Revista Exame

Do call center para o app

Com a evolução da tecnologia digital, as empresas adotam aplicativos, robôs e conversas por WhatsApp para melhorar o contato com o cliente

Central da Vivo: 60% dos atendimentos já são feitos por aplicativos e canais digitais   (Germano Lüders/Exame)

Central da Vivo: 60% dos atendimentos já são feitos por aplicativos e canais digitais (Germano Lüders/Exame)

Lucas Agrela

Lucas Agrela

Publicado em 10 de outubro de 2019 às 05h34.

Última atualização em 16 de outubro de 2019 às 10h47.

Não faz muito tempo, quando um cliente tinha um problema com a conta de celular ou com outro tipo de serviço, o único jeito era pegar o telefone, ligar e esperar por um atendente para tirar a dúvida e solucionar a questão. É uma realidade que todos conhecem bem: a pessoa ficava pendurada na linha — isso se a ligação não caísse e ela tivesse de recomeçar do zero ao ser direcionada a um novo operador. O cliente não só perdia tempo como ainda ficava descontente com o serviço. Para mudar esse cenário, as empresas têm investido no uso de ferramentas digitais — como aplicativos e chats — para resolver os problemas mais comuns dos clientes.

Um exemplo é o da operadora de celular Vivo. A empresa apostou na onda dos aplicativos e criou o Meu Vivo em 2014. No ano passado, pela primeira vez o número de interações de clientes pelo app superou o de ligações. São consumidores que costumam usar o programa para solucionar problemas do dia a dia, como emitir a segunda via da fatura, consultar o consumo de dados e mudar de plano. Hoje, 60% dos atendimentos da Vivo ocorrem por canais digitais: 15 milhões de consumidores usam o app todo mês e fazem 220 milhões de interações. Com o aplicativo, o tempo médio para efetuar tarefas simples, como checar a fatura, diminuiu de 5 minutos para 10 segundos.

O atendimento pelo call center, com empregados humanos, ainda continua funcionando. Mas isso também está em processo de digitalização. A operadora conta com uma inteligência artificial chamada Aura, que reconhece comandos de voz e de texto. Assim como a Siri, do iPhone, a Aura permite obter informações como o limite de dados de internet. Além de funcionar no atendimento telefônico, ela está presente nos demais aplicativos usados pela Vivo, como Facebook Messenger, WhatsApp e Google Assistente. A inteligência artificial atende a mais de 20 milhões de demandas de clientes por mês. O sistema é treinado por 20 funcionários da operadora em um centro de aperfeiçoamento de bots (softwares de automação), criado pela empresa em 2018. “É mais humano oferecer atendimentos mais rápidos e efetivos”, diz Fabio Avellar, vice-presidente de experiência do cliente da Vivo.

A estratégia da companhia está alinhada com a fórmula de sucesso descrita em um estudo global realizado pela consultoria McKinsey. O grau de satisfação dos clientes em experiências de atendimento digital, por meio de aplicativos ou inteligência artificial, é 33% superior ao oferecido por telefone ou e-mail. Também notando isso, a operadora britânica Vodafone fez um teste, com duração de cinco meses, utilizando o atendimento por meio do WhatsApp. No período, foram atendidos mais de 350.000 clientes. O número de pessoas que toparam participar foi 45% maior do que por SMS, as mensagens de texto tradicionais.

A consultoria americana Research and Markets estima que o faturamento do setor de atendimento por canais digitais passará de 32 bilhões de dólares, em 2018, para 179 bilhões, em 2023, e isso favorece as empresas de tecnologia que fornecem esse tipo de serviço para grandes companhias. Nem a Apple fica fora dessa tendência. A empresa americana já testa, no Brasil e no mundo, o Apple Business Chat, uma forma de atender clientes de outras empresas por meio de seu aplicativo de mensagens iMessage. No Brasil, a startup mineira Take fornece uma solução, em fase piloto, que usa a tecnologia da Apple para empresas como a empresa de aluguel de carros Localiza e a rede de sorveterias Bacio di Latte.

No setor financeiro, uma das empresas que mais usam canais digitais é o Banco do Brasil. O BB passou a atender clientes no Facebook Messenger em fevereiro de 2018. Um robô envia respostas automatizadas para tirar as dúvidas mais frequentes e atender às principais demandas. Um ano depois, o banco começou a usar também o WhatsApp. Em 18 meses, o tempo médio de atendimento diminuiu de 4 minutos e 30 segundos, por telefone, para apenas 45 segundos, por aplicativos. No WhatsApp, o banco chega a atender mais de 10.000 pessoas ao mesmo tempo em horários de pico. Metade dos clientes tem necessidades atendidas pelo robô, que serve para consultar extratos, realizar pagamentos, entre outros serviços.

Custo reduzido

A aposta das empresas no aplicativo de mensagens tem grande potencial de reduzir os custos. Um levantamento inédito da Wavy, empresa do grupo Movile especializada em soluções de atendimento digital que tem 650 clientes no Brasil e no exterior, mostra que o contato por WhatsApp gera uma economia de 88% em comparação com uma ligação para o call center. Cada atendimento feito por telefone custa, em média, 8 reais para as empresas brasileiras. Por WhatsApp, sai por 1 real cada um.

“O uso do WhatsApp para atender clientes ainda está nos primeiros dias”, afirma Eduardo Henrique, presidente da Wavy. “Mas tem potencial de reduzir o custo de atendimento se a empresa automatizar as conversas.” A redução de despesas está em linha com o que ocorre nos demais países. Uma pesquisa global da consultoria americana Gartner identificou que cada atendimento humano (por telefone, bate-papo online ou e-mail) custa, em média, 8 dólares por contato. Já os canais de autoatendimento de sites e apps custam 10 centavos de dólar por interação — uma redução de 99%.

Pedestre com smarphone em Moscou: no mundo todo, os canais digitais ajudam a reduzir os custos | Mikhail Tereshchenko/Getty Images

É por isso também que pequenas e médias empresas adotam o WhatsApp Business, versão corporativa do aplicativo. Para Amrit Pal, executivo responsável pelo serviço corporativo do WhatsApp no mundo, o serviço oferece respostas automatizadas que permitem ampliar a capacidade de atendimento. “Pequenas empresas querem estar onde seus consumidores estão. No Brasil, isso significa estar no WhatsApp”, afirma Pal. Segundo uma pesquisa da consultoria Opinion Box feita com 3.200 consumidores brasileiros, a maioria deles vê nos aplicativos uma maneira de tirar dúvidas, buscar assistência técnica, receber promoções, comprar produtos ou cancelar serviços.

A procura por atendimento em aplicativos de mensagens está alinhada com a forma como as pessoas usam o smartphone. Um estudo da consultoria americana eMarketer mostra que esse tipo de atendimento tem a ver com a grande quantidade de pessoas que usam  o WhatsApp no Brasil. Do 1,5 bilhão de usuários no mundo, 120 milhões estão no mercado brasileiro, o que coloca o país atrás apenas da Índia, que tem mais de 300 milhões. A eMarketer estima que, em 2019, 37% das pessoas vão utilizar aplicativos de mensagens como o WhatsApp para se comunicar com as empresas. O número ainda fica abaixo dos canais tradicionais, como o e-mail (64%) e o telefone (56%), mas já supera o uso das redes sociais (32%).

A maior demanda por atendimento via mensagem, a melhoria da experiência e a redução de custos é o que motiva as empresas a oferecer soluções rápidas para problemas comuns, como faz a startup brasileira de serviços financeiros Nubank. De todas as interações com clientes nos últimos 12 meses, 54% foram pelo aplicativo e apenas 16% por telefone (as outras 30% foram por e-mail e redes sociais). De acordo com Dennis Wang, vice-presidente de operações do Nubank, a empresa analisa as demandas e faz atualizações do aplicativo para atendê-las. No app, é possível tirar dúvidas ou mesmo alterar o limite do cartão. “O cliente só liga para o Nubank quando precisa ouvir uma voz humana para se tranquilizar e saber que o problema será resolvido”, diz Wang.

Mas não é só de aplicativos para celular que é feito o mercado de atendimento digital. As empresas também investem em tecnologias para melhorar a experiência por telefone. Com 145.000 clientes no mundo, 6.000 deles no Brasil, a Zendesk — de origem dinamarquesa e atualmente com sede em São Francisco — é uma expoente no atendimento ao consumidor. Com valor de mercado de 8 bilhões de dólares, a ela tem um software que unifica os dados do histórico de atendimento dos clientes e permite realizar interações personalizadas pela internet ou por telefone. Para Mikkel Svane, presidente da Zendesk, a experiência do cliente é essencial para as empresas. “O sucesso ou não de uma companhia vai depender da experiência que oferece aos clientes. É preciso colocá-la no centro dos negócios”, afirma Svane.

Antes de entrar na onda digital, entretanto, é necessário fazer uma análise. O executivo americano Aaron Ross, famoso por ter escrito o best-seller de negócios Receita Previsível em 2011, ressalta que o atendimento tradicional ainda é o mais adequado em muitos casos. “O e-mail, o telefone e o bate-papo em tempo real pela internet ainda são as formas dominantes de comunicação com as empresas. O WhatsApp, o iMessage e outros aplicativos são importantes somente quando os clientes pedem esse tipo de canal de atendimento”, diz Ross. Por mais que a tecnologia avance para facilitar a vida do consumidor e poupar recursos das empresas, conhecer as preferências do público consumidor continua sendo fundamental.

Acompanhe tudo sobre:Atendimento a clientesIndústria digitalRobôsSoftware

Mais de Revista Exame

Negócios em Expansão 2024: 62 empresas que cresceram na categoria 2 a 5 milhões; veja ranking

Sucesso de bilheteria: como a A24 se tornou a produtora queridinha de Hollywood

TikTok, Taylor Swift, poder feminino: conheça Jody Gerson, CEO da Universal Music Publishing Group

Do vôlei para o mundo dos negócios: a sacada do ex-atleta Tande para o empreendedorismo

Mais na Exame