Líder militar do Hamas desde 2017, Yahya Sinwar é apontado como o maior responsável pelos ataques de 7 de outubro a Israel (Mohammed Abed/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 6 de agosto de 2024 às 16h13.
Última atualização em 6 de agosto de 2024 às 16h32.
O Hamas nomeou o líder linha-dura do grupo na Faixa de Gaza, Yahya Sinwar, como sua nova liderança política nesta terça-feira, uma semana após o assassinato atribuído a Israel de seu antecessor Ismail Haniyeh em Teerã, no Irã — fato que pôs o Oriente Médio sob a sombra de uma dura e esperada resposta militar iraniana e, consequentemente, à temida escalada regional no conflito. À frente do grupo no enclave desde 2017, Sinwar é apontado como o maior responsável pelo ataque no sul israelense em 7 de outubro, quando 1,2 mil pessoas foram mortas e mais de 250 foram sequestradas, levando à ostensiva campanha militar do Estado judeu, que já deixou mais de 39,5 mil mortos no território palestino.
"O Movimento de Resistência Islâmica Hamas anuncia a escolha do líder Yahya Sinwar como chefe do gabinete político do movimento", disse um comunicado do grupo.
Principal líder do Hamas no exílio, Haniyeh, de 62 anos, foi morto num ataque aéreo atribuído a Israel em 31 de julho, um incidente apontado como uma gravíssima falha dos serviços de segurança iranianos. Ele visitava o Irã, um dos aliados mais importantes do grupo terrorista, para acompanhar a cerimônia de posse do novo presidente iraniano, Massoud Pezeshkian. Se confirmada a autoria de Israel no ataque, a morte de Haniyeh faz dele o oficial de mais alto nível do Hamas a ser morto pelo Estado judeu desde o início da guerra no enclave.
"Todos nós temos o dever moral e a responsabilidade de não permanecer em silêncio diante da ocupação, deslocamento e genocídio da nação palestina", disse, em reunião com embaixadores baseados em Teerã, o chanceler interino, Ali Bagheri. "Indiferença e apaziguamento diante do mal e da injustiça é um tipo de negligência moral e causa a disseminação do mal."
O ataque que matou Haniyeh ocorreu um dia depois do comandante militar da milícia libanesa Hezbollah, Faud Shukr, ser morto em uma outra ação em Beirute, no Líbano. Israel assumiu apenas o ataque contra o dirigente libanês, dizendo que a morte de Shukr ocorreu em resposta a um ataque com foguetes dias antes que matou 12 crianças e adolescentes nas Colinas de Golã. Israel culpou o grupo xiita libanês, Hezbollah (também apoiado por Teerã), que, por sua vez, negou ter realizado a ofensiva.
Na segunda-feira, o governo do Irã afirmou ter o dever moral de responder ao assassinato do líder. Dias antes, o líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, declarou que o país tem "o dever de buscar vingança", e o chefe do Hezbollah, Hasan Nasrallah, citou uma "resposta inevitável". Israel, por sua vez, declarou que está "em preparação para qualquer cenário, tanto defensivo quanto ofensivo".
Desde o ataque, ocorrido em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas, o Oriente Médio vive a expectativa de uma resposta militar, que traz consigo os riscos de incendiar toda a região. Segundo os Estados Unidos — que anunciou o reforço de seu dispositivo militar no Oriente Médio para "aumentar o apoio à defesa" israelense —, uma ação é esperada nas próximas "24 a 48 horas" (contando a partir desta segunda-feira), e os israelenses aprovaram planos para "diversos cenários".
Sinwar, de 61 anos, nasceu no campo de refugiados de Khan Younis e entrou para a militância armada quando Israel ainda ocupava a Faixa de Gaza. Sua primeira prisão foi em 1982, por “atividades islâmicas”, sendo novamente detido em 1985. Na época, se aproximou do fundador do Hamas, Ahmed Yassin, e assumiu o serviço de segurança interna do grupo. Seus alvos, além de pessoas acusadas de colaborarem com Israel, eram as “atividades imorais”, como lojas com material pornográfico. Em 1989, foi condenado à prisão perpétua por quatro homicídios.
Na prisão, tornou-se fluente em hebraico e, após ter feito uma cirurgia para retirar um tumor no cérebro, chegou a receber uma proposta para colaborar com Israel. Ele recursou. Em 2011, quando houve aquela que, até agora, era a mais famosa troca de reféns por prisioneiros da História de Israel – a de mil palestinos pelo soldado Gilad Shalit – Sinwar ganhou a liberdade e voltou para Gaza como um nome de destaque do Hamas.
Seis anos depois, em 2017, quando já integrava uma lista de pessoas consideradas terroristas pelos EUA, foi escolhido chefe do conselho político do Hamas na Faixa de Gaza, sucedendo a Ismail Haniyeh, que vivia no Catar. Apesar do passado “linha-dura”, que incluiu a ordenação de execuções de adversários mesmo quando estava na cadeia, os primeiros sinais enviados a Israel eram um pouco diferentes.
Em 2018, mandou mensagens, incluindo ao próprio premier Benjamin Netanyahu, afirmando que estava cansado da guerra, e que seu objetivo era transformar Gaza numa sociedade funcional e pacífica. Um discurso que, como apontam analistas hoje, convenceu muita gente.
"Sinwar leu bem a mente dos israelenses", disse Michael Milshtein, chefe do Fórum de Estudos Palestinos no Centro Moshe Dayan de Estudos do Oriente Médio e África, à Bloomberg. "Ele queria que Israel acreditasse que o Hamas estava se concentrando na estabilidade de Gaza, promovendo temas civis. Plantou a ideia errada para os israelenses."
Ao longo dos anos, Sinwar manteve contatos indiretos com o governo israelense e com a Autoridade Nacional Palestina, que controla a Cisjordânia, obtendo inclusive novas permissões para cerca de 18 mil palestinos que vivem em Gaza trabalhassem em Israel. A ideia que passava era de que o Hamas não estava preocupado com a guerra, mas sim com o dia a dia dos mais de dois milhões de habitantes do enclave.
"O Hamas e Sinwar enganaram Israel, e fizeram parecer que a guerra não era uma opção para o Hamas", disse à Bloomberg o jornalista Akram Atallah, colunista do jornal al-Ayyam. "Foi uma campanha sofisticada de desinformação, fazendo com que Israel acreditasse que estavam falando sobre paz, sobre trabalhadores e sobre uma vida econômica para os moradores de Gaza."