Eleição americana: no Brasil, temas como o 5G, a guerra comercial com a China e a importância dos EUA como parceiro econômico são pontos de atenção na eleição desta semana (Lucy Nicholson/Reuters)
Carolina Riveira
Publicado em 2 de novembro de 2020 às 10h00.
Última atualização em 2 de novembro de 2020 às 13h23.
É uma decisão que impacta 7 bilhões de pessoas, embora só 240 milhões delas votem.
Como em todos os anos de eleição presidencial americana, o pleito que acontece nos Estados Unidos nesta terça-feira, 3 de novembro, ultrapassa as fronteiras do país.
Não importa quem vença, a escolha do próximo presidente americano vai ajudar a moldar o cenário geopolítico e econômico desta década. Temas como a guerra comercial com a China, a crise do coronavírus, o 5G, a política ambiental e as barreiras tarifárias (incluindo contra o Brasil) são algumas das prioridades na mesa do próximo presidente.
No passado, os 44 presidentes americanos já começaram guerras, assinaram acordos de paz, lideraram golpes, defenderam a democracia, impuseram barreiras tarifárias, retiraram barreiras, levaram o homem à Lua e propiciaram o ambiente em que surgiram as maiores empresas do mundo. Em boa parte desses momentos, o que se decide nos EUA vira modelo para o mundo.
É por isso que o embate entre Donald Trump e Joe Biden não chega a ser uma Copa do Mundo, mas será acompanhado atentamente por bilhões de espectadores -- dos analistas do mercado financeiro aos cidadãos comuns. Veja abaixo seis dos motivos pelos quais a eleição desta semana interfere na sua vida.
O plano do próximo presidente para a economia é um dos temas mais discutidos nesta reta final de eleição. A depender de quem for eleito, o crescimento nos EUA pode ter diferença de 1 trilhão de dólares, segundo mostrou a última reportagem de capa da EXAME.
Isso importa porque os EUA têm a maior economia do mundo, com mais de 21 trilhões de dólares em seu Produto Interno Bruto (PIB), à frente da China, segunda colocada. Decisões na economia americana podem fazer o dólar subir ou cair, impactando o preço dos produtos para consumidores e empresas brasileiras. Medidas como novos pacotes de estímulo contra a crise do coronavírus e corte de impostos (defendido por Trump) ou aumento (defendido por Biden), podem fazer, por exemplo, o banco central americano optar por elevar os juros, o que tende a reduzir os investimentos no Brasil e fazer o dólar subir.
Para quem investe no mercado de ações ou em alguns tipos de fundos, a eleição americana tem um impacto ainda mais direto nas finanças pessoais. Mesmo as ações de empresas brasileiras são diretamente influenciadas pelas bolsas internacionais.
As últimas semanas foram marcadas por alta volatilidade com a alta de casos de coronavírus e pela proximidade das eleições nos EUA. A depender do resultado -- e sobretudo se não houver uma grande disputa judicial em torno dos votos --, as bolsas podem voltar a se estabilizar.
É impossível fazer uma relação direta, mas o Ibovespa, no geral, tem performado bem nos 12 meses pós-eleição americana desde 1972, segundo levantamento da Exame Research, casa de análise de investimentos da EXAME. "A recuperação esperada para 2021 pode fazer o próximo ano entrar nessa estatística positiva para períodos pós-eleição", escreve o economista Arthur Mota, da Exame Research, em relatório especial sobre a eleição americana.
Com a pandemia longe de acabar, não só os mercados serão influenciados pelas decisões do próximo presidente, mas a saúde global. Caberá ao mandatário americano fazer acordo para comprar vacinas e insumos como testes e máscaras e, eventualmente, doar recursos ou fazer acordos com países mais pobres.
O próprio combate à pandemia dentro dos EUA será impactado. Pesquisas mostram que um dos chamados preditivos para o voto nesta eleição é o uso de máscara: entre o grupo que sempre usava máscara, Biden lidera por 40 pontos em pesquisa NBC News/Wall Street Journal divulgada na última semana.
Por que isso importa? Novamente, a situação da pandemia nos EUA impacta a economia global, já que lá estão algumas das maiores empresas do mundo, e muitas com filiais, fornecedores e empregos no Brasil. Como um grande comprador de insumos globais, a recuperação da economia americana pode influenciar positivamente empresas em todo o mundo. Ter o coronavírus fora de controle no país é má notícia para todos.
Há uma série de formas pelas quais a política americana pode impactar o Brasil. Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial brasileiro, tendo comprado quase 30 bilhões de dólares em produtos nacionais no ano passado (cerca de 13% das exportações brasileiras).
Os últimos anos foram marcados por avanços contra o comércio multilateral -- a saída do Reino Unido da União Europeia, o fim do Nafta (acordo multilateral na América do Norte), a guerra comercial entre Estados Unidos e China que se arrasta por anos e o enfraquecimento da Organização Mundial do Comércio, criticada pelo presidente Donald Trump.
No meio de tudo isso, especiais interessados nas decisões americanas são setores como o de minérios, combustíveis, indústria do aço e agrícola, principais exportadores para os EUA. Recentemente, tarifas foram impostas sobre o alumínio brasileiro. O açúcar também é alvo de desavenças, em meio a uma disputa do etanol de cana de açúcar nacional com o etanol de milho dos EUA.
O 5G, tecnologia que substituirá o 4G e implementará internet de alta velocidade e conexão inteligente entre equipamentos, virou alvo de debate no Brasil, com envolvimento dos EUA. Há um embate global entre os americanos e a chinesa Huawei, líder global na infraestrutura de 5G. Ao assinar um mini-acordo comercial com o Brasil neste ano, autoridades americanas chegaram a dizer que financiaram operadoras brasileiras caso o país não usasse tecnologia da Huawei. O leilão da frequência no Brasil, marcado para este ano, terminou sendo adiado para 2021.
O Brasil não é o único lugar onde o tema se tornou sensível: no Reino Unido, por exemplo, o governo voltou atrás na autorização dada a Huawei para instalar o 5G no país. A novela deve continuar, seja qual for o próximo presidente.
O Brasil vem sendo criticado internacionalmente por suas políticas ambientais. Neste ano, queimadas no Pantanal e na Amazônia fizeram fundos bilionários pressionarem o Brasil e levaram empresas brasileiras a pedirem ao presidente Jair Bolsonaro medidas contra a devastação ambiental. Embora Trump não tenha feito comentários diretos sobre o assunto ambiental e o Brasil, Biden disse em debate neste ano que haveriam "consequências" para o Brasil caso o desmatamento na Amazônia não parasse, e que, se eleito, os EUA ajudariam a reunir 20 bilhões de dólares para políticas ambientais no Brasil. Bolsonaro classificou a declaração como “desastrosa” e “gratuita”.
Desde que assumiu o cargo em 2019, Bolsonaro também se aproximou do presidente Donald Trump, e é conhecido pela imprensa estrangeira como "o Trump dos trópicos". Em postagens nas redes sociais, o presidente brasileiro já apoiou diretamente a reeleição de Trump. Se houver uma vitória de Biden, ainda é incerto como fica a relação entre os dois governos, embora a tendência é que a diplomacia prevaleça. Mas deve haver uma maior pressão sobre o Brasil nas questões ambientais.
Para além do Brasil, a depender do presidente eleito, os EUA também podem mudar seus objetivos energéticos. Biden, pressionado pela ala mais à esquerda do Partido Democrata, deve apoiar algum tipo de investimento em energia limpa e economia "verde" nos EUA, o que pode influenciar políticas ambientais no resto do mundo.
Não é só na macroeconomia ou na política que estão os impactos da eleição americana: nada mais influente no dia-dia do cidadão contemporâneo do que as redes sociais. Essas plataformas -- do Facebook ao Twitter ou o TikTok -- estão no centro dos debates nos EUA e podem sofrer transformações que chegarão no Brasil.
Primeiro, há casos como o do TikTok, que pertence à startup chinesa ByteDance e virou febre entre os jovens. O presidente Donald Trump acusa o app de espionar para o governo chinês e exige que a ByteDance venda parte do negócio a uma empresa americana. Por isso, foi firmado um acordo entre o TikTok, a Oracle e o Walmart para uma operação conjunta nos EUA. A operação do TikTok no Brasil não está envolvida na transação por ora.
Assim como em outros temas da guerra comercial, a relação dos EUA com o TikTok, a Huawei ou outras empresas de tecnologia chinesas podem mudar a depender do presidente eleito, mas não muito. "[Com Biden], deve haver uma relação ainda distante com a China, mas menos do que num cenário alternativo [a eleição de Trump]", escrevem os analistas da Exame Research.
Outro tema no radar são potenciais regulações às próprias redes sociais americanas, algo que a ala mais à esquerda do Partido Democrata tenta emplacar. A senadora Elizabeth Warren, por exemplo, tem como uma de suas marcas registradas o slogan "break up big tech" (ou "dividir as grandes empresas de tecnologia"). Os dois partidos, no Congresso, também vêm pressionando as grandes empresas de tecnologia com acusações de monopólio.
Já Trump passou a ter desavenças com as plataformas por moderações mais ativas seu conteúdo, vive em pé de guerra com a Amazon de Jeff Bezos e ameaça passar legislações contra as redes sociais. De um lado ou de outro, a relação entre o próximo governo americano e as gigantes de tecnologia poderá traçar os limites da internet em todo o mundo.