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Os planos do Hopi Hari para voltar ao topo após anos de crise

Após reduzir uma dívida bilionária e retomar investimentos, Hopi Hari anuncia o maior plano de expansão de sua história para recuperar o protagonismo no entretenimento brasileiro

Hopi Hari: parque quer voltar ao imaginário brasileiro (Hopi Hari/Divulgação)

Hopi Hari: parque quer voltar ao imaginário brasileiro (Hopi Hari/Divulgação)

Publicado em 16 de dezembro de 2025 às 05h01.

Quem já desceu a Rodovia dos Bandeirantes rumo a Vinhedo, em São Paulo, conhece bem a sensação: antes mesmo de chegar ao estacionamento, os trilhos da montanha-russa surgem acima das árvores e o barulho metálico dos trilhos, misturado aos gritos, indicam que um dia cansativo e cheio de adrenalina está por começar. Por anos, essa cena marcou a infância e a juventude de milhões de brasileiros que lotavam o Hopi Hari em busca de fantasia, filas intermináveis e histórias que duravam mais do que o próprio passeio.

Agora, depois de um dos períodos mais turbulentos de sua história, o parque tenta voltar às origens. Com o final da recuperação judicial e um novo dono, deve passar por mudanças que combinam nostalgia, investimento pesado e reestruturação financeira para voltar a ocupar o espaço simbólico que teve no entretenimento nacional.

Nos últimos anos, o Hopi Hari reduziu significativamente sua dívida — que chegou a R$ 1,4 bilhão durante a recuperação judicial — para os atuais R$ 600 milhões. “Quando compramos o parque, a dívida era de cerca de R$ 1,2 bilhão. Quando o plano de recuperação judicial foi aprovado, em 2022, ela já estava em R$ 1,4 bilhão”, afirma Nuno Vasconcellos, CVO do Hopi Hari, em entrevista à EXAME. A meta agora é baixar o montante para R$ 300 milhões a R$ 350 milhões em 12 meses.

Com o caixa controlado e credores mais confiantes, o objetivo passa a ser outro: reposicionar o Hopi Hari como um destino de grande escala no Brasil e na América Latina. A meta — ousada — é fazer com que, até 2030, o parque opere no mesmo nível de eficiência dos maiores complexos internacionais, como a Disney, mas sem perder a identidade própria que construíram ao longo dos anos.

O começo dos planos

Para alcançar esse objetivo, o parque iniciará um dos ciclos de investimento mais robustos de sua história, combinando renovação estrutural, expansão territorial e criação de novas experiências. O primeiro grande movimento será a transformação da Montezum, o ícone absoluto do parque, em uma montanha-russa híbrida. O retrofit está avaliado em mais de R$ 20 milhões. “2026 será um marco de revitalização”, diz.

A renovação, porém, não se limita à Montezum. Duas novas grandes atrações, mantidas em sigilo, também estão programadas para o ano que vem, reforçando o compromisso do parque em ampliar seu portfólio e disputar protagonismo com os principais destinos de entretenimento da região. O calendário de eventos e shows será ampliado, tornando-se anual e contínuo — uma estratégia essencial para reduzir a sazonalidade e estimular mais de uma visita por ano.

A ambição é levar o Hopi Hari a 3 milhões de visitantes até 2028, quase o dobro dos 1,3 milhão de 2024. Segundo a Associação de Parques Temáticos (TEA), no ano passado o Beto Carrero manteve a primeira posição na região, com 2,5 milhões de visitas, número estável em relação a 2023. O Hopi Hari, por sua vez, cresceu 24,7% de 2023 para 2024, em um salto de 1,04 milhão para 1,3 milhão de visitantes — sua maior alta na última década.

Segundo Vasconcellos, a meta envolve um conjunto de ações estratégicas que vão além das atrações, com melhorias de transporte, otimização da operação, digitalização de processos e fortalecimento da oferta turística. “Estamos estruturando ações decisivas”, afirma o CVO.

Um dos pilares dessa expansão é transformar o parque em um destino de visitação diária — não apenas um ponto de entretenimento ocasional. Para isso, o Hopi Hari quer construir um shopping a céu aberto, com 20 mil m², entre 100 e 120 lojas e um complexo de cinemas de última geração.

Com investimento estimado de R$ 200 milhões, o espaço deve gerar de 800 a 1.000 novos empregos e ampliar significativamente o fluxo de pessoas na região. A iniciativa prepara terreno para o passo seguinte: a criação de um complexo hoteleiro integrado ao parque, que permitirá atrair visitantes de outras regiões e até de outros países.

Nuno Vasconcelos, CVO do Hopi Hari

Nuno Vasconcelos, CVO do Hopi Hari (Hopi Hari/Divulgação)

O plano hoteleiro integra um projeto maior de expansão turística que inclui novas áreas de lazer e até um segundo parque temático, com foco aquático, praias artificiais e apartamentos turísticos. A localização estratégica, cercada por três aeroportos e próxima de 30 milhões de pessoas, reforça a intenção.

Inserido no Distrito Turístico Serra Azul, o parque faz parte de um ecossistema que inclui ainda o Wet’n Wild, o Outlet Premium, o Shopping SerrAzul e outros empreendimentos. A região recebe mais de 5 milhões de visitantes anuais e tem potencial para se transformar no maior polo de entretenimento do país.

“A região de Campinas tem condições reais de se transformar no maior hub de entretenimento do Brasil”, afirma Vasconcellos.

No centro de toda essa reestruturação está a busca por eficiência operacional, modernização contínua e uma experiência que combine nostalgia e inovação. O objetivo, segundo Vasconcellos, é reposicionar o Hopi Hari como um parque de classe internacional, preservando seu “país fictício”, seu humor e sua cultura própria, mas sustentado por uma estrutura empresarial e tecnológica capaz de colocá-lo novamente entre os grandes.

Um passado turbulento que molda o futuro

Se o plano atual parece ambicioso, ele nasce de uma história recente marcada por dificuldades severas. Ao longo da última década, o Hopi Hari enfrentou crises financeiras, acidentes, perda de público, instabilidade administrativa e uma recuperação judicial que se arrastou por quase seis anos. Quando a atual controladora assumiu o parque, em meados de 2019, encontrou não apenas um empreendimento endividado, mas uma operação fragilizada e uma reputação comprometida.

“O parque estava totalmente sucateado”, diz Vasconcellos. Ele cita que, quando chegou, havia cerca de 800 famílias desamparadas, sem salários e sem perspectiva. “De 2019 até hoje, aprovamos a recuperação judicial, saímos dela, fizemos três aumentos de capital, outros aportes e reduzimos nossa dívida”, afirma. Em 2024, o Hopi Hari registrou um Ebitda de R$ 100 milhões, com margem próxima de 50%, e crescimento de faturamento de 25% em relação a 2023.

Com o fim da recuperação judicial, o parque passa por um novo momento de governança. A antiga presidência foi desmembrada em quatro lideranças executivas, incluindo o próprio Vasconcellos na função de Chief Visionary Officer (CVO), responsável por desenhar o futuro estratégico do empreendimento. “Entramos agora em um ciclo de crescimento disciplinado, com foco em margem e eficiência. Estamos preparando o parque para um potencial IPO nos próximos anos”, diz ele.

Hopi Hari

Segurança como prioridade

Um dos pontos mais sensíveis da história do Hopi Hari envolve acidentes que marcaram a memória do público e abalaram a confiança na instituição. Vasconcellos não ignora o passado, mas reforça que a atual administração colocou a segurança no centro da operação. “Nada é priorizado acima da segurança”, afirma.

Segundo ele, o parque implementou práticas redundantes de checagem, protocolos operacionais revisados e auditorias externas permanentes.

Hoje, o Hopi Hari é auditado anualmente pela TUV NORD, grupo alemão especializado em inspeção e certificação técnica, além de manter todos os certificados exigidos pelo setor, como o AVCB. “Recuperar a confiança exigiu responsabilidade, investimento e consistência”, afirma.

Depois de anos afastado do topo do entretenimento brasileiro, o Hopi Hari agora tenta reconstruir sua imagem pública.

A atual gestão, segundo Vasconcellos, aposta em comunicação moderna, renovação de atrações e entrega contínua como pilares dessa mudança. “A percepção está mudando porque a realidade mudou”, diz. Na prática, de acordo com ele, isso significa devolver ao parque a sensação de encantamento e fantasia que marcou a infância de toda uma geração.

O CVO reconhece que o passado deixou lições importantes. A principal, segundo ele, é que parques temáticos não sobrevivem sem investimento contínuo. “Sem renovação, a experiência degrada e o ciclo negativo se aprofunda”, afirma.

Competição acirrada

A reestruturação do Hopi Hari acontece num momento em que o setor de parques temáticos no Brasil vive um raro ciclo de expansão. De um lado, o Beto Carrero World, em Santa Catarina, intensifica sua estratégia com licenciamento de grandes marcas — como Hot Wheels e Galinha Pintadinha — e reformulação da experiência. De outro, a Cacau Show prepara um dos empreendimentos mais ambiciosos do entretenimento nacional: o Cacau Park, um parque de R$ 2 bilhões no interior de São Paulo.

Para o consultor e PhD em branding e marketing Marcos Bedendo, o Hopi Hari entra numa disputa estratégica que vai muito além do eixo São Paulo-Campinas. “No fundo, ele acaba participando meio que do mesmo ecossistema de entretenimento, em que normalmente é isso: são programas familiares. Obviamente um parque aquático não é igual a um parque de diversão como o Hopi Hari, mas ainda assim eles acabam disputando um pouquinho os mesmos espaços”, afirma em entrevista à EXAME.

Segundo ele, mesmo atrações mais distantes, como o Beto Carrero, em Santa Catarina, ou o novo parque da Cacau Show, na divisa entre Itu e Sorocaba (SP), fazem parte de uma mesma cadeia de entretenimento familiar. “Como se coloca ali, de fato o Hopi Hari acaba concorrendo de certa maneira com o Parque Beto Carrero, vai concorrer com esse parque da Cacau Show, que até é próximo dali, como eventualmente concorre até com alguns ex-hoteleiros do interior, concorre também com alguns parques aquáticos, de águas termais, que também têm ali um pouco mais para o interior de São Paulo, Goiás”, diz.

A Cacau Show, com sua narrativa construída em torno do chocolate e da educação sensorial, entra no mercado com um storytelling poderoso e estrutura de primeira linha. Serão cinco áreas temáticas, dois hotéis, um shopping a céu aberto e atrações de padrão internacional, como a montanha-russa mais alta e rápida da América Latina.

“A princípio, o parque da Cacau Show parece ser mais voltado para um público mais novo, mais infantil. Enquanto o Hopi Hari sempre foi um parque mais adolescente. Então acho que tem bastante espaço para os dois”, diz Bedendo. “Existe a possibilidade de o Hopi Hari se reerguer e inclusive trilhar um caminho até de posicionamento um pouco diferente do que hoje é o Beto Carrero, que é muito ligado aos shows", afirma.

Hopi Hari

Hopi Hari (Hopi Hari/Divulgação)

Para o Hopi Hari, que construiu uma identidade própria com o “país fictício” e personagens autorais, o desafio será equilibrar nostalgia com renovação. “No passado, a escolha do Hopi Hari foi criar o seu próprio mundo, sua linguagem, seus personagens. Ele criou toda uma história própria. [...] Mas como essa história já foi, de certa maneira, contada, talvez ela possa continuar existindo. Talvez não tão forte como no passado. Talvez muito misturada com outros licenciamentos. Mas também não precisamos abandonar isso por completo, porque sabemos que o nome Hopi Hari tem pontos positivos”, afirma Bedendo.

Ainda assim, Bedendo vê espaço para todos. “Acho que ele está bem instalado e que tem espaço para mais um parque nesse ecossistema brasileiro”, diz.

O especialista também destaca a localização do Hopi Hari como um trunfo importante. “A localização geográfica dele é melhor do que a do Beto Carrero, que fica no Sul. O parque está mais perto de Campinas. Você tem mais acesso a voos, acesso de pessoas vindas do Centro-Oeste, do Norte e do Nordeste.”

A disputa, portanto, está só começando. Com bilhões sendo investidos, marcas consolidadas e novas experiências surgindo, o setor de parques no Brasil vive um momento raro — e, segundo Bedendo, promissor. “Não acho que seja um voo de galinha. Acho que há potencial para um negócio sustentável no longo prazo", diz.

O que vem pela frente

Apesar do otimismo, o CVO é pragmático sobre os desafios que ainda restam. Modernizar um ativo que ficou anos sem investimento, reforçar padrões de segurança e atrair talentos executivos estão entre as prioridades. Mas ele garante que o parque já deixou para trás a fase mais crítica. “O parque cresce hoje sobre bases sólidas”, afirma.

O futuro, portanto, não é apenas sobre novas montanhas-russas, shoppings ou hotéis. É sobre recuperar um símbolo e reconstruir o frio na barriga antes mesmo de entrar no estacionamento. E manter a montanha-russa somente como atração.

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