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Feminismo no mundo dos vinhos: conheça quatro lideranças do setor

A despeito do machismo nesse mercado, as mulheres ocupam cada vez mais cargos de destaque

Júlia Frischtak, sócia e diretora da Cellar Vinhos (Leandro Fonseca/Exame)

Júlia Frischtak, sócia e diretora da Cellar Vinhos (Leandro Fonseca/Exame)

Tânia Nogueira

Tânia Nogueira

Publicado em 11 de março de 2021 às 05h41.

Última atualização em 12 de março de 2021 às 18h01.

O feminismo começa a chegar ao mundo do vinho. Nessa indústria, que passa pelo agronegócio e pelo setor de restauração e hospitalidade, as mulheres têm o principal para se dar bem: um bom nariz. Segundo um estudo da Universidade Estadual de Santa Catarina, mulheres têm maior capacidade de identificar aromas, como especiarias e flores, já que possuem um número mais elevado de células no bulbo olfatório.

Ainda assim, no mundo todo, o setor do vinho continua sendo dominado por homens ­— nada muito diferente do que acontece em outros setores. O jornalista carioca Marcelo Copello realizou uma pesquisa com 500 profissionais do ramo. A maioria (79,5%) disse que o setor é sexista e machista. No ano passado, o The New York Times revelou um escândalo na Court of Masters Sommeliers, dos Estados Unidos. Foram 21 denúncias de sexismo e assédio sexual contra a entidade que confere um dos certificados mais importantes na área. O caso deu origem ao movimento #winetoo, em referência ao #metoo. 

A despeito do machismo no setor, hoje cada vez mais mulheres dão as cartas nas vinícolas, nas importadoras e no serviço dos melhores restaurantes. Conheça quatro lideranças do setor.


Julia Frischtak | Sócia e diretora da Cellar Vinhos

Julia Frischtak e seus sócios assumiram a Cellar Vinhos, uma importadora com mais de 25 anos de mercado, pouco antes do início da pandemia. Mesmo com as limitações impostas por essa circunstância especial, já é possível ver o resultado do seu trabalho. Em 2020, eles venderam 60 mil garrafas, o faturamento cresceu sete vezes e o grupo conseguiu agregar uma série de produtores muito especiais como o Domaine des Roches Neuves, do Vale do Loire, o Domaine Ostertag, da Alsácia, e Thomas Perseval, de Champagne. “Esses são produtores com quem sempre sonhei trabalhar”, conta Júlia. Muito dos acréscimos no portfólio foram feitos a partir de lembranças. “Como este ano a gente não pode viajar, ir a feiras, procuramos produtores que já conhecíamos, que já tínhamos provado safras passadas. Um ou outro amigo trouxe uma garrafa na mala. Ouvimos indicações dos produtores que já trabalhavam com a empresa. Mas, assim que isso passar, pretendo ir a feiras, viajar para conhecer produtores.”

Além da curadoria, identificação de produtor e compra, Júlia se envolve com o marketing, estratégia e execução do conteúdo das mídias; também atua no comercial, na coordenação dos vendedores e participa do projeto de educação. Formada em Ciências Políticas, já trabalhou no Banco Mundial e na Vale. Porém, foi quando morou no Chile por conta do trabalho do marido que descobriu que sua paixão por vinhos poderia tornar-se uma carreira. Lá cursou uma pós-graduação em viticultura e enologia. Quando o casal mudou para Londres, foi trabalhar para uma importadora. Quando voltou ao Brasil, no fim de 2019, pensava abrir um negócio na área. “Mas, quando me chamaram para fazer parte do grupo que estava assumindo a Cellar, fui conquistada pelo portfólio da empresa”, conta. “Esse portfólio tinha produtores incríveis como o Thibault Liger-Belair, da Borgonha.”

Agora os planos são ampliar o portfólio, que só inclui vinhos franceses. Vão começar a trazer também rótulos da Itália, da Espanha e de Portugal. “Todos com o perfil exclusivo que é a marca da Cellar”, diz. Garantir que a empresa dê oportunidade de crescimento profissional para as mulheres é uma das prioridades de Júlia. “O machismo, na maior parte das vezes, é estrutural”, diz ela. “A mesma fase em que as mulheres estão tendo e criando filhos é a fase em que elas deveriam estar construindo suas carreiras. As empresas precisam se acomodar a isso.”

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(Arte/Exame)


Juliana La Pastina | Presidente do Grupo La Pastina

“Toda mulher já sofreu algum tipo de comportamento machista no trabalho”, diz Juliana La Pastina. “Com o mercado de vinho, não poderia ser diferente. Mas isso tem mudado bastante. Era bem pior na época em que comecei”. Neta do fundador, Juliana assumiu a presidência do Grupo La Pastina, que hoje inclui as importadoras La Pastina e World Wine, além do restaurante Enosteria Vino e Cocina. Um negócio de um bom porte. Em conjunto, as duas importadoras venderam mais de cinco milhões de garrafas em 2020 (2,8 milhões e 2,3 milhões, respectivamente), o que representou um crescimento de cerca de 30% em relação ao ano anterior. Foi um ano agitado. O grupo lançou o aplicativo de vendas da World Wine e o e-commerce da La Pastina.

Em 1999, quando o pai de Juliana, Celso la Pastina fundou a World Wine, a ideia era que a La Pastina focasse no B2B e a World Wine, no B2C. Hoje ambas atuam nas duas áreas, mas seus perfis são diferentes.  No caso da La Pastina, o vinho responde por apenas 20% do faturamento da marca, que importa, produz e representa também produtos alimentícios finos. São menos de 200 rótulos, apenas dos principais países produtores, que, na grande maioria das vezes, não passam dos R$ 200. Já a World Wine tem um portfólio muito amplo, com rótulos de 13 países na maioria acima de R$ 200.

 

Juliana começou a trabalhar no departamento de marketing da empresa em 2004, depois de ter feito estágios em publicidade, eventos e até como chef. “Comecei como assistente”, conta a atual presidente do grupo. “Por baixo, como tem de ser. Mas me apaixonei pelo negócio e fui galgando posições”. Quando o pai, Celso La Pastina, adoeceu, no ano passado, já havia um plano de transição para que ela assumisse a presidência e ele ficasse com mais tempo livre para viagens e contatos com produtores. Infelizmente, Celso morreu e a transição foi acelerada.

Juliana hoje preside toda a operação. Participa da escolha dos produtos, junto a um comitê que reúne o CEO, Denilson de Moraes, sommeliers, gerentes das áreas de marketing, de produtos e comercial. As negociações com produtores são conduzidas por ela e pela equipe. A palavra-final, no entanto, é dela.

(Arte/Exame)

 


Jéssica Marinzeck | Sommelière e embaixadora da Evino

Jessica Marinzeck, sommelière e embaixadora da Evino (Leandro Fonseca/Exame)

Desde maio passado, quando voltou a trabalhar para a Evino, a sommelière Jéssica Marinzeck deu cerca de 5 mil horas de aulas online, fez aproximadamente 130 lives realizadas no Instagram e degustou por volta de 600 vinhos. O primeiro curso que deu, em setembro, teve 10 mil participantes. Contratada como gerente de experiências e brand persona da Evino, é ela quem dá a cara, e o conteúdo, para boa parte das ações educativas do grupo na internet, além de ajudar nas degustações com a equipe comercial.

Jéssica e a Evino cresceram juntas. Depois de alguns anos como comissária de bordo em Dubai, alguns cursos sobre vinhos, várias viagens por regiões vinícolas e um período como sommelier em Malta, a paulistana começou a trabalhar na empresa quando ela estava começando. "Quando voltei para o Brasil, em 2014, um amigo me falou de uma empresinha que estava vendendo vinhos online e eu fui lá conversar com eles”, conta a sommelière sobre como foi contratada pela primeira vez pela Evino. Jessica viajou muito, fechou vários negócios, começou a ter o nome reconhecido no mercado. Em 2017, resolveu empreender, saiu da Evino para criar sua própria linha de vinhos com produtores de várias partes do mundo. “Mas foi mais difícil do que eu imaginava”, diz. “Então, decidi focar em vendas e abrir um quiosque no Shopping Paulista”.  O negócio ia bem, porém a pandemia a obrigou a fechar as portas. Nesse momento surgiu uma nova proposta da Evino e Jéssica voltou para a Evino com mais vontade do que nunca.

Nesses anos todos, o fato de ser mulher alguma vez foi um impedimento? “Claro que tem machismo no meio”, diz. “Mas eu ignoro e sigo em frente. Na Evino nunca senti diferença alguma. Metade da equipe é de mulheres”.

(Arte/Exame)


Gabriela Hermann Potter | Sócia e enóloga da Guatambu Estância do Vinho

“Venho do agronegócio, esse, sim, bem machista”, diz a enóloga Gabriela Hermann Potter, sócia e diretora-técnica da Guatambu Estância do Vinho. “Então, não sinto tanto machismo no meio do vinho. Acho que a mulher aqui na Campanha (Gaúcha) até procura o vinho para fugir da pecuária e da soja. Na região há bastante mulheres em postos de comando de vinícolas. Além de mim, tem minhas irmãs, tem a Hortência (Ravache Brandão), da vinícola Campos de Cima, e as filhas dela, tem a Rosana (Wagner) da Cordilheira de Sant’Ana… Na Guatambu, 80% dos funcionários são mulheres.”

Filha de fazendeiros da região de Dom Pedrito, Gabriela entrou no curso de agronomia sem ter muita certeza de que era isso que queria. No meio da escola, no entanto, um tema chamou sua atenção: a aparente vocação da Campanha Gaúcha para a vitivinicultura. Interessada, investigou as condições de solo e de clima das cinco fazendas da família. Encontrou um local que parecia ideal e, em 2003, convenceu o pai, Valter Potter, então criador de gado e produtor de soja e arroz, a ceder meio hectare para plantação de uvas. Essa pequena parcela rendeu a primeira safra do Rastros do Pampa Cabernet Sauvignon, um vinho muito premiado.

De lá para cá, foi um sucesso atrás do outro. A família se envolveu toda com o negócio. Ampliou os vinhedos, montou uma estrutura industrial, um restaurante e todo um receptivo para os turistas.  “Aqui o visitante toma o nosso vinho e come a nossa carne, nosso arroz. É tudo muito autêntico’.

Depois de formada em Agronomia, Gabriela cursou um mestrado em Ciência e Tecnologia dos Alimentos com foco em vinhos. Hoje é a responsável técnica pela empresa. Tem uma equipe de enólogas que trabalham com ela e um enólogo consultor, o uruguaio Alejandro Cardozo, que faz visitas periódicas. Sua rotina varia muito de acordo com a época do ano. Ela inspeciona os vinhedos, cuida da produção dos vinhos, da criação dos rótulos e até recebe turistas.

(Arte/Exame)

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