Afinal, quem vota em Trump?
Desemprego de 4,9%, inflação de 1% e crescimento econômico de 2,4%. Nada mau, em um ano eleitoral. No país da frase “A economia, estúpido”, cunhada pelo estrategista da campanha de Bill Clinton em 1992, a sua mulher, candidata do presidente Barack Obama, deveria estar surfando numa onda melhor. No entanto, o exótico bilionário Donald Trump, […]
Da Redação
Publicado em 16 de junho de 2016 às 16h53.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h28.
Desemprego de 4,9%, inflação de 1% e crescimento econômico de 2,4%. Nada mau, em um ano eleitoral. No país da frase “A economia, estúpido”, cunhada pelo estrategista da campanha de Bill Clinton em 1992, a sua mulher, candidata do presidente Barack Obama, deveria estar surfando numa onda melhor. No entanto, o exótico bilionário Donald Trump, que nunca teve um cargo eletivo, tem dado certo calor em Hillary Clinton. Exótico? Para uma parte da elite e da classe média, sim.
Mas Trump está para a classe média baixa americana assim como Lula esteve para a classe pobre brasileira: ele fala a sua língua, como talvez ninguém jamais ousou.
Sim, o caso é de ousadia, porque o bilionário americano fala ao microfone, para todos ouvirem, aquilo que a maioria dos políticos não tem coragem de dizer nem para si mesmos, ou, na melhor das hipóteses, sussurram apenas na cozinha de sua casa. Trump está numa cruzada contra o politicamente correto. E milhões de americanos, aqueles que nunca se identificaram com o blá-blá-blá de Washington, do qual Hillary é uma autêntica representante, estão amando.
Na semana passada, a média das pesquisas, calculada pelo site Real Clear Politics, colocava Trump e Hillary em empate técnico: 44% para ela e 42% para ele. Nesta semana, Hillary aumentou sua vantagem: 44% a 38%. A pesquisa da Bloomberg pegou apenas em parte o impacto do massacre na boate gay de Orlando na madrugada de domingo, dia 12: ela foi realizada entre sexta-feira, 10, e segunda-feira, 13.
De um lado, o episódio favorece Trump, que fala em impedir a entrada no país de muçulmanos — a religião do atirador Omar Mateen. Na pesquisa, 45% dos entrevistados consideram Trump melhor para enfrentar o terrorismo, e 41% acham isso de Hillary. Por outro lado, o massacre coloca em evidência a necessidade de controlar a venda de armas, defendida por Hillary e rejeitada por Trump, que se orgulha de ter o apoio da Associação Nacional do Rifle.
O mercado teme a instabilidade que as propostas de Trump podem gerar, por exemplo no que se refere ao comércio exterior e à imigração. Mas as diferenças clássicas entre republicanos e democratas sobre o tamanho do Estado acabam fazendo a balança pender para o lado de Trump no mercado financeiro. “Temos de fazer algo diferente de aumentar os impostos, precisamos tornar a estrutura tributária mais eficiente e as empresas americanas mais competitivas”, resume o investidor Mario Gabelli. “As regulações americanas estão sufocando as empresas. Acho que um cara do mundo dos negócios vê isso melhor.”
Mais agricultura, menos meio-ambiente
Na chamada economia real, apesar do sentimento predominantemente positivo, problemas concretos dos trabalhadores de nível de instrução mais baixo, assim como dos produtores rurais, misturam-se com identificações inteiramente subjetivas com esse homem sem papas na língua, que parece entendê-los tão bem. Isso fica bastante evidente, por exemplo, no setor agrícola, o mais sofrido de todos, que fechou 1,3% de suas vagas no ano passado, por causa da desaceleração da demanda mundial, enquanto a manufatura gerou 0,9% de empregos novos e os serviços, 2,1%.
Trump tem dito aos fazendeiros o que eles querem ouvir — para horror de ambientalistas e intelectuais em geral. No dia 27 de maio em Fresno, no coração do agronegócio californiano, Trump entrou na questão da água, assunto explosivo na Califórnia. “Se eu vencer, acreditem em mim, vamos começar a abrir a água, para que os seus fazendeiros sobrevivam e seu mercado de trabalho melhore”, disse ele a milhares de eleitores, enquanto cerca de 200 manifestantes protestavam, sob o olhar tenso de um batalhão de choque da polícia.
Trump tirou sarro dos ambientalistas dizendo que “estão tentando proteger um certo tipo de peixe de 3 polegadas”, chamou as restrições do acesso dos produtores à água de “insanas” e de “rídícula” a operação que lança água doce no mar. Lester Snow, diretor da Fundação Água da Califórnia, explica que essa medida “não é um desperdício”, mas serve para conter a invasão de água salgada do Pacífico e a contaminação dos lençóis freáticos. Além disso, um presidente não tem o poder de derrubar proteções ambientais nos Estados Unidos, o que requereria mudanças nas leis estaduais e federais. Trump não gosta de detalhes técnicos.
O candidato ganhou muitos adeptos também prometendo deportar os imigrantes ilegais, construir um muro para barrar a sua entrada na fronteira com o México e mandar a conta para o país vizinho. Diferentemente das questões ambientais, no entanto, essa proposta é mais visivelmente funesta para uma parcela dos produtores rurais — aqueles cujas atividades são mais intensivas em mão-de-obra, como horti-fruti-granjeiros e laticínios. Mais de 300.000 empregados no setor rural — em torno de um quarto da mão-de-obra no campo — são imigrantes ilegais, segundo pesquisa de 2009 do Pew Hispanic Center. Outros estudos, de acordo com o jornal Los Angeles Times, afirmam que eles são mais de 1 milhão.
A expulsão dos imigrantes ilegais e o fechamento da fronteira causaria a perda de até 61% da produção de frutas dos Estados Unidos, por causa da falta de mão-de-obra, afirma levantamento da American Farm Bureau Federation, a maior associação de classe do setor agropecuário do país. Ou seja, exportaria mais empregos, em vez de repatriá-los, como pretende Trump em sua campanha contra a liberalização comercial.
A expulsão da mão-de-obra imigrante levaria ao fechamento de mais de 7.000 fazendas leiteiras, eliminaria 208.000 empregos, arrasaria a produção de leite, dobraria os preços dos laticínios e causaria um prejuízo de 32 bilhões de dólares, de acordo com pesquisa da Universidade Texas A&M patrocinada pela Federação Nacional dos Produtores de Leite.
O setor agropecuário é o décimo maior doador nas campanhas eleitorais, à frente dos transportes e da defesa, e logo atrás dos sindicatos, segundo o Centro de Política Responsiva de Washington. E três quartos de suas doações vão para os republicanos. Entretanto, a razão não é o único fator em uma eleição, em que o emocionalismo tem muitas vezes um papel mais preponderante.
O grupo Fazendeiros por Trump tem difundido nas redes sociais um vídeo que conta uma história destinada a reforçar a simpatia pelo candidato republicano no meio rural. Durante a crise no setor em 1986, o fazendeiro Lenard Hill se suicidou para que sua família pudesse resgatar o prêmio de seu seguro de vida, pagar uma hipoteca e assim evitar a perda da fazenda. A seguradora não pagou o prêmio. Ao saber da tragédia, Trump doou 20.000 dólares para a viúva de Hill, Annabel, e ajudou-a a arrecadar mais donativos para pagar a dívida, mantendo a fazenda para a próxima geração. Com tantas Annabels por aí, quem vai se preocupar com um peixinho de 3 polegadas?
(Lourival Sant’Anna)