Um membro da Marinha aponta uma metralhadora enquanto escolta um caminhão que retorna ao Centro de Logística Eleitoral com cédulas a serem apuradas (Marvin Recinos/AFP)
Repórter
Publicado em 5 de dezembro de 2025 às 16h18.
Honduras, na América Central, está passando por um período eleitoral conturbado e histórico. As mais observadas eleições na história do país atraem atenção interna e externa, e novas mudanças prometem um processo mais transparente.
O país realizou eleições presidenciais no domingo, 5. Cinco dias depois, nesta sexta-feira, o resultado ainda não era conhecido, pois a apuração é marcada por uma série de recontagens, pois os números estão muito próximos.
O país também vê um aumento no interesse político – as últimas eleições, de 2021, tiveram a maior participação nos últimos 20 anos, com 69% do eleitorado votando.
Todavia, as eleições hondurenhas desse ano, contestadas e com empate técnico, têm sido palco de controvérsias: acusações mútuas de fraude, críticas da autoridade eleitoral do país e a pressão de Trump nas eleições permeiam o processo.
O eleitorado do país, onde votar é obrigatório, soma mais de 6.5 milhões de hondurenhos, sendo que 400.000 vivem nos Estados Unidos. Eleitores no exterior só podem votar para presidente.
Nas urnas dentro do país, hondurenhos poderão votar não só no próximo presidente, como em todos os 128 membros do Congresso, 298 prefeitos, e mais de 2.000 conselheiros municipais.
Dentro disso, as regras são simples: para as eleições presidenciais, uma simples maioria em um único turno traz a vitória. Já assentos para o Congresso e demais departamentos administrativos, como conselhos municipais, são decididos por um sistema de proporção representativa.
O novo presidente assumirá o cargo no dia 27 de janeiro de 2026, por um período de 4 anos, sem a possibilidade de reeleição.
As eleições no país são organizadas e certificadas pelo Conselho Eleitoral Nacional (CNE), um órgão administrativo independente composto por três membros que representam cada um dos partidos: Partido LIBRE, o Partido Liberal, e o Partido Nacional.
Além disso, o país dispõe de outro órgão independente: o Tribunal de Justiça Eleitoral (TJE), composto por apenas três membros, representativos de cada partido. O TJE tem como responsabilidade a resolução de quaisquer disputas que possam surgir durante o processo eleitoral.
Uma parcela significativa das incertezas e dos problemas relacionados à apuração de votos é atribuída a esse sistema.
Segundo relatório do Centro de Pesquisa Economia e Política (CEPR, na sigla em inglês), organização de pesquisa política internacional sediada em Londres, ambos os órgãos são criticados por não serem realmente independentes nem imparciais:
“Sua estrutura de três membros, com cada assento vinculado a um grande partido político, os torna suscetíveis à influência partidária e — como a maioria das decisões é tomada por voto majoritário em vez de consenso — permite que dois partidos consistentemente superem o terceiro em número de votos.” Diz uma análise de novembro desse ano.
Além disso, o Exército é constitucionalmente requisitado a participar do processo eleitoral. Por mais que suas tarefas designadas às Forças Armadas estejam relacionadas à logística e à segurança, certos observadores, incluindo o presidente do CNE, criticam a conduta do Exército nas eleições.
Especificamente, as Forças Armadas parecem se alinhar desproporcionalmente ao atual partido governante, Libre. Nessas eleições, o exército chegou a demandar que o CNE desse folhas de contagem no dia da eleição, para que eles conduzissem uma contagem própria independente.
Além disso, com o país em estado parcial de emergência, devido a uma operação de combate ao crime, grupos de direitos humanos internacionais demonstraram preocupações com a integridade das eleições, em luz do aumento das atividades militares.
As bandeiras dos Estados Unidos e de Honduras tremulam ao lado das bandeiras do Partido Nacional (C) — cujo candidato é Nasry Asfura — e do Partido Liberal (L) — cujo candidato é Salvador Nasralla — em um comício de rua em Tegucigalpa, em 2 de dezembro de 2025 (Orlando Sierra/AFP)
Os resultados das eleições no país frequentemente são alvo de contestações, acusações de fraude e de interferência estrangeira.
Primeiramente, a guerra de palavras e acusações é um tema recorrente.
Nessas eleições, o conselheiro representante do Partido Nacional no CNE foi acusado pela oposição de ter conspirado para fraudar as eleições.
Como prova, o partido Libre apresentou gravações de conversas. Os acusados da conspiração alegam que os áudios são falsos e foram gerados por IA. O caso segue sob investigação.
Uma outra controvérsia é a acusação de que dois representantes do TJE, afiliados à oposição do incumbente Libre, estariam abusando de sua autoridade para interferir nas eleições.
Essa acusação iniciou um processo de impeachment contra os dois conselheiros, que agora se apresentarão à Suprema Corte do país.
Esse tipo de acusação é tema recorrente nas eleições do país, e os processos jurídicos que se seguem podem fragmentar ainda mais o funcionamento das autoridades eleitorais.
Além disso, a própria infraestrutura do país também tem um papel na competitividade das eleições.
Até 2017, ano de uma eleição particularmente contestada, muitos sistemas de segurança e integridade, como biometria e melhorias no sistema de eleitoral, não existiam.
Como resultado, observadores independentes e autoridades internacionais interviram, dizendo que os números, que resultaram na primeira reeleição de um incumbente, não poderiam ser confiados. Reeleições são, em tese, inconstitucionais no país.
Um depoimento do mesmo ano pela Organização de Estados Americanos (OAS), organização internacional que promove cooperação entre os países americanos e que observou as eleições, diz:
“Interferências humanas deliberadas no sistema de informática, eliminação intencional de vestígios digitais, a impossibilidade de saber o número de vezes em que o sistema foi violado, urnas de votação abertas ou incompletas, a extrema improbabilidade estatística relativamente aos níveis de participação no mesmo departamento, boletins de voto recentemente impressos e outras irregularidades, somados à pequena diferença de votos entre os dois candidatos mais votados, tornam impossível determinar com a necessária certeza o vencedor.”
Em resposta, novos sistemas de segurança passaram a ser implementados, a fim de garantir eleições mais transparentes. Como resultado, as eleições seguintes, em 2021, atingiram a maior taxa de participação nos últimos 20 anos.
As subsequentes eleições desse ano, são as mais observadas na história do país: mais de 43 organizações nacionais e 25 internacionais observarão o processo, de acordo com o conselheiro do CNE Marlon Ochoa, representante do incumbente LIBRE.
Uma pessoa manuseia uma cédula em uma seção eleitoral durante as eleições gerais em Tegucigalpa, em 30 de novembro de 2025 (Marvin Recinos/AFP)
O presidente de Honduras exerce simultaneamente as funções de chefe de Estado, chefe de governo e comandante das Forças Armadas, segundo a Constituição hondurenha.
Entre suas outras funções estão a condução da política externa, a administração da segurança nacional e a direção do gabinete de ministros.
Embora tenha influência central na formulação de políticas públicas, o Poder Executivo do país precisa atuar em conjunto com o Congresso Nacional, responsável por aprovar leis, autorizar empréstimos externos e fiscalizar o governo. Analistas destacam que essa relação frequentemente define o ritmo das reformas e a estabilidade política do país.
O cargo também carrega um peso significativo diante dos problemas sociais que afligem o país. Entre os tópicos centrais nessas eleições estão preocupações com salário, emprego e segurança.
Por mais que a taxa de desemprego tenha caído de 8,6% em 2021 para 5,2% em 2024, quase 75% da força trabalhista trabalhava no setor informal ano passado, de acordo com dados do governo.
Com 63%, a porcentagem de hondurenhos vivendo abaixo da linha da pobreza (US$ 3.00 por dia) e é a mais alta da região, segundo dados do Banco Mundial.
Com isso, segurança econômica e falta de emprego estão entre as maiores preocupações dos hondurenhos nessas eleições, de acordo com dados da AS/COA, uma colaboração entre a instituição educacional Americas Society e o grupo Council of the Americas.
Além disso, por mais que melhorias no sistema de segurança tenham reduzido a taxa de extorsão e homicídios pela metade, o número de desaparecimentos forçados segue aumentando conforme o crime passa a atuar mais em regiões rurais, diz estudo da AS/COA.
Um homem segura uma faixa que diz "O indulto para Juan Orlando Hernández (JOH) não apaga a verdade, não apaga o narcoestado" (Orlando Sierra/AFP)
O mais notável caso da influência do narcotráfico na política hondurenha é o do ex-presidente Juan Orlando Hernández, condenado por tráfico de drogas e outras acusações.
Hernández foi alvo de uma profunda investigação e foi eventualmente extraditado aos EUA, onde foi condenado a um total de 45 anos de prisão por suas ofensas em 26 de junho de 2024.
As investigações revelaram um vasto esquema de narcotráfico na administração do país que durava mais de uma década, e foi responsável pelo transporte de toneladas de cocaína para os EUA.
Durante o julgamento do traficante hondurenho Geovanny Fuentes Ramírez, em 2022, o procurador declarou que Honduras havia se tornado um “narcoestado”, onde cartéis teriam se infiltrado no “poder policial, militar e político... prefeitos, congressistas, generais do exército e chefes de polícia, até mesmo o atual presidente [Juan Orlando Hernández]"
Na época, o procurador do estado hondurenho Edy Tabora chegou a dizer: “Nos 10 anos anteriores a 2010, os narcotraficantes tradicionais haviam adquirido tanto poder político em Honduras que começaram a cooptar o próprio Estado para garantir sua segurança.”
Mesmo assim, Hernández foi recentemente perdoado pelo presidente americano Donald Trump. Ele indultou o político como parte da sua intervenção nas eleições presidenciais hondurenhas do último domingo, em que apoia o direitista Nasry Asfura, do Partido Nacional, a mesma sigla com a qual Hernández governou entre 2014 e 2022.
"O senhor analisou os fatos, reconheceu a injustiça e agiu com convicção. Mudou a minha vida, e nunca me esquecerei disso", publicou Hernández nos Estados Unidos, ao ressurgir nas redes sociais após sair de uma prisão americana na segunda-feira.
O ex-presidente, que havia solicitado o indulto a Trump em outubro, não planeja retornar a Honduras ou à política no momento, por temer por sua vida, disse à AFP sua esposa, Ana García.
Hernández, 57, reiterou no X que foi vítima de uma "armadilha" do ex-presidente democrata Joe Biden e de sua vice-presidente. Ele foi acusado de ajudar a introduzir centenas de toneladas de drogas nos Estados Unidos.
"Não havia provas reais, apenas acusações de criminosos que buscavam vingança. Mas a verdade da minha inocência prevaleceu", afirmou.
O indulto concedido a Hernández abalou as eleições gerais em Honduras, nas quais o candidato apoiado por Trump se encontra tecnicamente empatado com o apresentador de TV de direita Salvador Nasralla, após a apuração de 80% das atas de votação.
Uma mulher vota durante as eleições gerais de Honduras em uma seção eleitoral em Tegucigalpa, em 30 de novembro de 2025 (Marvin Recinos/AFP)
O processo eleitoral hondurenho historicamente tem sido marcado por alta polarização e denúncias recorrentes de irregularidades.
Eleições contestadas, contagens demoradas e alegações de fraude fazem parte da memória recente do país, especialmente após a polêmica reeleição presidencial de Hernández, permitida pela Suprema Corte, em 2017.
Outros países da América Central, como o Guatemala, Nicarágua e El Salvador também enfrentam problemas semelhantes.
A política da região também é a mais afetada por intervenção direta e indireta dos Estados Unidos, que frequentemente apoiam candidatos e buscam interferir nas eleições.
Recentemente, o indulto de Trump para Hernández e seu apoio a Asfura impactaram drasticamente o processo em Honduras.
Apesar de apresentarem diferenças internas, os países da América Central dividem desafios semelhantes, como pobreza, corrupção, falta de oportunidades e pressões migratórias, que se tornam pautas centrais em pesquisas e campanhas.