Entenda o que está acontecendo no Haiti (RICHARD PIERRIN/AFP/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 7 de março de 2024 às 09h59.
A situação de segurança pública no Haiti está chegando ao limite nos últimos dias e tem alertado países vizinhos. Nesta quarta-feira, 6, o Conselho de Segurança da ONU expressou preocupação com o que chamou de situação crítica no Haiti, onde o líder de um grupo criminoso ameaça iniciar uma "guerra civil" se o primeiro-ministro, Ariel Henry, não renunciar.
"Se Ariel Henry não renunciar, se a comunidade internacional continuar a apoiá-lo, iremos diretamente para uma guerra civil que levará ao genocídio", disse Jimmy "Barbecue" Cherizier, líder de um dos maiores grupos criminosos do país.
A tensão política, no entanto, é só a ponta do iceberg em um país tomado por gangues e rebeliões. O governo haitiano declarou estado de emergência e toque de recolher por 72 horas no departamento de Oeste, onde está localizada a capital Porto Príncipe. Isso ocorreu após grupos criminosos tomarem a principal penitenciária do país caribenho, resultando na fuga de mais de 4.000 detentos e deixando dez mortos.
Volker Türk, chefe da área de direitos humanos da ONU, alertou em Genebra que a situação no Haiti se tornou "mais do que insustentável", com 1.193 pessoas mortas pela violência de gangues armadas desde o início de 2024.
Em estado de caos, as gangues que controlam a maior parte da capital e as estradas que levam ao resto do país, atacaram nos últimos dias locais estratégicos deste país caribenho: a academia de polícia, o aeroporto e vários presídios, dos quais milhares de prisioneiros fugiram. Diante da onda de violência, o Conselho de Segurança fez uma reunião de emergência na tarde de ontem.
"Todos compartilharam suas preocupações", principalmente a necessidade de mobilizar o quanto antes a missão internacional de apoio à polícia, disse a embaixadora de Malta, Vanessa Frazier.
Os arredores do aeroporto Toussaint-Louverture voltaram a ser palco de confrontos entre forças de segurança e gangues na noite de terça-feira e na madrugada desta quarta-feira, segundo relato de uma fonte policial à AFP.
Com o estado de emergência e o toque de recolher noturno impostos pelas autoridades, muitos moradores da capital fogem dos distúrbios carregando seus poucos pertences, enquanto outros saem de casa apenas para comprar o indispensável.
"A situação está cada vez pior. A polícia nacional é impotente contra os ataques dos grupos armados. Somente uma força militar pode nos ajudar nesta situação", diz um motorista de Porto Príncipe, que não quis ser identificado
Em meio à violência, crise política e a anos de seca, cerca de 5,5 milhões de haitianos (aproximadamente metade da população) necessitam de assistência humanitária externa. O apelo da ONU para financiar 674 milhões de dólares (3,3 bilhões de reais na cotação atual) este ano para ajudar o Haiti, o país mais pobre das Américas, mal conseguiu arrecadar 2,5%.
Os distúrbios desde a última quinta-feira levaram pelo menos 15 mil pessoas a fugir das áreas mais afetadas de Porto Príncipe, segundo a ONU, que começou a distribuir alimentos e produtos de primeira necessidade
Cherizier, de 46 anos, conhecido como "Barbeque", já foi um oficial da Polícia Nacional do Haiti. Como policial, ele é acusado pelas Nações Unidas de ter desempenhado um papel em vários massacres, incluindo a morte de mais de 70 pessoas em 2018, quando mais de 400 casas no bairro La Saline da capital foram incendiadas.
Segundo a Reuters, Cherizier, que frequentemente faz aparições públicas usando boina, roupas camufladas e arma na mão, anunciou a criação, em 2020, de uma aliança de gangues. Liderada por ele, ela reunia nove gangues da área da capital e se chamava G9 Family and Allies. Cherizier é um dos cinco líderes de gangues sujeitos a sanções da ONU e dos EUA. Os efeitos dessas sanções ainda não estão claros.
O líder do grupo criminoso ganhou notoriedade internacional depois de assumir o controle do principal porto de combustível do Haiti, essencialmente mantendo o país como refém, já que o transporte foi congelado e os hospitais ficaram sem fornecimento de energia.
No poder desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em 2021, Henry deveria ter renunciado em fevereiro, mas selou um acordo de poder compartilhado com a oposição até a realização de novas eleições.
Em um país sem presidente ou Parlamento, onde as últimas eleições foram realizadas em 2016, o futuro do dirigente está no ar.
"Apesar de várias reuniões, ainda não fomos capazes de chegar a nenhum tipo de consenso entre o governo e os diferentes atores da oposição, o setor privado, a sociedade civil e as organizações religiosas", lamentou o presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, que assume a presidência temporária da Comunidade do Caribe (Caricom). "Todos estão conscientes do preço do fracasso."
"Pedimos ao primeiro-ministro haitiano que avance com um processo político que levará ao estabelecimento de um órgão presidencial de transição para a celebração das eleições", disse hoje a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Linda Thomas-Greenfield.
Horas depois, a Casa Branca assegurou, por intermédio de sua secretária de imprensa, Karine Jean-Pierre, que não está pressionando o dirigente haitiano a renunciar.
Henry ainda não conseguiu retornar a Porto Príncipe desde que partiu para o Quênia para organizar o envio de uma missão policial multinacional apoiada pela ONU. Ele desembarcou ontem em Porto Rico, segundo uma porta-voz do governador da ilha caribenha. O governante, que não pôde viajar ao Haiti devido aos distúrbios no aeroporto internacional, teve sua permissão negada para pousar na vizinha República Dominicana.
"Os governos do Haiti e Estados Unidos consultaram, de maneira informal, a República Dominicana sobre a possibilidade de que a aeronave que transportava o primeiro-ministro Henry de volta ao seu país pudesse ter feito uma escala indefinida em território dominicano", disse um comunicado oficial lido pelo porta-voz Homero Figueroa nesta quarta-feira.
"Nas duas ocasiões, o governo dominicano comunicou a impossibilidade de tal escala sem receber um plano de voo definido", acrescentou.