Tecnologia

É um equívoco dizer que no Brasil não há profissionais de tecnologia, diz diretor da Amazon

Leandro De Paula, diretor de tecnologia da companhia na América Latina, conta como a Amazon se adaptou ao Brasil em 12 anos de operação e quais avanços tecnológicos a equipe brasileira criou para o marketplace

Leandro de Paula: diretor de tecnologia da Amazon (Amazon/Divulgação)

Leandro de Paula: diretor de tecnologia da Amazon (Amazon/Divulgação)

Laura Pancini
Laura Pancini

Repórter

Publicado em 29 de janeiro de 2024 às 15h14.

Última atualização em 30 de janeiro de 2024 às 15h53.

Há quase dez anos, a Amazon decretava sua entrada no varejo do Brasil. Primeiro, a empresa introduziu ao mercado brasileiro a venda de livros em edições digitais e físicas para um público que ainda estava se acostumando com as facilidades da varejista. Em 2017, a empresa fundada por Jeff Bezos aumentou a aposta e abriu o site para vendedores de todo o Brasil. O plano era competir com grandes nomes como Americanas, Magazine Luiza e Mercado Livre, com promessas de entrega por todo o Brasil. A estratégia deu frutos: hoje, a Amazon tem a segunda maior fatia do mercado no setor de e-commerces.

Nos bastidores do sucesso, uma equipe de brasileiros dedicou anos para garantir que toda a logística de entrega – das especificação dos produtos no site aos imbróglios do sistema tributário – funcionaria perfeitamente a partir do lançamento do site. O resultado foi uma Amazon à brasileira que pôs na praça projetos que hoje são utilizados em quinze países.

Na coordenação da empreitada que culminou na Amazon do Brasil como se conhece hoje, está Leandro de Paula, cientista da compoutação que este ano completa dez anos de carreira na Amazon. “O início foi dedicado a entender o mercado nacional, os meios de pagamento no Brasil e aprimorar a experiência do cliente. Em 2019, lançamos o varejo e consolidamos a operação completa”, conta em entrevista exclusiva à EXAME.

Alocado em Seattle, o executivo supervisiona cerca de 400 funcionários pela América Latina. De Paula participou do lançamento do marketplace, varejo e da implantação e evolução do Centro de Desenvolvimento da Amazon em São Paulo, o primeiro da empresa na América Latina. Antes da Amazon, gerenciou equipes em mais de 100 projetos de sucesso para empresas internacionais, como Apple, Dell, Metlife, HP, AIG, Whirlpool e Morgan Stanley, passando por EUA, Índia, França, Reino Unido e Chile.

“Para operar no Brasil, enfrentamos o desafio de lidar com uma complexidade tributária única”, explica De Paula. Antes do Brasil, a última operação completa lançada pela Amazon havia sido no México, em 2015, e antes disso, na Espanha e Itália, em 2011 e 2012. “A dificuldade por aqui era compreender quais sistemas e tecnologias seriam necessários para operar de maneira eficiente e em conformidade com as leis tributárias”.

De Paula e sua equipe, então, encontraram uma solução tão eficiente que hoje é utilizada por outras quinze sedes da Amazon pelo mundo. O time de tecnologia da América Latina também está por trás do sistema de notificações entre o e-commerce e os vendedores, avisando o status de entrega e outras informações de cada pedido. Só no último ano, mais de um bilhão de mensagens foram enviadas entre Brasil, Índia e países do Oriente Médio. Confira abaixo outros trechos da conversa com o executivo:

Hoje você é responsável pela expansão das iniciativas de tecnologia da Amazon na América Latina. Quando o leitor lê “tecnologia”, ele pode pensar desde a Alexa até a manutenção do site, então, você pode explicar o que isso implica?

Nossa principal missão é compreender as necessidades dos clientes na região, especialmente no Brasil e no México, abrangendo desde melhorias no site até soluções complexas na operação de e-commerce. Operamos sob o domínio da .com [e-commerce], focados em uma gama de serviços. No e-commerce, nossa equipe atua em diversas frentes, desde a operação nos armazéns até a comunicação com o governo, geração de notas fiscais, controle de inventário e questões contábeis. Um aspecto crucial do nosso trabalho é a colaboração com as equipes globais da Amazon. Por exemplo, ao lançar a Amazon Logística, trabalhamos em estreita colaboração com a equipe global dessa área. Analisamos os desafios específicos da operação logística no Brasil, identificamos lacunas em relação às tecnologias globais existentes e desenvolvemos soluções adaptadas às necessidades locais. Esse processo envolve a coordenação de lançamentos e a exportação das tecnologias desenvolvidas para integrá-las ao ecossistema global da Amazon.

Quais foram os desafios identificados no Brasil? E o que foi implementado?

Decisões estratégicas, como a abertura de novos armazéns, o uso de logística própria e o lançamento do serviço Prime [programa de benefícios]. Foram várias etapas, desde a criação do sistema de notas fiscais brasileiro até a adaptação dos armazéns globais para atender às especificidades do Brasil. Criamos um sistema para validar as notas dos fornecedores em tempo real, garantindo que todos os documentos estivessem corretos antes de permitir a venda. O desafio era adaptar os sistemas globais da Amazon para atender às exigências brasileiras. Além disso, desenvolvemos o Spider, um sistema de otimização logística que coordena a movimentação de produtos pelos armazéns. Isso porque a logística no Brasil envolve não apenas o tempo de entrega, mas também a carga tributária, devido às diferentes alíquotas de ICMS em cada estado. O Spider, então, otimiza a localização derodutos na malha logística, reduzindo o tempo de entrega e diminuindo a carga tributária. Hoje, temos 74 nós logísticos no Brasil, incluindo 10 armazéns e diversas estações de entrega próximas aos clientes.

E como o fator humano está presente nessas tecnologias?

O fator humano é crucial, pois todos os projetos partem de uma necessidade do cliente. Trabalhamos com a mentalidade de resolver problemas específicos e criar soluções inovadoras. O trabalho é pautado por um documento chamado "Working Backwards", onde descrevemos o lançamento do projeto antes mesmo de começar a desenvolvê-lo. O feedback é essencial, e só avançamos em projetos que realmente nos entusiasmam.

O que você diria para quem insiste que o Brasil é um país sem potencial tecnológico?

É uma visão equivocada. O país abriga universidades de ponta e profissionais altamente qualificados, competindo de igual para igual com talentos de outras nações. Isso se reflete no sucesso do centro de desenvolvimento da Amazon no Brasil, onde encontramos uma equipe excepcionalmente habilidosa com diversas formações acadêmicas. O trabalho desenvolvido por essa equipe é amplamente reconhecido dentro da Amazon. Nossos lançamentos ocorrem sem contratempos, sem bugs significativos ou problemas operacionais. Ao interagir com outros profissionais, recebemos constantes elogios sobre a qualidade dos talentos brasileiros. Essa experiência positiva destaca o equívoco da ideia de que o Brasil não possui uma base sólida de profissionais de tecnologia. Admito que há um déficit na quantidade de profissionais formados em tecnologia no Brasil. Contudo, vejo isso como uma oportunidade de crescimento. O país possui um vasto potencial para aumentar o número de profissionais capacitados na área. Inspirar-se em iniciativas bem-sucedidas, como as da Índia, onde o governo incentivou fortemente a instrução em tecnologia, pode ser uma estratégia eficaz. No Brasil, já existem parcerias envolvendo ETECs, principalmente em São Paulo.

E para outros líderes da área de tecnologia aqui no Brasil, qual seria sua dica para gerir uma equipe com eficiência?

Acredito que a abordagem fundamental ao buscar soluções é não criar algo sem antes identificar claramente o problema a ser resolvido. Essa prática é comum em startups e empresas iniciantes, onde muitas vezes a crença no valor de um produto pode preceder a validação efetiva. Exemplificando essa abordagem, destaco o caso da Amazon e o lançamento do Kindle. Antes de criar o dispositivo, a tecnologia e-ink [papel eletrônico] já existia, mas não havia uma ideia pré-concebida de desenvolver algo específico para e-books. A necessidade surgiu quando se reconheceu o desejo das pessoas de evitar o peso de carregar muitos livros físicos. É crucial evitar a armadilha de buscar inovação apenas pelo seu valor intrínseco, como no caso dos NFTs (tokens não fungíveis) no ano passado. A lição é clara: para o sucesso empresarial, é essencial concentrar-se em problemas bem definidos e buscar as melhores soluções para esses desafios já existentes.

O que podemos esperar da equipe de tecnologia da Amazon em 2024?

Vamos nos dedicar continuamente à melhoria da experiência dos clientes. No nosso site, o foco permanece em aprimorar o tempo de entrega em todo o país, sendo uma jornada constante desde o seu lançamento. Acredito que seja fundamental ressaltar que a operação da Amazon no Brasil é uma jornada contínua de aprendizado. A competição no país é intensa, com excelentes concorrentes, o que nos motiva a aprimorar constantemente nossos serviços. Reconhecemos que operar no Brasil não é tarefa fácil, dadas as complexidades relacionadas ao regime tributário e logística. Nosso foco é na melhoria contínua, entendendo como cada lançamento impacta e evolui a operação. Estamos em constante aprendizado e pretendemos continuar assim.

Acompanhe tudo sobre:Amazon

Mais de Tecnologia

Black Friday: 5 sites para comparar os melhores preços

China acelera integração entre 5G e internet industrial com projeto pioneiro

Vale a pena comprar celular na Black Friday?

A densidade de talentos define uma empresa de sucesso; as lições da VP da Sequoia Capital