Manifestações pró-Brexit, em 2016: há cinco anos, 51,9% dos eleitores britânicos votaram para sair da União Europeia (Jack Taylor/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 23 de junho de 2021 às 06h00.
Última atualização em 23 de junho de 2021 às 11h04.
Em 23 de junho de 2016, milhões de britânicos iam às urnas decidir se permaneceriam na União Europeia. Por 51,9% dos votos a favor e 48,1% contra, o Reino Unido decidiu deixar o bloco europeu no qual estava, em maior ou menor grau, desde 1973.
O referendo daquele 23 de junho completa metade de uma década nesta quarta-feira. Na virada deste ano, a União composta por Inglaterra, Irlanda do Norte, País de Gales e Escócia, com 67 milhões de pessoas, finalmente deixou o bloco europeu, dois anos depois do previsto e após sucessivos adiamentos.
Em 30 de junho, termina também um período de transição depois do qual cidadãos britânicos e europeus terão de regularizar novos documentos para continuar morando em seus atuais países, agora sem os direitos de livre circulação. A partir daí, o chamado Brexit estará de fato concluído.
Não foi um caminho fácil. A revista britânica The Economist escreveu em sua edição desta semana que até mesmo o mais fervoroso brexiter concordaria que o processo "foi tortuosamente longo".
Na política, a saída só aconteceu depois de três primeiros-ministros: primeiro, David Cameron, defensor da permanência e que convocou o referendo sem acreditar que de fato o Brexit passaria, teve de renunciar logo após o resultado; veio então Theresa May, eleita para levar a saída adiante mas que saiu sem conseguir um acordo. Por fim, o atual premiê Boris Johnson, linha-dura que prometia sair da UE com ou seu acordo, mas que acabou abrindo mão de parte de suas exigências uma vez no cargo.
Em meio à pandemia da covid-19, o Brexit mostrou como nunca suas duas faces: o Reino Unido conseguiu comprar vacinas sozinho, graças à parceria com a anglo-sueca AstraZeneca e a local Universidade de Oxford, e imunizou sua população mais rapidamente do que os europeus.
Enquanto isso, o atraso nas entregas da AstraZeneca para os países europeus teve no Brexit um dos principais pontos de tensão, com os governos da UE argumentando que o Reino Unido recebeu vacinas primeiro.
Outro dos principais argumentos econômicos para deixar a UE, os acordos bilaterais, começam a ser encaminhados. O primeiro foi com o Japão, em outubro passado. O mais notório recentemente veio da Austrália, antiga colônia britânica e até hoje um dos principais parceiros. As conversas com os EUA também andaram durante a reunião do G7 neste mês.
No entanto, enquanto o governo comemora os acordos, críticos argumentam que os tratados são muito parecidos com os que esses países já tinham com a União Europeia. No caso do Japão, por exemplo, os 15 bilhões de dólares em impulsionamento do comércio gerados pelo acordo farão o PIB britânico crescer só 0,07% -- uma fração do que deve ser perdido com a saída da UE.
Desde a saída oficial em 31 de dezembro de 2020, entrou em vigor um novo acordo comercial firmado para o pós-separação, em que UE e Reino Unido negociam sob condições muito menos favoráveis. A cisão de um membro do bloco gerou um custo econômico para britânicos e europeus, cujo vencedor ainda é difícil de mensurar.
Nos primeiros meses com o Reino Unido oficialmente fora, as exportações britânicas para a UE caíram 15%, enquanto as europeias para os britânicos caíram 32%, segundo o Trade Policy Observatory da Universidade de Sussex.
Outro estudo, de pesquisadores da Universidade Aston, concluiu que em quatro anos desde o referendo, as exportações de serviços britânicas caíram 110 bilhões de libras -- com setores como a conhecida música britânica e o turismo sendo amplamente afetados.
Para as empresas, os problemas se acumulam com o mercado europeu agora fechado. Além das filas de caminhões na fronteira com a França que fizeram manchetes no Reino Unido no fim do ano, outras empresas enfrentam problemas mais estruturais.
É o caso do setor financeiro europeu, majoritariamente baseado em Londres e que começou a precisar pagar tarifas nas transações para a Europa. Mais de 400 instituições tiraram sua sede de Londres, segundo a Bloomberg, e esse movimento, ao lado da pandemia, contribui para uma queda nos salários londrinos.
Pesquisa da consultora EY afirma que 75% das empresas enfrentou disrupção nos negócios devido ao Brexit.
Os desafios separatistas que pareciam ter ficado no passado também voltaram à tona. A tensão na fronteira das Irlandas é o caso mais latente. A Irlanda do Norte é parte do Reino Unido, enquanto a Irlanda, ao sul, independente desde os anos 70, segue parte da União Europeia.
Como parte do acordo para o Brexit, a Irlanda pode seguir escoando seus produtos para a Europa via Irlanda do Norte, e ambas as partes evitam uma "fronteira dura" entre os dois países diante das memórias ainda presentes de conflitos violentos na região no passado.
Há ainda a Escócia, o país da União que proporcionalmente mais votou para ficar na UE (só 38% dos escoceses votaram para sair), mas acabou arrastado para fora mesmo assim. A premiê escocesa Nicola Sturgeon voltou a defender um novo referendo para que os escoceses decidam se querem continuar no Reino Unido.
Dentro da Inglaterra, país que mais votou para sair (53,4%), jovens e moradores de grandes cidades, como a capital Londres, onde a saída perdeu no referendo, até hoje se ressentem do Brexit, segundo as pesquisas.
O acordo de saída entre britânicos e europeus incluiu, por exemplo, a possibilidade de intercâmbio de estudantes entre os dois blocos. Mas a mudança de país dos trabalhadores qualificados das duas partes, muito comum antes do Brexit, ganhou alguns passos a mais de burocracia.
A decisão britânica de sair da União Europeia em 2016 ocorreu em meio ao que para muitos é o auge de movimentos ultranacionalistas na última década. Em plena crise da democracia moderna, e meses antes da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Na Europa, a crise de imigração -- e a disputa sobre quem deveria receber os imigrantes africanos -- foi determinante para as gerações mais velhas britânicas decidirem sair do bloco europeu.
Desde então, o mundo mudou, mas a questão crucial ainda paira como um fantasma: vale mais a autonomia completa sobre o país ou o acesso trilionário a um mercado que pode gerar mais riqueza e empregos?
A resposta está longe de um consenso, mas a decisão já foi tomada e não há volta. Britânicos e europeus terão de contornar os inúmeros desafios para lidar com seus destinos separados. Em cinco anos, talvez seja possível medir melhor o sucesso da empreitada.