Homenagem a vítimas de Chernobyl em Kiev, em 2021 (foto de arquivo): risco nuclear ainda existe em meio à guerra (Celestino Arce/NurPhoto/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 26 de abril de 2022 às 06h00.
Dos confrontos em Mariupol aos encontros diplomáticos, a guerra na Ucrânia supera dois meses sem uma saída no horizonte. Mas, nos bastidores, um assunto igualmente urgente estará no radar nesta semana: a segurança nuclear em meio ao conflito. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) começou nesta terça-feira, 26, uma aguardada visita às plantas nucleares na Ucrânia, incluindo a usina abandonada de Chernobyl. Também hoje, o desastre em 1986 completa 36 anos.
A inspeção ocorre após semanas de negociação entre a agência internacional, ucranianos e russos, que estão no controle de locais cruciais na geração de energia ucraniana.
A AIEA vinha pedindo uma visita desde o início da guerra, no fim de fevereiro, e demonstrou preocupação de que os bombardeios perto de locais onde estão usinas nucleares pudessem gerar danos aos reatores.
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A visita será liderada pelo diretor geral da AIEA, Rafael Mariano Grossi.
A agência disse em nota antes da viagem que a delegação entregaria equipamento, faria testes para identificar o nível de radiação e iria, sobretudo, "restaurar os sistemas de segurança e monitoramento".
Os sistemas de segurança são especialmente importantes porque os órgãos internacionais perderam contato com Chernobyl desde o começo de março, semanas após a invasão russa.
Director General @RafaelMGrossi leads 1st full-fledged assistance mission of safety, security & safeguards experts to #Ukraine. Leaving Vienna, they will arrive at Chornobyl NPP on Tue to deliver equipment, conduct radiological assessments & restore safeguards monitoring systems. pic.twitter.com/8nGbFKZ3dZ
— IAEA - International Atomic Energy Agency ⚛️ (@iaeaorg) April 25, 2022
Antes disso, havia ainda preocupação sobre o rodízio de funcionários no local, que trabalharam por semanas seguidas, sem descanso, aumentando o potencial de acidentes - situação que hoje já foi equacionada.
Chernobyl, no norte da Ucrânia (a cerca de 100 quilômetros da capital Kiev), foi conquistada ainda no primeiro dia de guerra, em 24 de fevereiro.
Os russos terminaram abandonando Chernobyl e as cidades nos arredores no fim de março, informação confirmada pela estatal de energia da Ucrânia. O movimento ocorreu em meio ao recuo das tropas russas no norte da Ucrânia e foco no leste do país e em regiões do sul.
Apesar da saída dos russos do local, ainda restam questionamentos sobre soldados terem eventualmente se contaminado ao interagir com solo perigoso sem proteção adequada.
Além de Chernobyl, os russos também conquistaram a região da usina nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa. O local chegou a ter um incêndio registrado em março diante dos embates pelo controle da região.
Na ocasião, não foram identificados pela AIEA estragos diretamente nos reatores em decorrência do incêndio. A planta está agora sob controle da Rússia, e a imprensa russa afirmou que a instalação passou a pertencer à estatal Rosatom.
O maior desafio em meio a potenciais novos confrontos é evitar estragos nos reatores. É o que gerou desastres nucleares como os de Chernobyl, onde houve uma explosão no conhecido "reator 4", e de Fukushima, no Japão, que registrou dano em quatro dos seis reatores após um tsunami em 2011.
Durante o ataque a Zaporizhzhia, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acusou o presidente russo, Vladimir Putin, de estar ameaçando uma guerra nuclear e atacando deliberadamente alvos sensíveis.
O ministro das Relações Exteriores, Dmytro Kuleba, disse sobre Zaporizhzhia que, "se explodir, será dez vezes maior que Chernobyl". A Rússia nega que tenha bombardeado a usina e diz que o fogo foi causado por ucranianos.
A região onde está a usina fica no sudeste da Ucrânia, perto de grandes cidades como Kharkiv (a segunda maior do país) e perto de outros territórios controlados pela Rússia ao leste.
Líderes do Ocidente também têm reiterado a preocupação com a temática nuclear. Rebecca Harms, ex-presidente do grupo dos Verdes no Parlamento Europeu e que visitou Chernobyl repetidas vezes no passado, diz que o cenário faz com que "toda planta nuclear possa ser usada como uma bomba nuclear pré-instalada", segundo reportou a agência Associated Press.
Na visita de Grossi, que durará dois dias, um dos principais objetivos será, além de verificar a situação das usinas na Ucrânia, tentar costurar um acordo para garantir que áreas sensíveis não sejam palco de conflito, um pedido antigo da AIEA.
Mas as centrais nucleares seguirão sendo invariavelmente fonte de risco enquanto a guerra se desenrolar. A Ucrânia tem ao todo quatro plantas nucleares em operação e metade de sua energia vinda dessa fonte, uma das maiores fatias do mundo.
Há 36 anos, o acidente inicial com o reator 4 em Chernobyl ocorria na madrugada de 26 de abril de 1986, durante testes de segurança.
Chernobyl foi o maior acidente nuclear da história, uma vez que as bombas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki não foram consideradas acidentais, mas deliberadamente lançadas pelos Estados Unidos no fim da Segunda Guerra Mundial. (O único outro acidente classificado em nível 7 pela AIEA foi Fukushima.)
Uma das grandes críticas foi a demora das autoridades para reportar o acidente, na tentativa de escondê-lo.
Após os primeiros indícios do vazamento em Chernobyl, o então líder soviético Mikhail Gorbachev só se pronunciou oficialmente em 14 de maio.
Até hoje, historiadores apontam o acidente de Chernobyl como um dos fatores que acentuaram o descontentamento de parte da população das repúblicas soviéticas com o poder central em Moscou.
No caso de Chernobyl, a principal área de evacuação foi a chamada zona de 30 quilômetros ao redor da planta. A evacuação transformaria regiões inteiras em cidades fantasma, com milhares de pessoas sendo retiradas às pressas.
Os números oficiais dão conta de pouco mais de 30 pessoas mortas diretamente pelos impactos do acidente em Chernobyl, enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) estima ao menos 50 mortes. Se incluídas pessoas que podem ter morrido precocemente como resultado da exposição à radiação, estimativas apontam que o número pode passar de 4 mil vítimas.
A historiadora Kate Brown, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), rastreou registros e documentos da época que indicam ainda que mais de 40 mil pessoas podem ter sido hospitalizadas nos arredores da região de Chernobyl como decorrência do acidente, segundo reportado pela BBC.
Os governos dos então territórios da União Soviética (como Ucrânia, Rússia e Belarus) registraram cerca de 600 mil pessoas como as chamadas "liquidantes", profissionais como bombeiros, médicos e faxineiros que foram enviados à região logo após o acidente para limpar os resíduos e conter o fogo. Esse grupo passou a receber auxílios e benefícios diante do dano potencial. A taxa de mortalidade entre os liquidantes, e a presença de doenças como câncer, foi maior do que no restante da população.