Agenda ambiental com a China pode ser 'mina de ouro' do Brasil
Até hoje, a China não tem pressionado o Brasil sobre sua política climática. Mas uma agenda sustentável entre os dois países poderia gerar bilhões de dólares — e ajudar na retomada econômica
Carolina Riveira
Publicado em 22 de abril de 2021 às 06h00.
Última atualização em 6 de maio de 2021 às 11h21.
Na cúpula do clima convocada pelo presidente americano, Joe Biden , para esta quinta-feira, 22, a China será uma das personagens observadas com atenção. O governo chinês -- que por volta de 2006 ultrapassou os EUA como maior poluente do mundo -- tem sido pressionado por americanos e europeus para que reduza suas emissões. Do outro lado, a China diz que as potências ocidentais precisam fazer mais, e não os países em desenvolvimento.
Ainda assim, em histórica reunião na semana passada em Xangai, representantes de China e EUA se comprometeram a trabalhar juntos na questão ambiental. A China, altamente dependente de combustíveis fósseis, tem ampliado as metas internas: passou de 25% da energia vinda de fontes renováveis e planeja alcançar 40% até 2030. Para o Brasil, hoje pressionado de todos os lados para que reduza seus índices de desmatamento, a postura de seu maior parceiro comercial é de vital importância.
Historicamente, a China não tem cobrado o Brasil acerca de suas posições ambientais. E isso não deve mudar na cúpula desta semana, diz à EXAME Margaret Myers, diretora do programa Ásia-América Latina no centro de estudos Inter-American Dialogue e ex-colaboradora do Departamento de Defesa dos EUA. Mas a pesquisadora defende que, se levada adiante com uma visão de futuro, a relação China-Brasil pode se tornar uma mina de ouro para a economia brasileira.
Especialista nas relações entre chineses e latino-americanos, Myers aponta em artigo recente (ao lado do economista brasileiro Rogério Studart, ex-diretor do Banco Mundial) que uma parceria com a China na agenda de desenvolvimento sustentável seria uma via para a recuperação econômica do Brasil -- uma vez que os autores defendem ser "improvável" que o comércio, sozinho, faça a economia brasileira sair do buraco.
A estimativa de pesquisadores da organização World Resources Institute é que desenvolver uma economia sustentável e atrair investimentos nessa frente, com a China e outros parceiros, poderia adicionar ao PIB do Brasil mais de meio trilhão de dólares até 2030.
De quebra, o Brasil pode usar a "diplomacia verde" para solucionar gargalos estruturais, como produtividade e logística. Pelo lado chinês, participar de investimentos nessa frente ajudaria o país de Xi Jinping a passar a mensagem de que está comprometido com a pauta ambiental. No evento Super Agro, da EXAME, o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, também afirmou que é de interesse da China ampliar sobremaneira os investimentos no Brasil, citando áreas como infraestrutura e logística, de modo a "sofisticar o nível de nossa parceria".
"Brasil e China teriam muito a ganhar com a adoção de um compromisso compartilhado de sustentabilidade social e ambiental", diz Myers. E o Brasil tem todo o potencial de atrair esses investimentos "estabelecendo suas próprias condições", defende a pesquisadora. Para isso, basta traçar um caminho claro e sério sobre a agenda ambiental. Veja abaixo os principais trechos da entrevista, concedida por e-mail.
1) Neste momento, a maior parte da pressão sobre o Brasil em relação ao meio ambiente vem da União Europeia e dos EUA, mas não da China. É provável que a questão ambiental tenha mais relevância na relação Brasil-China em um futuro próximo?
Muito dependerá da política amazônica do Brasil no futuro, mas o compromisso declarado da China de não interferir nos assuntos internos de nações soberanas impediria que houvesse uma grande pressão por parte da China. Dito isso, a China certamente buscou fornecer incentivos (por exemplo, vacinas ou investimentos direcionados) para garantir a participação da Huawei no próximo leilão 5G do Brasil, de modo que o envolvimento chinês em questões de interesse político não pode ser inteiramente descartado.
2) Neste momento, para além do Brasil, vemos os Estados Unidos e a UE também pressionando a China sobre pautas ambientais. Que tipo de papel devemos esperar que a China desempenhe no cenário internacional nesta cúpula e com relação ao Brasil?
Não espero que a China coloque muita pressão sobre o Brasil no que diz respeito à Amazônia ou à política de mudança climática em geral. A China está fazendo alguns ajustes importantes em casa para limitar as emissões e se comprometeu com algum grau de cooperação com os EUA e outras nações nesse desafio. Mas o papel da China nas discussões sobre o clima no "sul global" [ países do Hemisfério Sul, no geral nações emergentes ] está sobretudo confinado à cooperação técnica, alguns investimentos direcionados em infraestrutura e investimentos em energia renovável.
3) Uma questão pontuada por pesquisadores brasileirosouvidos pela EXAMEfoi a possibilidade de que o governo Biden não pressione muito o Brasil porque isso pode aproximar ainda mais o país da China. A senhora avalia que este é um cenário possível?
Há uma possibilidade clara de que uma postura mais dura dos EUA em relação ao Brasil promova laços mais fortes entre o Brasil e a China. Não é algo que os EUA gostariam de fazer. Mas se e como Biden irá pressionar o Brasil vai depender de como sua gestão classifica as prioridades da política externa dos EUA. O papel da pauta climática substitui a competição com a China por influência em outros países na política externa dos EUA? Acredito que sim neste caso particular.
E muito também depende de se os EUA vão considerar que os avanços nas relações Brasil-China são motivo de preocupação. O Brasil e a China já têm um relacionamento muito forte, apesar da mensagem negativa de Bolsonaro sobre a China. Ao mesmo tempo, uma relação mais forte entre os EUA e o Brasil também não impede necessariamente os avanços chineses. Apesar dos extensos esforços do governo Trump para limitar as perspectivas da Huawei no Brasil, por exemplo, o que parece é que a participação da Huawei sempre foi bastante provável.
4) A senhora ressalta emum de seus artigosque a relação Brasil-China tem uma oportunidade de evoluir para investimentos verdes daqui para frente. Quais são os desafios?
Do ponto de vista político, não será algo fácil. Mas há perspectivas consideráveis de uma agenda Brasil-China voltada para a sustentabilidade, que melhoraria as metas de desenvolvimento econômico de ambos os países, ao mesmo tempo em que preservaria os compromissos da China em relação ao clima e esforços para tornar o Belt and Road "verde". [A Belt and Road Initiative - BRI, ou Nova Rota da Seda, é uma estratégia do governo chinês de investimentos em países sob sua influência, sobretudo em África e Ásia ]
Considerando que as mudanças climáticas são uma ameaça existencial para os dois países (e para o mundo todo, aliás), Brasil e China teriam muito a ganhar com a adoção de um compromisso compartilhado de sustentabilidade social e ambiental. Fazer isso também pode ser economicamente vantajoso. É do interesse do Brasil apresentar uma estratégia clara e eficaz, priorizando e incentivando o investimento e os financiamentos verdes, estabelecendo suas próprias condições.