Mundo

Fiscais do chavismo com acesso a atas eleitorais admitem vitória da oposição e denunciam pressões

Reportagem do site Caracas Chronicles entrevistou militantes do partido de governo que atuaram em seções eleitorais e disseram ter visto atas que confirmam que Maduro, em seus distritos, sofreu ‘uma surra’

Assembleia Nacional da Venezuela, em 13 de agosto de 2024 (AFP)

Assembleia Nacional da Venezuela, em 13 de agosto de 2024 (AFP)

Agência o Globo
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 27 de agosto de 2024 às 07h23.

Tudo sobreVenezuela
Saiba mais

Há quase um mês, a Venezuela está mergulhada numa crise política desencadeada pela disputa entre o governo.

Nicolás Maduro a oposição em torno ao resultado da eleição presidencial de 28 de julho. Desde que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou, na noite do pleito, a vitória de Maduro por 51,95 %, contra 43,18 % do candidato opositor Edmundo González Urrutia, grande parte da oposição e da comunidade internacional passou a exigir a apresentação das atas eleitorais para confirmar a reeleição do presidente venezuelano.

O CNE nunca as apresentou, e tampouco o fez o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ, controlado pelo chavismo), ao qual o governo Maduro recorreu para ter seu triunfo ratificado. Com este pano de fundo, o site de notícias Caracas Chronicles introduziu um novo elemento na complexa crise venezuelana: o depoimento, em condições de anonimato, de fiscais eleitorais do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), que disseram ter visto as famosas atas em suas seções eleitorais, nas quais, afirmaram, a vitória de González Urrutia foi contundente.

Intitulada “O elo perdido da eleição de 28 de julho”, a reportagem foi escrita com base em um texto publicado originalmente no site “La Vida de Nos”, no qual dois fiscais e uma líder comunitária do PSUV revelaram, também, atos de pressão por parte do partido governista para que não fossem divulgadas as atas eleitorais às quais tiveram acesso. Nas eleição presidencial venezuelana foram registradas 30.026 seções eleitorais, cada uma com um presidente, uma pessoa que operava a urna eletrônica, um secretário, um membro principal e testemunhas (os fiscais venezuelanos) de vários partidos. Até agora, os fiscais do PSUV estavam em silêncio.

A oposição digitalizou 25.073 atas eleitorais, reunidas, segundo informou a campanha de González Urrutia, por fiscais de partidos opositores. As atas foram divulgadas através de um site e, segundo elas, o candidato opositor foi o vencedor, com 67% dos votos. Os fiscais do PSUV entrevistados para a reportagem confirmaram que as atas publicadas pela oposição eram iguais às que eles tiveram acesso em suas seções eleitorais. “Se eles publicaram a ata eleitoral onde o candidato deles perdeu, e eu sei que é real porque a tenho aqui, por que eu deveria duvidar ou pensar que as outras que eles carregaram são falsas?”, disse uma das entrevistadas, identificada apenas como Karla.

Ela atuou na cidade de La Guaira, no estado Vargas, muito próximo da capital. A fiscal do PSUV pertence a uma Unidade de Batalha, Hugo Chávez, uma organização de base do partido governista, e tem em sua casa atas eleitorais originais. “No meu centro de votação, Maduro venceu por alguns votos. Mas em La Guaira a oposição nos aniquilou. Outros fiscais do PSUV postaram os números no nosso grupo do WhatsApp, e foi inacreditável. Eles nos deram uma surra”. Quando o CNE anunciou a vitória de Maduro, a fiscal do PSUV ficou perplexa: “Como vencemos?… Isso é loucura. O chavismo sempre vence em La Guaira, e dessa vez não aconteceu.” Karla também se pergunta por que lhe pediram que apague “evidências do WhatsApp”, e lhe proibiram falar sobre a eleição, se vitória do governo foi tão contundente.

Na tarde do dia da eleição, contou a fiscal do PSUV, a coordenadora do seu centro disse a todos que "por ordens superiores", eles imprimiriam apenas uma ata eleitoral por mesa, e não uma para cada testemunha. Karla reclamou porque o partido não tinha dito isso a ela, mas a coordenadora a lembrou que elas estavam "no mesmo time”, e que ela não deveria ser tola. “Eu recusei. Eu queria minha ata eleitoral e que o cara da oposição pegasse a dele também. Porque eu sou chavista, mas não trapaceio".

Outra entrevista identificada como Daria contou que em sua seção uma “falha técnica” impediu durante algumas horas a impressão de atas eleitorais. O problema foi resolvido depois das 22hs, e os números, disse Daria, mostraram que González Urrutia vencera por cerca de 300 votos. Quando a oposição publicou as casas eleitorais que tinha em seu poder, e que representariam cerca de 80% do total, a fiscal do PSUV disse ter visto no site opositor a mesma ata que tinha em mãos. "Ela hesitou e então verificou a identidade de outra pessoa de outro centro distante. Mesma coisa. Era a mesma ata eleitoral”, diz a reportagem.

Em Ciudad Bolívar, a líder comunitária identificada como María Eugenia contou que recebeu a tarefa de garantir um mínimo de 90 votos para o PSUV, diz a reportagem. Pela primeira vez desde que o chavismo chegou ao poder, há 25 anos, disse María Eugenia, “não tivemos que ir buscá-las em suas casas como em todas as outras eleições. As pessoas foram votar porque queriam. Era como se soubessem em quem votar.”

“Ao cair da noite, a coisa mais inusitada aconteceu: o chat explodiu com mensagens dizendo que tinham perdido em quase todos os centros da paróquia. Os chefes estavam furiosos, exigindo explicações, histéricos. Uma paróquia onde eles nunca, nunca perderam. Uma comunidade onde eles sempre venceram de forma esmagadora", diz o Caracas Chronicles.

A reportagem não é uma amostra representativa, mas sim uma contribuição que incorpora à disputa política a visão de um lado da história que, até agora, não tinha sido ouvido.

Acompanhe tudo sobre:VenezuelaDiplomacia

Mais de Mundo

Argentina conclui obra-chave para levar gás ao centro-norte do país e ao Brasil

MP da Argentina pede convocação de Fernández para depor em caso de violência de gênero

Exército anuncia novas ordens de alistamento para judeus ultraortodoxos em Israel

Eleição nos EUA: país reforça segurança de trabalhadores e das urnas