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Quem paga a conta ambiental de um cruzeiro imprudente?

Naufrágio do Concordia desperta medo crescente de desastre ecológico e traz à tona um problema pouco debatido – a poluição causada pelo transporte e o turismo marítimos

Tragédia torna urgente a necessidade de se repensar as rotas do turismo náutico – na maioria, destinos ricos em biodiversidade e belezas naturais (Getty Images)

Vanessa Barbosa

Publicado em 25 de janeiro de 2012 às 07h03.

São Paulo – À medida que desaparecem as chances de encontrar sobreviventes do naufrágio do cruzeiro Costa Concordia, aumentam os temores de que um vazamento de combustível cause um desastre ecológico na pequena e paradisíaca ilha de Giglio, na Toscana. Para evitar o pior, uma análise minuciosa para retirada do combustível da embarcação teve início nesta terça-feira e deve se estender pelas próximas semanas.

Derrames localizados no fundo do mar já foram identificados pelas autoridades italianas, que classificaram a situação do navio como “ uma bomba ecológica ” – são mais de 2,3 mil toneladas de combustível armazenadas nos reservatórios sob risco de vazar e contaminar as águas da região.

Apesar de acidentes como o do Costa Concordia serem excepcionalmente raros para a indústria de cruzeiros, cada um traz consigo riscos ecológicos muito específicos, de acordo com a natureza do incidente e com a área afetada. O exemplo mais recente de acidente marítimo com vazamento de óleo na indústria do turismo - e que nos dá uma visão nada reconfortante do que poderá ser o destino do naufrágio italiano, se ações não forem tomadas a tempo - é o do cruzeiro “Sea Diamond”, que em 2007 se chocou com um recife e naufragou na ilha de Santorini, na Grécia. Cerca de 450 toneladas de combustível se acumularam entre os destroços do navio, que permanecem até hoje na região.

Situações como essas, ainda que pontuais, tornam urgente a necessidade de se repensar o turismo náutico e suas rotas – na maioria, destinos ricos em biodiversidade e de belezas incomparáveis. Atenta à questão, a Unesco solicitou nesta segunda que o governo italiano restrinja o acesso de grandes cruzeiros em regiões ecológicas e culturais importantes.

O caso Concordia também traz à tona um problema pouco debatido – a poluição causada pelo transporte e o turismo marítimos rotineiramente. À parte eventuais acidentes de percurso, a indústria de cruzeiros marítimos tem outros desafios ambientais sérios, originados na própria operação cotidiana dos navios.

Duzentos mil litros de esgoto por dia

Um cruzeiro de grande porte é capaz de transportar até 5 mil passageiros e tripulantes. Como uma verdadeira cidade flutuante, um navio assim gera, por dia, 200 mil litros de esgoto de cozinhas, banheiros, lavagem de roupas e higiene pessoal, segundo estimativas da ONG americana Oceana. O lixo sólido também é um problema. De acordo com Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o transporte marítimo responde por 20% da poluição marinha por lixo.


O manejo correto de todos os esses resíduos é determinado por leis internacionais e também está sujeito à fiscalização e sanções que variam de acordo com os portos de onde partem os navios e onde chegam. No Brasil, cabe à Marinha, por meio do Departamento de Portos e Costas (DPC), a fiscalização dos cruzeiros e aplicação de multas por infrações ambientais, que vão desde o despejo irregular de resíduos no mar até vazamento de óleo por falta de perícia no reabastecimento do tanque de combustível.

“Os navios são inspecionados pelas autoridades navais, que avaliam se eles estão cumprindo as normas ambientais internacionais e de segurança. Se houver algo errado, eles são autuados e multados, a ponto de serem proibidos de sair do porto antes de regularizar sua situação”, explica o engenheiro em tecnologia militar Paulo Sampaio, asessor da gerência de Meio Ambiente do DPC.

Entre os regulamentos a que estão sujeitos os cruzeiros e o transporte no mar, o mais importante é a convenção ambiental marítima Marpol 73/78, que, grosso modo, foi projetada para minimizar a poluição e preservar o ambiente marinho. É essa norma que determina, por exemplo, que navios de transporte internacional tenham um sistema interno de gerenciamento de resíduos, que inclui a coleta e o tratamento de esgoto. Da mesma forma, os portos autorizados a receber esse navios devem contar com instalações para retirada de resíduos.

Legislação à deriva em alto mar

Apesar das exigências, o manejo adequado da poluição gerada nas embarcações marítimas parece estar longe do desejável. De acordo com o site CruiseJunk, que compila informações veiculadas em jornais e documentos oficiais sobre infrações ambientais cometidas por cruzeiros nos Estados Unidos, entre julho de 2009 e julho de 2010, ao menos 40 navios incorreram em infrações, a maioria relacionada ao mal gerenciamento de águas residuais.

Em um caso relatado em janeiro de 2010 pelo jornal Boston Herald, a companhia Rockmore Co. Inc teve de pagar mais de 300 mil dólares em multas por despejar esgoto in natura na costa próxima do Rio Charles, que atravessa o estado americano de Massachusetts. Isso em pleno porto local.

Mas e se o fosse em alto mar? Aí, aumentam as chances da infração passar despercebida. Pior, a própria convenção de Marpol permite o despejo de esgoto a uma distância de mais de 3 milhas náuticas (cerca de 5,5 km) da terra mais próxima, desde que o esgoto tenha sido triturado e desinfetado.

O problema é que a fiscalização se enfraquece sobremaneira a medida que o navio se afasta da costa. Quem garante que um transatlântico que sai da Europa para o Brasil não vai despejar esgoto no meio do caminho no Oceano Atlântico? “Dá mais trabalho tentar burlar a fiscalização do que seguir o que determina a lei”, diz Sampaio, do DPC. “Mas se na estrada a gente vê cada coisa errada acontecendo, é preciso treinar bem e conscientizar quem trabalha nesses navios para evitar imprudências”.

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São Paulo – À medida que desaparecem as chances de encontrar sobreviventes do naufrágio do cruzeiro Costa Concordia, aumentam os temores de que um vazamento de combustível cause um desastre ecológico na pequena e paradisíaca ilha de Giglio, na Toscana. Para evitar o pior, uma análise minuciosa para retirada do combustível da embarcação teve início nesta terça-feira e deve se estender pelas próximas semanas.

Derrames localizados no fundo do mar já foram identificados pelas autoridades italianas, que classificaram a situação do navio como “ uma bomba ecológica ” – são mais de 2,3 mil toneladas de combustível armazenadas nos reservatórios sob risco de vazar e contaminar as águas da região.

Apesar de acidentes como o do Costa Concordia serem excepcionalmente raros para a indústria de cruzeiros, cada um traz consigo riscos ecológicos muito específicos, de acordo com a natureza do incidente e com a área afetada. O exemplo mais recente de acidente marítimo com vazamento de óleo na indústria do turismo - e que nos dá uma visão nada reconfortante do que poderá ser o destino do naufrágio italiano, se ações não forem tomadas a tempo - é o do cruzeiro “Sea Diamond”, que em 2007 se chocou com um recife e naufragou na ilha de Santorini, na Grécia. Cerca de 450 toneladas de combustível se acumularam entre os destroços do navio, que permanecem até hoje na região.

Situações como essas, ainda que pontuais, tornam urgente a necessidade de se repensar o turismo náutico e suas rotas – na maioria, destinos ricos em biodiversidade e de belezas incomparáveis. Atenta à questão, a Unesco solicitou nesta segunda que o governo italiano restrinja o acesso de grandes cruzeiros em regiões ecológicas e culturais importantes.

O caso Concordia também traz à tona um problema pouco debatido – a poluição causada pelo transporte e o turismo marítimos rotineiramente. À parte eventuais acidentes de percurso, a indústria de cruzeiros marítimos tem outros desafios ambientais sérios, originados na própria operação cotidiana dos navios.

Duzentos mil litros de esgoto por dia

Um cruzeiro de grande porte é capaz de transportar até 5 mil passageiros e tripulantes. Como uma verdadeira cidade flutuante, um navio assim gera, por dia, 200 mil litros de esgoto de cozinhas, banheiros, lavagem de roupas e higiene pessoal, segundo estimativas da ONG americana Oceana. O lixo sólido também é um problema. De acordo com Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o transporte marítimo responde por 20% da poluição marinha por lixo.


O manejo correto de todos os esses resíduos é determinado por leis internacionais e também está sujeito à fiscalização e sanções que variam de acordo com os portos de onde partem os navios e onde chegam. No Brasil, cabe à Marinha, por meio do Departamento de Portos e Costas (DPC), a fiscalização dos cruzeiros e aplicação de multas por infrações ambientais, que vão desde o despejo irregular de resíduos no mar até vazamento de óleo por falta de perícia no reabastecimento do tanque de combustível.

“Os navios são inspecionados pelas autoridades navais, que avaliam se eles estão cumprindo as normas ambientais internacionais e de segurança. Se houver algo errado, eles são autuados e multados, a ponto de serem proibidos de sair do porto antes de regularizar sua situação”, explica o engenheiro em tecnologia militar Paulo Sampaio, asessor da gerência de Meio Ambiente do DPC.

Entre os regulamentos a que estão sujeitos os cruzeiros e o transporte no mar, o mais importante é a convenção ambiental marítima Marpol 73/78, que, grosso modo, foi projetada para minimizar a poluição e preservar o ambiente marinho. É essa norma que determina, por exemplo, que navios de transporte internacional tenham um sistema interno de gerenciamento de resíduos, que inclui a coleta e o tratamento de esgoto. Da mesma forma, os portos autorizados a receber esse navios devem contar com instalações para retirada de resíduos.

Legislação à deriva em alto mar

Apesar das exigências, o manejo adequado da poluição gerada nas embarcações marítimas parece estar longe do desejável. De acordo com o site CruiseJunk, que compila informações veiculadas em jornais e documentos oficiais sobre infrações ambientais cometidas por cruzeiros nos Estados Unidos, entre julho de 2009 e julho de 2010, ao menos 40 navios incorreram em infrações, a maioria relacionada ao mal gerenciamento de águas residuais.

Em um caso relatado em janeiro de 2010 pelo jornal Boston Herald, a companhia Rockmore Co. Inc teve de pagar mais de 300 mil dólares em multas por despejar esgoto in natura na costa próxima do Rio Charles, que atravessa o estado americano de Massachusetts. Isso em pleno porto local.

Mas e se o fosse em alto mar? Aí, aumentam as chances da infração passar despercebida. Pior, a própria convenção de Marpol permite o despejo de esgoto a uma distância de mais de 3 milhas náuticas (cerca de 5,5 km) da terra mais próxima, desde que o esgoto tenha sido triturado e desinfetado.

O problema é que a fiscalização se enfraquece sobremaneira a medida que o navio se afasta da costa. Quem garante que um transatlântico que sai da Europa para o Brasil não vai despejar esgoto no meio do caminho no Oceano Atlântico? “Dá mais trabalho tentar burlar a fiscalização do que seguir o que determina a lei”, diz Sampaio, do DPC. “Mas se na estrada a gente vê cada coisa errada acontecendo, é preciso treinar bem e conscientizar quem trabalha nesses navios para evitar imprudências”.

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