Fintech Cora: como aprender a emprestar em tempos de juro alto
Fintech utiliza parte dos recursos das rodadas de aporte para conceder crédito a MEIs, autônomos e pequenas empresas, aceitando perdas com inadimplência para acelerar o aprendizado
Marcelo Sakate
Publicado em 26 de abril de 2022 às 17h02.
Última atualização em 26 de abril de 2022 às 18h02.
Como se constrói um modelo de crédito que seja mais inclusivo sem que isso se traduza necessariamente em perdas elevadas com inadimplência? E isso em tempos de taxas de juros em trajetória de alta?
Para a fintech Cora, um dos destaques da nova geração de startups dedicadas ao setor financeiro, essa tem sido uma lição aprendida literalmente do zero, a partir dos primeiros empréstimos concedidos a uma base de clientes composta essencialmente por MEIs (microempreendedores individuais), autônomos e pequenas empresas, que se enquadram no Simples Nacional, com até R$ 4,8 milhões de faturamento ao ano.
Inicialmente, foi um crescimento com base na experiência do cliente com a conta apenas, uma vez que o crédito só começou a ser oferecido em escala comercial em novembro do ano passado. Já havia diferentes produtos para a gestão financeira do cliente, mas não justamente um dos produtos mais demandados pelo pequeno empresário.
Foram disponibilizados R$ 250 milhões na primeira fase. A análise das primeiras safras de clientes, como são chamados aqueles que inicialmente foram beneficiados com os empréstimos, revelou números melhores que os estimados em termos de inadimplência, o que fez o volume liberado superar R$ 300 milhões. A Cora não abre os dados de atrasos.
A parcial aponta R$ 315 milhões emprestados para cerca de 60.000 clientes, de uma base de mais de 440.000. O tíquete médio é de cerca de R$ 5.000. A previsão é atingir cerca de R$ 700 milhões ao fim do semestre, com a ressalva de que o cenário macroeconômico incerto com elevadas taxas de juros podem alterar essa expectativa.
Para o funding, a Cora contou com os aportes das rodadas Series A, de cerca de R$ 150 milhões, e Series B, de mais de R$ 600 milhões.
"A empresa está bastante capitalizada. E a estratégia é justamente aproveitar parte dos recursos na operação de crédito, para que possamos aprender", disse Marcelo Ikegawa, CCO (executivo-chefe de Crédito) da Cora. Segundo ele, com funding próprio, a startup consegue tomar mais risco na concessão, acelerando a curva de aprendizagem.
Em sua última rodada -- Series B -- em agosto de 2021, a Cora levantou US$ 116 milhões de grandes fundos de venture capital, como a Greenoaks Capital (que liderou o aporte), o Tiger Global e a chinesa Tencent.
"O crédito demora tempo para começar a 'maturar' safras, de modo que se possa desenhar políticas e modelos. Políticas restritas de concessão, com capital de terceiros, tornam o processo mais complicado. Temos uma previsão de perdas com inadimplência já alinhada com os nossos objetivos de aprendizagem", disse Ikegawa, que antes de chegar à Cora foi head de crédito para o varejo da XP e executivo-chefe de crédito da fintech Zen Finance.
O executivo explicou que o crédito foi concedido entre os diferentes perfis de clientes com o objetivo de testar hipóteses. "O que queremos aprender é se dentro desse público que é considerado mais arriscado nós conseguimos descobrir clientes bons, que acabam não sendo atendidos pelo mercado", explicou o executivo.
É uma análise que conta com uma série de dados transacionais das contas dos clientes, como entrada e saída de recursos e pagamentos de boletos e tributos. "Construímos uma tese com base em uso intensivo de dados, tanto do mercado, que são abertos para todos, como do relacionamento que as empresas têm conosco", afirmou.
"A Cora teve um crescimento muito expressivo neste pouco mais de um ano em que está operacional. E já tem uma base de clientes engajados com a conta", disse.
A partir dos dados das safras iniciais de tomadores da Cora, já tem sido possível estimar um comportamento do cliente que já direciona os modelos de concessão que vieram e estão por vir na sequência.
"O cliente pagou a primeira fatura do cartão usando 95% do limite dele. Na fatura seguinte, chega novamente perto de 95%. Daí aumentamos o limite dele e observamos como ele vai se comportar", exemplificou Ikegawa.
Mas não é uma concessão completamente no escuro. A esse novo comportamento das primeiras safras se somam também os dados de relacionamento dos clientes com o mercado, acessados com a devida autorização dos mesmos.
"Quando falamos de pequenas empresas, boa parte ainda mistura o bolso do sócio com o da PJ. A Cora está dando o primeiro cartão de crédito corporativo para alguns dos clientes. Eles pagavam as contas com o cartão dos sócios. E levamos esse histórico em consideração na hora de atribuir um limite para essa empresa", disse o executivo.
No pipeline estão produtos de crédito como capital de giro e de antecipação, afirmou Ikegawa. "Vemos muito potencial nesse mercado e estamos otimistas em conseguir fazer algo diferente e com impacto no mercado."