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Entenda o que é o Talibã e saiba o que aconteceu no Afeganistão

Mulheres sem poder estudar, pessoas correndo no aeroporto para tentar fugir: saiba quem é o grupo que retorna ao poder após 20 anos de guerra

Talibã: grupo extremista tomou o poder no Afeganistão. Mas o que isso significa? (AFP via Getty Images/Getty Images)
Drc

Da redação, com agências

Publicado em 16 de agosto de 2021 às 15h04.

Última atualização em 17 de agosto de 2021 às 18h48.

O que é o Talibã?

Na língua pashtun, Talibã significa estudante. Em 1994, ex-guerrilheros pashtuns -- o maior grupo étnico do Afeganistão --, que participaram da expulsão de forças soviéticas com o apoio dos EUA e do Paquistão, formaram um grupo. Fundado por Mohammad Omar, o grupo extremista prometia restaurar a paz e segurança no país, baseado na instauração Lei Islâmica.

Quando tomaram o poder na década de 1990, fizeram com que o Afeganistão se transformasse em uma espécie de emirado islâmico, onde as regras seriam baseadas na leitura que o Talibã fazia do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos. De acordo com esta leitura, as mulheres seriam impedidas de sair de casa sem a companhia de um homem, o uso da burca seria obrigatório além de serem proibidas de estudar e trabalhar.

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O grupo teve uma participação direta no atentado contra as Torres Gêmeas do World Trade Center em 11 de setembro de 2001. O Talibã protegeu o líder da Al-Qaeda, Osama bin-Laden, além de outros integrantes. Como consequência, as tropas americanas invadiram o Afeganistão em 2001, colocando fim ao governo extremistra no país.

Após o fim do governo Talibã no Afeganistão, o grupo se refugiou em uma região que faz fronteira com o Paquistão, um dos poucos países que reconhecia o governo Talibã como legítimo. A permanência militar dos Estados Unidos no Afeganistão também fez com que o sentimento anticolonialista ficasse mais forte. Ao longo dos anos, o Talibã foi ganhando espaço, através de um recrutamento de guerrilheiros. Agora, o grupo extremista quer recuperar o que perdeu após a intervenção dos EUA na região.

Em qual contexto isso acontece?

O Talibã controlou o Afeganistão entre 1996 e 2001, quando seguiu uma versão radical do islamismo nos costumes, vetando o consumo de álcool e a livre circulação de mulheres.

A rápida ofensiva militar do grupo, que em duas semanas tomou 26 das 34 capitais de províncias, acontece no vácuo da saída das tropas americanas.

Os EUA estavam no país desde 2001, após terem tomado o controle do próprio Talibã e tentado criar instituições de Estado junto ao governo afegão.

Na tarde deste domingo, o aeroporto de Cabul virou cenário de caos à medida em que civis e oficiais estrangeiros tentavam deixar o país.

O presidente americano, Joe Biden, enviou mais mil soldados à região para assegurar a evacuação da Embaixada dos Estados Unidos. Outras potências ocidentais, como Reino Unido e Alemanha, também estão evacuando a região.

A embaixada dos Estados Unidos emCabuldisse que a situação de segurança no aeroporto estava mudando rapidamente e que havia relatos de tiros enquanto as tropas dos EUA ajudavam na evacuação de funcionários norte-americanos.

Além do controle da capital, o Talibã também garantiu hoje que havia assumido ainda o controle da prisão militar de Bagram, que foi durante anos um símbolo da ocupação militar das forças internacionais no Afeganistão. Os presos foram libertados.

O local abrigava muitos líderes da insurgência do Talibã e centenas de presidiários, e foi usada como a maior e mais importante prisão dos EUA no Afeganistão. O controle da polêmica prisão foi transferido para o governo afegão em 2013.

Embora o centro fosse considerado uma fortaleza por sua alta tecnologia militar, os americanos deixaram o local sem prévio aviso e sem treinar as forças afegãs para o uso do equipamento, apontaram oficiais locais após a saída dos norte-americanos.

O que levou à guerra no Afeganistão

A promessa do presidente americano, Joe Biden, foi de retirar todas as suas forças do Afeganistão antes do 20º aniversário dos ataques de 11 de setembro, que aconteceram em 2001.

Com a maior parte das forças americanas já fora do país, era esperado que o Talibã avançasse, mas a ofensiva aconteceu de forma ainda mais rápida do que o previsto.

Apesar dos avanços do Talibã, Biden disse que não mudaria de ideia sobre a saída americana. Mais de 70% dos americanos dizem apoiar a retirada.

Os EUA invadiram o Afeganistão em 2001, após o 11 de setembro, acusando o país, controlado então pelo Talibã, de estar escondendo o terrorista Osama Bin-Laden, da Al Qaeda e que se disse responsável pelo ataque às Torres Gêmeas.

Desde então, o governo afegão conseguiu retomar parte do país com o apoio das forças armadas americanas, mas o Talibã nunca deixou de ser uma ameaça e a guerra nunca foi de fato vencida, diferente do que os EUA imaginavam.

Em dado momento, antes de 2012, os EUA chegaram a ter mais de 100.000 soldados no Afeganistão, e o custo da guerra com o Talibã chegou a 100 bilhões de dólares por ano.

A estimativa do Departamento de Defesa dos EUA é que a guerra no Afeganistão tenha custado só até 2019 mais de 770 bilhões de dólares, mas projeções apontam que o custo já supera 1 trilhão de dólares.

Sucessivos governos americanos vinham sendo pressionados a encerrar a "guerra sem fim" no Afeganistão. O governo Biden foi eleito prometendo lidar com problemas internos dos EUA e encerrar guerras no exterior, que vinham drenando recursos públicos americanos.

Esse dilema fez o atual secretário de Estado americano, Antony Blinken, defender a saída norte-americana há algumas semanas.

"A ameaça terrorista mudou para outro lugar. E temos outros assuntos muito importantes em nossa agenda, incluindo o relacionamento com a China, incluindo lidar com questões que vão desde a mudança climática até a covid", disse Blinken à rede ABC.

Neste domingo, no entanto, após a entrada do Talibã em Kabul, Blinken admitiu que a rapidez com que o grupo retomou o controle foi surpreendente.

Na outra ponta, nomes como o chefe da CIA, William Burns, e alguns generais dos EUA, como o ex-chefe militar David Petraeus, haviam argumentado que essa medida poderia mergulhar o Afeganistão em mais violência e, ainda, deixar os Estados Unidos mais vulneráveis a ameaças terroristas.

Confira os principais acontecimentos desde domingo (15)

Portões de Cabul

No domingo, 15 de agosto, o Talibã chegou a Cabul, depois de uma ofensiva fulminante que começou em maio, após o início da retirada das tropas dos Estados Unidos e da Otan.

Nos últimos dez dias, os insurgentes tomaram todas as grandes cidades do Afeganistão, encontrando pouca resistência.

"O Emirado Islâmico ordena que todas as suas forças permaneçam nos portões de Cabul, que não tentem entrar na cidade", tuitou Zabihullah Mujahid, um porta-voz do Talibã.

Mas os habitantes de Cabul apontam para a presença dos talibãs na periferia da capital.

Promessa de "transferência pacífica do poder"

O ministro do Interior afegão, Abdul Sattar Mirzakwal, promete em uma mensagem de vídeo "uma transferência pacífica de poder para um governo de transição".

O presidente afegão, Ashraf Ghani, pede às forças de segurança que garantam a "segurança de todos os cidadãos", mantendo a ordem pública em Cabul.

Grande inquietação

A comunidade internacional expressa preocupação: o papa Francisco apela ao "diálogo", a Otan a "uma solução política para o conflito".

A Rússia está trabalhando com outros países para realizar uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU.

O pânico se instala em Cabul: as lojas fecham e as pessoas correm para sacar seu dinheiro dos bancos.

Os países estrangeiros organizam apressadamente a evacuação de seus cidadãos e dos afegãos que trabalhavam para eles.

Partida do presidente Ashraf Ghani

Na noite de domingo, o presidente afegão Ashraf Ghani deixou o país, disse o ex-vice-presidente Abdullah Abdullah.

Anteriormente, o Talibã alegou que seus combatentes entraram em vários distritos da capital afegã, contrariando as ordens iniciais.

Por outro lado, várias fontes do Talibã disseram à AFP que os insurgentes assumiram o controle do palácio presidencial.

"Os talibãs venceram"

Imagens da televisão confirmam que os talibãs entraram na capital afegã e tomaram o palácio presidencial.

O presidente Ghani, por sua vez, disse em uma mensagem no Facebook que fugiu do país para "evitar um banho de sangue" e reconhece que "o Talibã venceu".

Ele não informou para onde foi, mas o grupo de imprensa afegão Tolo sugere que ele viajou para o Tadjiquistão.

Horas depois, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, apela ao Talibã e todos os partidos no Afeganistão a se comportarem "com muita moderação".

Pânico no aeroporto

Uma maré humana correu nesta segunda-feira, 16 de agosto, para o aeroporto, único meio de saída do país.

Os vídeos mostram centenas de pessoas correndo perto de um avião de transporte militar dos Estados Unidos, em direção à pista, algumas delas tentando se segurar em suas laterais ou nas rodas.

Outros vídeos mostram cenas de caos total nas pistas, com civis lutando para subir as passarelas ou escadas que levam aos aviões.

O tumulto é tanto que tropas americanas, que garantem a segurança do aeroporto, atiraram para o alto para controlar a multidão. Todos os voos comerciais foram suspensos.

A pedido do Afeganistão, empresas internacionais suspenderam o sobrevoo no país enquanto aviões militares, principalmente americanos, evacua funcionários diplomáticos e locais.

A União Europeia planeja uma reunião por videoconferência com a participação de seus chanceleres nesta terça-feira.

Fim da vacinação

De acordo com o portal local de notícias Shamshad News, a vacinação já foi interrompida na província de Paktia, no leste do Afeganistão. Desde a tomada da província pelo grupo, as vacinas contra a covid-19 pararam de ser distribuídas pela região.

Walayat Khan Ahmadzai, diretor provincial de saúde pública da região, disse em entrevista ao Shamshad News que o Talibã ordenou os funcionários do hospital regional para pararem de distribuir o imunizante, o que resultou no fechamento imediato dos postos de vacinação da região, enquanto médicos e críticos buscam acatar as ordens impostas temendo represálias violentas do grupo.

De acordo com Ahmadzai, a enfermaria responsável pela aplicação das doses está fechada há três dias e os cidadãos são informados de que a vacinação foi proibida. O Talibã alertou a equipe de distribuição de vacinas para evitar distribuí-las, acrescentou Ahmadzai. Até o momento, não há informações concretas sobre como está a campanha de vacinação no resto do país.

Segundo dados do portal Our World in Data, o Afeganistão aplicou, até o momento, cerca de 770 mil doses da vacina contra a covid-19, o que representa cerca de 2% da população e apenas 0,5% da população do país completou a vacinação.

Reação internacional

A China acusou nesta terça-feira, 17, os Estados Unidos de deixarem "um caos terrível de distúrbios, divisão e famílias desfeitas" no Afeganistão. Pequim destacou sua disposição a cooperar com os talibãs após a retirada dos Estados Unidos, a qual estimulou um rápido avanço desses islamitas de linha radical em todo o país, cuja população presenciou como tomaram a capital Cabul no domingo.

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying, disse que o país está pronto para continuar as relações "amigáveis e cooperativas" com o Afeganistão e pediu ao novo regime afegão para "fazer uma ruptura limpa com as forças internacionais" e "evitar que o Afeganistão se transforme novamente em um ponto de encontro para terroristas e extremistas".

Pressionado dentro de casa pela saída do Afeganistão e retorno do Talibã, o presidente dos EUA, Joe Biden , se defendeu das críticas à retirada americana. Na fala, Biden repetiu a narrativa que já havia anunciado em comunicados anteriores: que em algum momento a presença americana no Afeganistão precisaria acabar, e que os EUA não podem ser responsáveis pela "construção de um país".

O presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou uma iniciativa europeia para lidar com os fluxos de imigrantes do Afeganistão. Num discurso na televisão, Macron alertou que a desestabilização do Afeganistão pode gerar fluxos migratórios irregulares e afirmou que embora a França continue a proteger "os mais ameaçados", a Europa sozinha não pode suportar as consequências da situação real.

"Será lançada uma iniciativa para construir, sem esperar mais, uma resposta robusta, coordenada e unida", afirmou Macron em seu discurso. O presidente disse que já conversou sobre o plano com a chanceler alemã, Angela Merkel.

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(Com Estadão Conteúdo e agências internacionais)


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