Negócios

"A taxa de mortalidade de startups de IA será alta", afirma Eric Ries, de "A Startup Enxuta"

Autor de livros de cabeceira, o americano compartilhou a visão sobre os cuidados, estratégias e caminhos para construir um negócio de sucesso

Eric Ries: "para o verdadeiro empreendedor, uma recessão pode ser ainda melhor para começar do que em tempos de euforia" (Bloomberg/Bloomberg)

Eric Ries: "para o verdadeiro empreendedor, uma recessão pode ser ainda melhor para começar do que em tempos de euforia" (Bloomberg/Bloomberg)

Leo Branco
Leo Branco

Editor de Negócios e Carreira

Publicado em 3 de agosto de 2024 às 09h03.

Tudo sobreStartups
Saiba mais

Inteligência Artificial é assunto que concentra as conversas e o destino dos recursos investidos em startups e outros negócios de inovação. A euforia é "ridícula", diz Eric Ries, o autor de "A Startup Enxuta", livro publicado em 2011 e que virou, por anos, a obra de cabeceira de empreendedor em busca de sucesso. Nos anos de abundância de capital, o prestígio minguou, mas nada como uma ressaca para a leitura voltar a ser 'obrigatória'.

O livro foi o primeiro a apresentar conceitos para a expansão de um negócio de tecnologia – o mínimo produto viável, ou MVP na sigla em inglês, foi popularizado por ele e hoje é peça obrigatória de qualquer negócio prestes a ir para a rua. Mais do que isso, A Startup Enxuta é para muita gente de tecnologia um manual de como tomar decisões considerando o maior retorno do dinheiro investido.

Apesar de chamar de "ridícula" a bolha de IA, Ries reconhece que a tecnologia carrega em si um potencial transformador. "Ao contrário de metaverso e de outras tendências passadas, há algo diferente sobre a AI e temos que olhar com mais seriamente. Isso, pedindo desculpas pelas tantas vezes que falamos isso e estávamos errados", diz o americano.

Ries virá ao Brasil pela quarta vez para participar do Rio Innovation Week, evento que acontece entre os dias 13 e 16 de agosto, no Píer Mauá, na capital fluminense. Abaixo, os principais pontos da entrevista concedida à EXAME com exclusividade.  

Você virá ao Brasil para falar sobre como criar negócios bem-sucedidos. Nos últimos cinco anos, nós temos convivido com uma mudança de ciclos: da abundância para a escassez de capital.  Como criar negócios de escala em cenários inconstantes?

Eu estou há muito tempo no mercado, tempo suficiente para ter atravessado múltiplos ciclos econômicos. Muitos booms, múltiplas recessões. Eu estive em momentos em que as pessoas pensaram que as startups eram as melhores e também quando pensaram que eram coisas para malucos. Qualquer ciclo econômico traz vantagens, mas também suas desvantagens. As pessoas pensam que quando o investimento das startups está em alta é bom, e se é difícil conseguir, é ruim, mas isso não é verdade. Na abundância, temos uma inflação, os custos ficam mais altos, há mais competição para o talento e os investidores podem ficar sobrecarregados com pitches. Quando o capital é escasso, tudo fica mais barato e é muito mais fácil conseguir os recursos, para além do dinheiro, que precisamos. Além disso, as pessoas se juntam às startups em períodos mais enxutos porque acreditam na visão. Ou sejam, vemos empresas com uma cultura mais forte e uma visão mais atraente. Essas são forças, não fraquezas. O meu pensamento é que para o verdadeiro empreendedor uma recessão pode ser ainda melhor para começar do que em tempos de euforia.

IA generativa é o tema do momento. Várias startups estão recebendo cheques volumosos, especialmente em seu país. Quando pensamos em modelos de negócios enxutos, qual é o papel que a AI pode ter em termos de organização, margens e de sustentabilidade operacional?

A nova AI é muito interessante e muito diferente da AI do passado. Mesmo que a matemática seja similar, as consequências de um negócio são muito diferentes. E estamos passando pelo maior ciclo de hype que eu posso lembrar em o dinheiro é colocado em empresas de AI em taxa escandalosa. Então, há muitas empresas que vão morrer e a taxa de mortalidade de startups será alta. Mas se você olhar na história, muitas vezes esse tipo de entusiasmo com uma nova tecnologia, mesmo que leve pessoas a perderem dinheiro, é bom para a sociedade em geral. Nós conseguimos diversas infraestruturas muito importantes sendo construídas. Eu acho que é assim que devemos ver as empresas de IA, como infraestruturas primárias para o futuro. Para empresas que estão usando IA, porém, é uma situação diferente.

Se você quer usar AI no seu produto, a coisa mais importante é lembrar as lições de Startup Enxuta. Nós chamamos de IA Enxuta. O empreendedor precisa se lembrar de testar para garantir que os clientes querem o produto que estamos construindo, se certificar de fazer um MVP (Mínimo Produto Viável) e de fazer  isso mantendo os gastos em linha com esse aprendizado. Não pode deixar que o entusiasmo com a tecnologia fale mais alto.

Você disse que haverá uma alta taxa de mortalidade. O que o empreendedor pode fazer para que a sua startup ou seu negócio não tenha um fim prematuro? 

Bem, é muito difícil. Se você está competindo na principal corrida de IA - apenas algumas empresas realmente estão -, então, é geopolítico tanto quanto tecnológico. Quando falamos de startups e do grau de dificuldade para sobrevivência, depende de quantos diferentes tipos de incertezas elas enfrentam.

Uma empresa fazendo um app mobile realmente só tem um tipo de incerteza. Os clientes usarão e pagarão pelo app? Mas quando estamos construindo infraestrutura, temos a questão de se os clientes usarão esse produto, mas também temos que saber, às vezes com investimento de 1 bilhão de dólares ou mais, se a tecnologia irá funcionar. A OpenAI, por exemplo, tem uma estimativa de perder em torno de 5 bilhões de dólares este ano, apesar do incrível progresso da tecnologia. A questão é que é incrivelmente caro construir infraestrutura. E, por enquanto, seus competidores, como Meta, estão dando software gratuito.

Mas para companhias AI, em particular, tem um terceiro nível de incerteza que precisamos adicionar: teremos acesso aos chips subjacentes? Essa é a primeira vez na minha vida que a cadeia de fornecimento afeta tanto a indústria de software tanto. Nós ficamos tão acostumados por décadas com o mercado de software ser um negócio de lucro infinito e de margens extremamente altos.

Neste mundo em transição constante, com é o caso da transformação das empresas em ecossistemas de negócios, o que deve ser capaz de mudar o jogo para uma companhia?

Eu acho que quando pensamos no nível do capitalismo, nós entramos numa era dominada pela confiança e confiabilidade. Quando você está construindo um ecossistema, entra em uma parceria multifacetada com seus fornecedores, área de suprimentos, clientes e sua comunidade. E com IA nós estamos vendo isso já, que a confiança tem se tornado uma nova base de competição. A IA é uma tecnologia que pode ser perigosa. Se eu trouxer fornecedor de IA para o meu firewall e der acesso aos dados dos meus clientes, eu estou colocando a vida da minha empresa em risco. Quem sabe o que eles podem fazer com esses dados? Eu tenho que confiar que vão usar isso de forma segura. E o público está muito alerta sobre os riscos da IA e quer ver os fornecedores se mostrarem responsáveis. Então, há uma pressão enorme em todos. Os riscos são altos, as penalidades, se fizer algo que não seja confiável, são muito altas. Eu acho que isso é uma consequência natural desse novo estilo de ecossistema, em que a confiança entre os elos dessa cadeia é o que faz a máquina girar. Espero que os empreendedores que querem obter sucesso nessa nova era vejam que ser um parceiro confiável é uma fonte de vantagem competitiva. É imperativo fazer isso. E as empresas que buscam vantagem a partir da exploração dos seus parceiros serão aquelas que ficarão mais frágeis no futuro.

Você lançou o livro Startup Enxuta em 2011 e de lá para cá muita coisa aconteceu em termos de evolução tecnológica - mas há também muito burburinho, caso do metaverso. Como você acompanha esse tendências e promessas tecnológicas?

A forma com que a tecnologia tem trabalhado historicamente é com essas megatendências: computador pessoal, celular, semicondutores. E é onde dinheiro é feito. Se você olhar a indústria tecnológica historicamente, os preços e o poder cedidos aos vencedores dessas tendências são massivos. Então, como consequência, a indústria tecnológica é culpada de tentar criar tendências do nada.

Temos metaverso, IA, mas também teve bitcoin, drones, wearables, internet das coisas, robôs. Essas fases vêm e vão, essas tendências vêm e vão, e é difícil acompanhá-las. E não é que sejam erradas. Obviamente, há um pouco de progresso no metaverso e as tecnologias estão melhorando. Mas o problema é que, para o público, isso obscurece a magnitude da mudança. Mas, mesmo que o hype e a bolha de IA pareçam ridículos, a tecnologia é simplesmente transformadora.

A indústria tende a gritar tanto que tem a próxima grande novidade que as pessoas viram as costas. E, mesmo quando falam a verdade, as pessoas desacreditam. Ao contrário de metaverso e de outras tendências passadas, há algo diferente sobre a AI e temos que olhar com mais seriamente. Isso, pedindo desculpas pelas tantas vezes que falamos isso e estávamos errados. 

Ninguém quer ficar de fora de conversas, mas há uma escassez de capital e de tempo no dia a dia da gestão dos negócios.  Como o empreendedor tem que encarar essas tendências? 

Eu sei que isso soa complicado, mas é realmente muito simples. A primeira coisa é que quando você entra em uma tendência só por ser tendência está garantido que perderá. Primeiro de tudo, em uma tendência verdadeira, a hora em que você ouve sobre ela, a informação já está espalhada. E aí já é muito tarde. Se você quer começar uma empresa como a OpenAI, o empreendedor precisa voltar em tempo, em uma máquina de tempo, é muito tarde, você perdeu. E ok.

Eu me lembro de pensar em 1996 ou 1998 que tinha perdido a onda da internet, que era tarde demais. Mas as tendências vão permanecer por muito tempo. Mesmo que seja verdade que perdi a chance de ser o fundador de um Yahoo, por exemplo, eu tive muitas outras oportunidades. Eu poderia ter criado o Google, AirBnB, Facebook. Então, ele não deve se preocupar com o hype. O que o empreendedor precisa fazer é encontrar um problema com o qual fique animado em resolver e usar a nova tecnologia para fazer o que antes era impossível.

As pessoas logo pensam em escolher o mais óbvio, o maior problema. Trabalhar com educação, por exemplo. Todo mundo trabalha com IA para a educação, é uma aplicação muito óbvia. A escolha deve ser por algo menor, mais específico. Podem pegar um tema relacionado à experiência de vida, com o qual realmente tenham afinidade. E no universo de IA, em particular, eu iria para algo no qual as pessoas estejam dispostas a pagar dinheiro hoje. Um serviço que atualmente é muito caro, chato e que IA é capaz de resolver.

O que é interessante no nosso tempo é que, pela forma como a tecnologia de IA evolui, uma empresa com apenas um ser humano pode agora conseguir coisas que no passado seriam necessárias 100 pessoas ou mais.

Acompanhe tudo sobre:StartupsInteligência artificial

Mais de Negócios

Nestlé fecha parceria para colocar Kit Kat nas lojas da Brasil Cacau

Da mineração ao café: as iniciativas sustentáveis da Cedro para transformar a indústria

Shopee inaugura seu primeiro centro logístico em Manaus

Ex de Bezos doou US$ 2 bilhões em 2024 — valor total nos últimos anos chega a US$ 19,3 bi