Ilustrações de Mbappé e Messi antes da final da Copa do Mundo: em campo, seleções buscam o tricampeonato (PUNIT PARANJPE/AFP/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 18 de dezembro de 2022 às 02h27.
Última atualização em 18 de dezembro de 2022 às 02h57.
França e Argentina chegaram à final da Copa do Mundo do Catar neste domingo, 18, que deve ser assistida por 1 bilhão de pessoas em todo o mundo. Seja qual for o resultado, a partida tem tudo para entrar para a história, com craques como Messi e Mbappé se enfrentando e as duas seleções buscando o tri mundial.
Mas, fora de campo, em que cenário chegaram os dois países à grande final?
Fanáticos por futebol e lar de alguns dos maiores craques desta Copa, França e Argentina foram ao Catar com outros pontos em comum para além do esporte.
Na política e na economia, embora as crises que cada um vive não possam ser diretamente comparadas, tanto Argentina quanto França enfrentam momentos conturbados. Os países tiveram nos últimos meses antes da competição cenário com inflação alta e política longe de sua fase mais calma.
A Argentina vive uma grave crise econômica, com inflação chegando a 92% no acumulado de 12 meses até novembro, segundo o índice oficial.
Com a desaceleração das pressões inflacionárias e alta de juros em todo o mundo, o fim de ano trouxe algum alento, e a inflação mensal foi de menos de 5% na Argentina em novembro pela primeira vez em nove meses. Mas a inflação segue sendo o principal pesadelo dos argentinos, e assim deve continuar por algum tempo.
O preço de um dólar estava em mais de 310 pesos argentinos na cotação do “dólar blue”, medida do mercado paralelo e que costuma ser mais realista que o preço oficial (este a pouco mais de 170 pesos na sexta-feira, 16).
Na França, porém, a inflação também tem sido tema central do país — como não era há muitas décadas. Como o resto da Europa, o país vem sendo assolado pelas altas no custo de energia com a guerra na Ucrânia.
A inflação francesa chegou a seus piores patamares em quase 40 anos. O principal índice francês ficou em 6,2% no acumulado de 12 meses até novembro, a maior desde 1985. É pouco perto da inflação argentina, mas muito para um país em que a inflação estava perto do 1% no começo de 2022.
Só a energia subiu mais de 18% em um ano. A França está atualmente no inverno, e, em toda a Europa, situações de racionamento de energia e contas muito altas para os domicílios já se tornaram comuns.
A alta de energia e guerra vieram ainda logo após uma crise na cadeia de suprimentos global diante da covid-19, que já pressionava a inflação. Nos EUA e no Reino Unido, a inflação também chegou a superar 9% neste ano, o que não acontecia desde os anos 1980. Nesse cenário, bancos centrais em todo o mundo têm subido juros para altas históricas, o que ajuda a reduzir a inflação, mas coloca os países em trilhas de crescimento menor e até risco de recessão a partir de 2023.
Não bastasse a economia, a crise política também corre solta.
Na Argentina, o último episódio da novela política no país veio com a Copa já em curso. A vice-presidente Cristina Kirchner foi condenada no começo de dezembro a seis anos de prisão por administração fraudulenta em governos anteriores. Kirchner não está presa no momento, mas, com a sentença, está inabilitada de ocupar cargos públicos. O imbróglio judicial pode influenciar os caminhos da eleição presidencial argentina, marcada para 2023.
A Argentina é presidida hoje por Alberto Fernández, que foi apoiado por Kirchner na eleição de 2019 mas que, depois, teve relacionamento conturbado com a vice (leia mais aqui).
Não é segredo que Fernández deseja disputar a reeleição em 2023, assim como não é segredo que Cristina tem outros planos — seja disputar ela própria o cargo, o que ficou mais difícil após a condenação, seja colocar outro aliado. Como ex-presidente, viúva do também ex-mandatário Nestor Kirchner e tendo base eleitoral ainda forte na Argentina, a palavra de Cristina sobre as candidaturas terá grande peso.
Com a crise, as projeções são de que o Partido Justicialista, de Kirchner e Fernández, pode sair derrotado da eleição. Seja como for, o resultado está longe de definido. A própria oposição vive fragmentação. Além da oposição clássica (liderada por nomes como o ex-presidente Maurício Macri e o prefeito de Buenos Aires, Horácio Larreta, à direita), a Argentina tem visto sobretudo a ascensão de Javier Melei, por vezes chamado de “Bolsonaro argentino” em alusão ao presidente brasileiro.
Na França, o presidente Emmanuel Macron já foi reeleito em abril de 2022, o primeiro presidente francês reeleito em 20 anos.
Mas o feito não conta toda a história: Macron enfrentou dura oposição, liderada por Marine Le Pen, da Reunião Nacional e vista como de extrema-direita. Ao contrário da eleição de 2017, quando também bateu Le Pen, a vitória em 2022 foi apertada, e Macron precisou do apoio de uma “frente ampla” em torno de seu nome.
A inflação e crise econômica generalizada em toda a Europa também têm alavancado a oposição contra os líderes atualmente no poder, com a rejeição a Macron indo às alturas. Além disso, a França vive cenário de fragmentação do centro e dos partidos tradicionais, o que tem tornado conturbada a política local.
Depois da vitória de Macron, os desafios continuaram. Na França, as eleições legislativas ocorrem meses depois da presidencial, e a ideia é que o presidente eleito, chegando ao pleito com força, consiga formar uma bancada forte no Parlamento (diante do regime “semipresidencialista” que a França adota). Não foi o caso para Macron, que sofreu com resultado pior do que o esperado e quase viu uma rebelião de outros partidos no Parlamento (à esquerda e à direita) contra a formação de base de seu governo e a escolha do primeiro-ministro.
As coisas se acalmaram de lá para cá, mas é fato que o segundo governo Macron, com guerra na Ucrânia, crise econômica e oposição ferrenha, será tudo, menos tranquilo.
Macron já assistiu à partida da semifinal da França contra o Marrocos, na qual os franceses venceram por 2x1 na quinta-feira. O presidente francês foi embora do Catar na sequência, mas volta para a final neste domingo.
É sabido que Macron convidou também alguns nomes de destaque na França para embarcar com a comitiva presidencial até o jogo. A lista de convidados inclui Paul Pogba (fora da seleção francesa por lesão) e ídolos como Zinedine Zidane, campeão pela França em 1998.
Macron tem sido um torcedor enfático: faltou a uma reunião da União Europeia em Bruxelas para assistir à semifinal contra o Marrocos e, na internet, tem feito postagens nas redes sociais sobre o evento e marcando outros chefes de Estado antes das partidas da França. Em uma delas, chegou a responder em português o presidente eleito no Brasil, Lula, em uma mensagem em que o brasileiro desejava sorte a Macron e Fernández com suas seleções na final.
Obrigado a você amigo @LulaOficial.
Caro @alferdez, um de nós terá mais sorte… Veremos domingo qual. Com toda a amizade… em frente les Bleus! https://t.co/s3gk3ba0dc— Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) December 15, 2022
Fernández também comentou a mensagem, respondendo a Lula e a Macron. “Querido amigo Emmanuel Macron, tenho muito carinho por você e te desejo o melhor para o futuro. Menos para o domingo”, brincou.
O presidente argentino, porém, não irá à final. Em seu perfil oficial nas redes sociais, pipocam, como esperado, críticas de argentinos ao governo e pedidos para que não vá ao Catar diante da situação econômica do país. (Nas respostas ao presidente, os argentinos também pedem, é claro, um feriadito na segunda-feira caso a Argentina seja campeã.)
Com a crise interna, a tendência é que o presidente tenha se ausentado para evitar mais críticas. Nas redes sociais, disse que “como milhões de compatriotas, desfrutará a final em casa”.
Como millones de compatriotas, disfrutaré la Final de la Copa del Mundo en casa. Viviré este momento fantástico como hasta ahora, junto a mi gente. En la cancha van a estar los mejores de los nuestros y en la tribuna una gloriosa hinchada.
Además, cábalas son cábalas 😉🤞🇦🇷 pic.twitter.com/tCbRDWyd5n
— Alberto Fernández (@alferdez) December 17, 2022
Fernández não irá à final, mas muitos argentinos com renda suficiente para a viagem estão embarcando para o Catar. Lugar nos voos de última hora na estatal Aerolíneas Argentinas, que tem feito operação especial para a partida, custam mais de 1 milhão de pesos — o que não impediu mais de 30 mil argentinos de irem ao Catar ao longo da Copa e esgotar as passagens nesta última semana para ver o que pode ser a “última dança” de Messi no mundial.
Em entrevista após a vitória da França contra Marrocos no Catar, Macron disse estar “muito orgulhoso” de seu país, e completou: “Quero que os franceses desfrutem dessa felicidade simples.” Essa "felicidade simples" do futebol, capaz de unir um povo e de apagar os demais problemas por alguns dias, é o que os torcedores de ambos os países tentarão neste domingo.
França e Argentina disputam o tricampeonato da Copa do Mundo: independentemente do vencedor, um novo tricampeão sairá da partida e se juntará ao rol de Alemanha e Itália (quatro títulos) e Brasil (cinco títulos).
A França venceu duas copas, em 1998 e 2018:
E a Argentina venceu as copas de 1978 e 1986:
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