(Cidade de Deus/Divulgação)
Repórter de POP
Publicado em 15 de fevereiro de 2025 às 06h01.
Última atualização em 23 de fevereiro de 2025 às 16h18.
É verdade que "Ainda Estou Aqui" fez história na 97ª edição do Oscar. Mas 20 anos antes do sucesso do longa de Walter Salles, outro filme brasileiro ganhou o olhar da Academia, mudou as regras de votação e recebeu quatro indicações ao prêmio — ainda que tenha saído do evento sem nenhuma estatueta.
"Cidade de Deus", de Fernando Meirelles e Kátia Lund, é considerado um dos maiores clássicos do cinema brasileiro. Lançado em 2002, o longa é uma adaptação do livro de Paulo Lins, baseado em fatos reais. Retrata a ascensão do crime organizado no Rio de Janeiro, dentro da favela Cidade de Deus, entre os anos 1960 e 1980.
Oscar 2025: como são escolhidos os vencedores do maior prêmio do cinema?O longa arrecadou uma bilheteria de US$ 30,6 milhões em todo o mundo e, com ela, as indicações a Melhor Direção, Melhor Fotografia, Melhor Edição e Melhor Roteiro Adaptado no Oscar, se tornando, assim, o filme brasileiro mais indicado à premiação na história.
A campanha de "Cidade de Deus" até o tão famoso tapete vermelho do Dolby Theater em Los Angeles, no entanto, enfrentou inúmeros percalços.
Diferente dos demais filmes daquele ano, a produção de Meirelles trazia a realidade de dentro das favelas brasileiras e tinha inúmeras cenas de violência.
A primeira recepção da Academia, àquela época composta majoritariamente de membros dos Estados Unidos, brancos e mais conservadores, foi polarizada.
Para que um filme se torne verdadeiramente elegível à categoria de Melhor Filme Internacional, ele precisa ser apresentado à Academia com antecedência. Quando foi a vez de "Cidade de Deus", a sessão teve parte do público saindo da sala no meio do filme, parte definindo a obra como uma das mais bem produzidas do Brasil.
Em entrevista ao crítico de cinema e professor Waldemar Dalenogare Neto vários anos após a cerimônia de 2004, um membro do comitê de filmes estrangeiros do Oscar relatou que a reação dos membros foi inédita.
"Pessoas começavam a se xingar durante a exibição do filme. Uns diziam que aquilo era arte, outros diziam que aquilo era um filme apelativo que tentava promover um realismo forçado e desnecessário. Não existia meio-termo. Era a definição perfeita de 'ame ou odeie' na sétima arte", contou.
Na época, o processo de escolha dos longas para a categoria de Melhor Filme Internacional envolvia uma classificação por média, que resultava em uma lista de indicados composta pelos cinco filmes mais bem avaliados. E após a exibição polêmica, a nota de "Cidade de Deus" caiu. Isso fez o filme não ser indicado.
Mesmo assim, a repercussão foi tão grande que o longa acabou recebendo quatro indicações em outras categorias: Melhor Edição, Melhor Fotografia, Melhor Direção e Melhor Roteiro Adaptado.
Até havia esperança levar uma estatueta para casa, mas "O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei", que recebeu 11 prêmios, dificultou a vitória do Brasil.
Diante das controvérsias, a Miramax — à época, distribuidora do longa fora do Brasil —, resolveu atrasar a estreia do filme no exterior para janeiro de 2003.
E a repercussão do público, antes da votação final do Oscar, foi bem mais positiva: "Cidade de Deus" foi indicado inúmeros festivais e premiações de renome, incluindo o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, e levou para casa vários prêmios importantes, como o BAFTA de Melhor Edição, estatuetas no Festival de Havana (8), Festival de Toronto, Festival de Cartagena, entre muitos outros.
Uma reunião emergencial foi organizada pela distribuidora com Mark Johnson, então presidente do comitê de filmes estrangeiros do Oscar.
A aversão à temática do longa de Meirelles, assim como com as cenas de sexo e violência, ficou evidente. Somada à escolha eurocentrista dos longas indicados — sempre quatro europeus, apenas um latino ou asiático —, a polêmica foi suficiente para que o formato de votação fosse repensado.
Douglas Silva como "Dadinho" no filme "Cidade de Deus (2002)" (Captura de tela/Reprodução)
Após a cerimônia do Oscar de 2004, sem a indicação à categoria e sem nenhum prêmio para "Cidade de Deus", a Academia foi duramente criticada pela indústria de cinema e pela mídia — a maior parte dos questionamentos direcionados à maneira como os longas eram selecionados para Melhor Filme Internacional.
Para evitar maiores injustiças e controversas, em 2005, a Academia encomendou um estudo para repensar o formato de voto na categoria. Demorou mais dois anos, mas, em 2007, criou-se o modelo atual de indicações de filmes estrangeiros ao Oscar: a short-list (ou pré-lista).
A pré-lista é formada também por produções que não alcançaram notas altas o suficiente para compor os 5 primeiros filmes indicados, mas que devem ser considerados pela Academia para uma nova seleção, realizada pelos membros de Nova Iorque — bem mais progressistas do que os de Los Angeles. São 15 filmes ao todo, o que garante mais espaço para diversidade cultural na premiação.
A mudança foi bem-vinda para ampliar a presença de filmes de fora da Europa na categoria.
De 2007 para cá, receberam a estatueta de Melhor Filme Internacional produções como "A Partida" (Japão), "O Segredo dos Seus Olhos" (Argentina), "A Separação" (Irã), "O Apartamento" (Irã), "Uma Mulher Fantástica" (Chile), "Roma" (México), "Drive My Car" (Japão) e "Parasita" (2020) — este último o primeiro filme estrangeiro na história do Oscar a vencer também a categoria de Melhor Filme.
Depois das indicações de "Cidade de Deus", a indústria nacional teve um longo hiato sem indicações ao Oscar em todas as categorias.
Fora "O Menino e o Mundo" (2016) e "Democracia em Vertigem" (2020), nomeados a Melhor Animação e Melhor Documentário de Longa Metragem, respectivamente, o Brasil ficou de fora na maior premiação do cinema mundial.
As indicações para Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz (Fernanda Torres) de "Ainda Estou Aqui" quebraram um jejum de 25 anos da indústria cinematográfica brasileira na premiação.
A de Melhor Filme entrou para o hall de ineditismos que a produção tem conquistado desde a primeira exibição em Veneza. E fica a aposta de que 2025 pode ser o ano em que o Brasil finalmente vai sair do Oscar com uma estatueta em mãos.
O Oscar de 2025 acontece no dia 2 de março. A EXAME acompanha a cerimônia ao vivo, com a presença de convidados, em transmissão no YouTube.
Veja a lista completa de indicados à maior premiação do cinema aqui.
Fernanda Torres, intérprete de Eunice Paiva em "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, foi a primeira brasileira a vencer o Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz e tem boas chances de fazer história, mais uma vez, na premiação do Oscar. Ela compete com Demi Moore ("A Substância"), Mikey Madison ("Anora"), Karla Sofía Gascón ("Emilia Perez") e Cynthia Erivo ("Wicked").
A atriz também é a primeira brasileira nos últimos 26 anos a concorrer por um papel de drama no Oscar. A última (e até então, única) foi a própria mãe, Fernanda Montenegro — nomeada em 1999 pelo papel em "Central do Brasil", também indicado a Melhor Filme Internacional.
O Brasil nunca ganhou um Oscar em nenhuma das categorias, vale dizer.
Desde “Central do Brasil”, também de Walter Salles, o Brasil não era indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional. Naquele ano (1999), Fernanda Montenegro também estava na disputa na categoria de Melhor Atriz. A estatueta mesmo, nem Walter, nem Fernanda levaram para casa.
26 anos depois, "Ainda Estou Aqui" não só quebrou o jejum de "Central do Brasil", como marcou o começo de uma lista de ineditismos: foi indicado a Melhor Atriz, Melhor Filme Internacional e Melhor Filme, a maior categoria da premiação, em que a indústria cinematográfica brasileira nunca havia conquistado uma nomeação.
O novo filme de Walter Salles já ultrapassou a marca de 5 milhões de espectadores e R$ 100 milhões em bilheterias. Abriu em primeiro lugar na semana de estreia no Brasil e em Portugal, e em segundo lugar nos Estados Unidos, país no qual ficou em cartaz em 700 salas de cinema. Tem sido listado por críticos de todo o mundo como a principal aposta do ano para Melhor Filme Internacional, e Fernanda Torres é considerada favorita ao prêmio de Melhor Atriz, ao lado de Demi Moore.
O longa é uma coprodução entre Brasil e França, o primeiro original da Globoplay, com produção da VideoFilmes, RTFeatures e MactProdutions em parceria com a ARTE France e Conspiração. A distribuição será feita também pela Sony Pictures.
Além de 'Ainda Estou Aqui': os 10 filmes brasileiros indicados ao Oscar e onde assisti-losA 97ª edição do Oscar será no dia 2 de março em Los Angeles (Califórnia, EUA), no Teatro Dolby.
A premiação completa será exibida na TV Globo, TNT e no streaming, pela Max. A EXAME acompanha a cerimônia ao vivo, com a presença de convidados, em transmissão no YouTube a partir das 19h30.
O início da cerimônia está previsto para as 21h (horário de Brasília).