Afinal, o que acontece com quem publica (e divulga) fake news?
Com proximidade das eleições, problema da propagação de notícias falsas ganha urgência no debate público
Luiza Calegari
Publicado em 24 de março de 2018 às 06h30.
Última atualização em 24 de março de 2018 às 06h30.
São Paulo – O Brasil ainda não tem uma legislação específica para punir quem produz e compartilha notícias falsas ou sem embasamento (as chamadas fake news ), mas isso não quer dizer que quem não checa a veracidade das informações compartilhadas está livre de ser responsabilizado.
Existem instrumentos legais para acionar produtores e divulgadores de fake news nas justiças civil e criminal. Para as eleições, especificamente, também existem parâmetros para enquadrar quem tenta prejudicar os candidatos.
No entanto, há uma brecha nessas legislações, já que não há punição para as notícias falsas que não ataquem diretamente a reputação de uma pessoa, partido ou coligação.
Para sanar essa lacuna, há pelo menos oito projetos em tramitação no Congresso, que estão sendo analisados pelo Conselho de Comunicação Social do Senado .
Entenda melhor como é a lei hoje, o que falta ser delimitado e quais as polêmicas envolvendo o tema:
O que dizem as leis
Existem pelo menos três formas de punir quem produz e divulga fake news atualmente.
Segundo Luiz Di Sessa, advogado do Cescon Barrieu Advogados especialista em tecnologia e propriedade intelectual, é possível acionar a justiça civil e solicitar que o conteúdo seja retirado do ar pelo provedor por meio de autorização judicial.
O Marco Civil da Internet , no artigo 19, prevê que “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
O Facebook hoje tem um mecanismo por meio do qual os próprios usuários podem denunciar postagens ou páginas ofensivas ou difamatórias. Mas, segundo o Marco Civil, ele só é obrigado a tirar o conteúdo do ar quando houver determinação judicial – o que ele faz além disso é por conta própria.
Assim, por exemplo, se existe uma publicação difamatória sobre uma celebridade circulando no Facebook, essa pessoa leva o caso à Justiça e o juiz determina que o Facebook tire a postagem do ar.
Se, além disso, a pessoa ofendida quiser uma indenização, é preciso recorrer à justiça criminal e alegar que houve calúnia, injúria ou difamação. A pena para esse tipo de crime varia de 3 meses a 3 anos (que, dependendo do caso, podem ser trocados por serviços à comunidade) e o pagamento de uma indenização.
Por fim, se a divulgação de notícias falsas ocorrer em época de eleição visando desqualificar um candidato, partido ou coligação, aplica-se a lei 12.891, de 2013, de acordo com o coordenador do curso de Direito Digital do Insper, Renato Opice Blum.
Segundo o texto, constitui crime “a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação”. A pena varia de 2 a 4 anos de prisão e multa de 15 mil a 50 mil reais.
Quem for contratado com essa finalidade também está sujeito à punição, que vai de seis meses a um ano de prisão, mais multa de 5 mil a 30 mil reais.
Projetos no Senado
Nenhuma das leis existentes hoje cobre os casos em que a divulgação de notícia falsa não é dirigida a uma pessoa em particular.
No final do ano passado, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) apresentou um projeto que especificava o crime de divulgação de notícias falsas, que poderia ser punido com até três anos de cadeia.
O projeto tem um ponto polêmico: na prática, obriga os provedores de serviços (no caso, Google, Facebook, Whatsapp, YouTube) a tirar os conteúdos do ar sem necessidade de autorização judicial, apenas a pedido de uma das partes.
Segundo Di Sessa, o tema gerou polêmica porque, com isso, seria dado um poder equivalente ao de polícia para empresas de internet, ferindo a liberdade de expressão garantida pelo Marco Civil.
Diante da polêmica, o Conselho de Comunicação Social do Senado resolveu montar uma comissão para analisar todos os 8 textos sobre o tema que tramitam atualmente e produzir um relatório para orientar os debates no Congresso. O relatório deve ser divulgado até o dia 2 de abril.
Polêmicas e educação
O combate às fake news não é uma luta isolada, mas uma questão para vários países, que enfrentam o dilema de modernizar a legislação sobre o tema, segundo os especialistas.
Uma das polêmicas envolvidas é a responsabilização de quem compartilha a notícia: em um recente acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, citado por Di Sessa, fica estabelecida a responsabilidade de quem “compartilha notícias que possam ser qualificadas como crimes contra a honra”.
O problema está em determinar o grau de responsabilização dessa pessoa: é o juiz que vai decidir se ela tinha condições de saber que a notícia divulgada era falsa ou não.
Para Di Sessa, a prioridade no debate deve ser a educação dos próprios cidadãos. “Existem alguns cuidados que o usuário pode ter na hora de avaliar se uma informação é falsa ou se existe aí um fundo de verdade nela. Tem desde a fonte, até a forma que é escrita, o veículo de divulgação, e tem algumas maneiras de você desconfiar da veracidade da notícia”.
Renato Blum lembrou a iniciativa do Google de investir nas informações de veículos jornalísticos, como forma de prestigiar o trabalho qualificado de apuração das informações.
Ele acredita que iniciativas como essa podem subsidiar, nos tribunais, o entendimento de que a pessoa podia ter checado a veracidade da notícia antes de compartilhá-la.
Para ajudar nessa tarefa, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou uma campanha de conscientização sobre as fake news:
Outra polêmica importante, e é aí que entra o debate em torno do projeto de Ciro Nogueira, é o cuidado que precisa ser tomado na elaboração das leis para não abrir brechas para uma politização das medidas – ou seja, não abrir espaço para censurar notícias que tenham desagradado algum ente.
"É importante frisar que o que deve ser combatido é a notícia falsa escrita e divulgada com o propósito de enganar alguém. Há de se ter cuidado para não incluir neste conceito possíveis divergências de entendimentos que pessoas possam ter sobre determinados fatos, o que é um risco alto, potencializado em época de eleições", diz Di Sessa.