrigou os partidos a terem uma certa coerência em suas alianças. Mesmo com essa norma do TSE, o problema não foi resolvido. A saída foi a informalidade dos apoios no âmbito regional.

Historicamente, as coligações, para as proporcionais e para presidente da República, tendem a ter uma feição bastante heterogênea com costuras de um mesmo partido apoiando as coligações em um estado mesmo que aquele estado não esteja envolvido na campanha nacional. Mas isso não é de agora. Mesmo no período pré-64, que tinha uma engenharia de sistema eleitoral um pouco distinta, tivemos campanhas que já envolviam essa cultura política de alianças bastante desconfiguradas.

Isso significa que o jogo político é muito mais pragmático do que ideológico no Brasil?

Já é consolidada a ideia de que a lógica de alianças, principalmente para eleições proporcionais, não obedece uma identidade ideológica. São arranjos de governança. E as alianças mais consistentes no sentido ideológico tendem a fracassar.

Nas eleições de 89, 94 e 98, a estratégia de aliança das candidaturas do Lula era manter uma consistência ideológica. Não foram frutíferas. Não foi só por isso, mas também por isso. Qual foi o momento em que a candidatura de Lula foi frutífera? No momento em que a estratégia de coligação ficou mais flexível nessa questão ideológica.

Isso tem a ver com a engenharia do nosso sistema eleitoral, mas principalmente com a nossa cultura política, que é antipartidária, muito informal e personalista, onde os contatos pessoais são muito importantes até para as coligações dos partidos.  O eleitor não sabe quais são as alianças, ele vai muito pelo envolvimento pessoal.

Como o fim das coligações impacta esse sistema?

Se a regra não for alterada até 2020 [que é quando as coligações para eleições proporcionais serão proibidas], é praticamente consensual que a coligação para eleições proporcionais causa um impacto muito negativo na representação política no Brasil. Mas a coligação por coligação não é um problema, o problema é a maneira de calcular a coligação, como ela é feita. Os partidos se unem nas eleições, mas são desconexos na participação legislativa. São alianças que não se sustentam a médio e longo prazo. Isso traz uma imprevisibilidade.

 

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