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Eleição na Argentina: por que, na economia, Milei é visto como mais radical que Trump e Bolsonaro

Candidato ultraliberal quer fazer mudanças profundas na economia, como abandonar o peso e 'dinamitar' banco central

Javier Milei: candidato ficou em segundo no primeiro turno das eleições presidenciais na Argentina (Luis Robayo/AFP)

Javier Milei: candidato ficou em segundo no primeiro turno das eleições presidenciais na Argentina (Luis Robayo/AFP)

Publicado em 21 de outubro de 2023 às 06h14.

Última atualização em 21 de outubro de 2023 às 10h40.

Javier Milei é o mais novo nome de uma série de candidatos a presidente que prometem lutar contra o "sistema" e fazer mudanças radicais para resolver problemas do cidadão comum.

A fórmula já deu certo nas urnas em vários países, como na vitória de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016 e de Jair Bolsonaro no Brasil, em 2018. No entanto, Milei concentra seu radicalismo na economia, área que outros presidentes de postura mais antisistema pouco mexeram.

O candidato argentino, classificado como ultraliberal ou anarcocapitalista, tem duas propostas principais: acabar com o uso do peso como moeda da Argentina e com o Banco Central. Já falou abertamente em "dinamitar" a instituição.

Ele propõe deixar os argentinos usarem a moeda que quiserem para fazer transações e acredita que, com isso, o dólar acabará sendo adotado, sem que seja preciso um banco central para regular a política monetária. Para Milei, a instituição é "um mecanismo pelo qual os políticos fraudam os argentinos”.

A ideia é questionada por muitos economistas e empresários, primeiro porque não há como dolarizar o país sem ter reservas em dólares. A Argentina tem um problema crônico de falta de divisas estrangeiras e tem problemas para pagar desde o empréstimo com o FMI até por importações de insumos para suas indústrias. Milei diz que para resolver a questão basta que as pessoas que guardam dólares em casa recoloquem as notas americanas em circulação.

O dólar americano foi adotado como moeda nacional em alguns pequenos países do mundo, como Equador e Panamá. Se a Argentina adotar a medida, será o primeiro país de grande porte a fazê-lo. A ampla maioria dos governos mantém um banco central para supervisionar o sistema financeiro e ter como agir em caso de crises. O BC pode desvalorizar a moeda local frente ao dólar para baratear as exportações, e assim aumentar as vendas ao exterior, por exemplo. Também pode socorrer outros bancos que quebrem e fiscalizar as instituições financeiras para evitar abusos.

A Argentina vive uma crise econômica profunda, a pior em décadas. A inflação, em setembro, atingiu 138% ao ano, percentual que não era visto desde os anos 1990. Desde agosto, o dólar paralelo quase dobrou de valor: saiu do patamar de 600 pesos para 1.000. Nos últimos 20 anos, a Argentina foi governada por peronistas e pela centro-direita, mas nenhum dos presidentes conseguiu tirar o país da crise de modo definitivo. Isso ajudou o discurso anti-sistema de Milei a ganhar força: se nenhum político de sempre consegue resolver as coisas, é hora de mandar todos embora, como diz um de seus jingles de campanha.

Milei tem também uma diferença importante na comparação com outros políticos antissistema estrangeiros: é formado e fez carreira em economia, o que lhe dá mais liberdade para propor medidas.

Ele deu aulas em universidades, escreveu livros sobre o tema e trabalhou em instituições como o HSBC. Em 2021, deixou o setor privado, quando foi eleito deputado federal pela primeira vez, poucos anos após se tornar conhecido depois de participar de um programa de debates na TV.

A trajetória de Javier Milei

Milei nasceu em 1970, em Palermo, bairro de Buenos Aires, filho de um motorista de ônibus que virou empresário do setor, e uma dona de casa. Ele tem uma relação difícil com os pais e, depois que cresceu, rompeu relações. "Para mim, eles estão mortos", disse diversas vezes em programas de TV.

Na adolescência, foi goleiro do time Chacarita Juniors — e também foi cantor em uma banda de rock, inspirada no Rolling Stones. Se formou em economia na Universidade de Belgrano, e depois cursou dois mestrados, em teoria econômica e em ciências econômicas.

Além da carreira universitária, Milei teve vários cargos na iniciativa privada, incluindo o de economista-chefe da Fundação Acordar, centro de estudos de Daniel Scioli, ex-governador de Buenos Aires, e nas empresas do bilionário Eduardo Eurnekian, que tem vários negócios, incluindo uma operadora de aeroportos e uma emissora de TV, de onde veio um convite que mudaria sua vida.

Na noite de 26 de julho de 2016, ele foi chamado de última hora para cobrir uma vaga em um programa de debates e comentários, chamado Animales Soltos, exibido às 23h30. Com comentários ácidos sobre economia e visual de roqueiro, com cabelos grandes e bagunçados, chamou a atenção e aumentou a audiência. "Ele entrou quando o número estava em 2,5 pontos e o levou para 7. Depois, começaram a levá-lo a outros programas e a audiência passou de 5 para 9. Não saiu mais da TV'", contou o apresentador Alejandro Fantino, em entrevista ao LN+.

Suas aparições na TV começaram a viralizar nas redes sociais, onde conquistou os jovens com um discurso disruptivo. A cabeleira farta e desgrenhada e sua retórica provocadora contra "a casta" do "establishment" político completam o personagem que abala o "status quo".

Ele promete proibir o aborto, permitir o porte de armas, reduzir drasticamente os impostos e também os gastos públicos. Fez campanha segurando uma motosserra para simbolizar os cortes orçamentários que planeja fazer.

Milei entrou para a política em 2021, quando foi eleito deputado por Buenos Aires pela primeira vez. No cargo, rifou seu salário, em um gesto de desprezo para com o que considera "regalias" dos políticos. Publicou vários livros, mas foi acusado de plagiar parágrafos inteiros.

Solteiro e sem filhos, seu amor pelos mastins ingleses é tema das conversas dos argentinos. Milei considerava seu falecido cachorro Conan como um filho, e a dor de sua perda levou-o a cloná-lo nos Estados Unidos, de onde enviaram-lhe cinco. Eles e sua irmã Karina são, como ele mesmo diz, seu círculo afetivo mais imediato.

O candidato faz aniversário no dia 22 de outubro. Neste domingo, completará 53 anos. Segundo as pesquisas, tem grandes chances de ser o candidato mais votado, mas provavelmente não em quantidade suficiente para vencer no primeiro turno. Para isso, ele precisa obter 45% dos votos, ou ao menos 40%, com distância de dez pontos percentuais para o segundo colocado. O segundo turno está marcado para 19 de novembro, e a posse, para 10 de dezembro.

Como representante da mudança, Milei tem como adversário justamente a tradição peronista, que defende a maior intervenção do Estado na economia, como subsídios para os mais pobres que, na Argentina, barateia em muito gastos do dia a dia como a conta de luz e as viagens de metrô. Retirar esses subsídios e privatizar estatais, como defende Milei, pode assustar parte do eleitorado. "O peronismo é um animal que existe na política argentina e rompe todos os esquemas", disse recentemente Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, ao comentar a eleição no país vizinho.

A Argentina se prepara para uma eleição disputada, com protagonismo da midiática figura de Milei. Mas como diz o ditado: velhos hábitos nunca morrem. E um dos hábitos mais arraigados na cultural argentina é o peronismo. A disputa está aberta.

Eleição na Argentina

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Como funciona a eleição argetina?

Com AFP. 

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