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Um olho no cliente, outro nos resultados

O crescimento exponencial da tecnologia aplicada ao marketing tem revolucionado a experiência do cliente, com resultados cada vez mais personalizados e ganhos em escala

Carlos Ricardo, do HP Studio: criação de conteúdo em escala industrial utiliza inteligência artificial (HP Studio/Divulgação)
FS
Flavio Sampaio

Jornalista colaborador

Publicado em 29 de outubro de 2024 às 06h00.

Última atualização em 9 de dezembro de 2024 às 07h33.

O uso da tecnologia no marketing, conhecido como martech (“tecnologia de marketing”), tem revolucionado o setor nos últimos anos, crescendo de forma exponencial. A adoção de ferramentas de IA, como chat­bots e automação de marketing, tem permitido a empresas que aprimorem a experiência do cliente e melhorem os resultados das campanhas.

Somente em 2024, os investimentos globais em martech devem alcançar 148 bilhões de dólares, de acordo com a Forrester. Levantamento feito pela Grand View Research estima que até 2030 esse mercado baterá impressionante 1,3 trilhão de dólares, com uma taxa de crescimento anual de 19,8%.

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Empresas globais enfrentam desafios crescentes ao expandir serviços e produtos em diversos mercados. A multiplicidade de culturas, idiomas, legislações e normas exige que as estratégias de marketing sejam ágeis, precisas e adaptáveis, para que a mensagem chegue de forma eficaz ao consumidor final. Para os CMOs dessas multinacionais, a equação tempo-custo-qualidade é determinante para a execução em escala de material como fotos, vídeos e postagens nas redes sociais.

F ábricas de conteúdos

Com mais de 30 anos de carreira em empresas como PepsiCo, Mondelēz e BBVA, Carlos Ricardo logo sacou que a IA traria essa tão sonhada escala com qualidade, no menor tempo. Criou o HP Studio, uma das primeiras iniciativas globais de criação de conteúdo em escala industrial para o gigante americano. “A HP está presente em 120 países, com mais de 60 idiomas. Lançar um produto é sempre muito complexo e caro”, afirma. Sua antiga “fábrica de conteúdo” prevê, por exemplo, redução de custo de 50% para fotos, 60% para vídeos e 100% para tradução. “Um catálogo chegava a demorar seis semanas para ficar pronto. Hoje fazemos em três dias”, comemora.

Essa visão de Henry Ford dos tempos modernos chamou a atenção de Alexandre Peralta, premiado publicitário, que em setembro deste ano convidou Ricardo para capitanear a disseminação de squads criativos em solo brasileiro, pela Peralta Creatives. Qual empresa se negaria a implementar uma ideia dessas? “Olha, até agora a aceitação tem sido muito boa”, diz Peralta. Como a operação é muito nova, ainda não há um projeto local para ser compartilhado. Ainda.

No entanto, como toda revolução tecnológica, a transição pode trazer desafios. Milhares de profissionais, como fotógrafos, cinegrafistas, maquiadores, planners, redatores e tradutores, terão de se adaptar ou serão substituídos. “Algumas profissões vão realmente desaparecer, mas muitas outras surgirão”, prevê Ricardo. E, como salienta Peralta, “nada substitui a criatividade, o conceito e o relacionamento”.

Alexandre Peralta, fundador da Peralta Creatives: implementação de squads criativos e adaptação das empresas às novas demandas do marketing digital (Peralta Creatives/Divulgação)

Transformação no negócio

Gabriela Onofre, CEO do Publicis Groupe no Brasil, concorda com Peralta. À frente de um dos maiores grupos de propaganda do país e do mundo, Onofre também tem uma fábrica de conteúdo para chamar de sua. A Publicis Experience Production (PXP) é um serviço que otimiza a produção em série nos mesmos moldes do que foi feito para a HP por Carlos Ricardo. A diferença é que, em vez de o cliente final ter a solução, quem oferece isso é a agência. Mais do que um novo serviço, é uma nova célula de negócios.

Por muitas décadas, o mercado de publicidade surfou um modelo de remuneração por investimentos em mídia. Quando os clientes começaram a colocar isso em xeque, o pânico se instalou. Mais que isso: criativos e ­planners não eram capazes de gerir ou processar milhões de dados, numa comunicação cada vez mais digital e personalizada. Essa evolução vai além da criação de conteúdo em série, exigindo mudanças estruturais dentro das empresas para lidar com a crescente complexi­dade de dados e automação.

Não à toa, em 2015, o Publicis Groupe comprou, por 3,7 bilhões de dólares, a Sapient — consultoria estratégica de transformação tecnológica. Em 2019 foi a vez de adquirir a Epsilon, maior empresa de dados e tecnologia para personalização de marketing dos Estados Unidos, por 4,4 bilhões de dólares. “O cliente passou a nos enxergar como um parceiro de transformação de negócio”, afirma Onofre.

A aposta do grupo francês tem dado resultados no Brasil e no mundo. Em 2021, registrou 10% de crescimento. Em 2022, a empresa reportou 20% de aumento na receita líquida. Já em 2023, a Publicis manteve um crescimento de 6,3% em receita orgânica, superando a média do setor.

Gabriela Onofre, CEO do Grupo Publicis no Brasil: iniciativas inovadoras otimizam a produção de conteúdo e redefine a relação com os clientes (Grupo Publicis/Divulgação)

A conversão nossa de cada dia

A match.mt também aposta em relacionamentos — ainda que muitos desses “encontros” aconteçam apenas entre bytes e bits. Nascida em 2011 como um departamento de mar­tech dentro da agência de publicidade ­Fbiz, a empresa começou sua trajetória fazendo automação, e-mail marketing e analytics. “Eram as demandas da época”, lembra Leandro Ribeiro, CEO da empresa. Quatro anos depois, vieram a onda mobile e as redes sociais. Em 2019, a match.mt se emancipou da Fbiz com a explosão desse mercado.

Hoje os clientes querem soluções para os milhões de dados disponíveis com aquela ajudinha da IA mas, principalmente, uma visão única para cada cliente. “A tecnologia nos permite cada vez mais essa personalização. Novas ferramentas foram criadas, o custo caiu. O cliente não quer mais uma empresa que execute. Precisa de parceiros que transformem dados em estratégias, personalizando toda a experiência do cliente para melhorar a fluidez. Fazemos uma análise comparativa entre nichos de mercado para obter informações ­valiosas sobre comunicação, frequência de compra e muito mais”, explica o executivo, que atende grandes empresas como Natura, Visa, Casas Bahia, Kenvue e Netshoes.

Em setembro, a match.mt concluiu um projeto para a Dotz que aumentou em 125% as conversões de vendas, substituindo chatbots genéricos por agentes autônomos inteligentes, capazes de oferecer um atendimento altamente personalizado, com base no histórico de compras e dados de empresas parceiras. A tecnologia permitiu reduzir mais de dez processos em diferentes interfaces para a obtenção de informações. Houve redução de 30% nos custos de atendimento e resolução de 90% das demandas logo na primeira interação. Com a integração inédita de dados entre marketing e atendimento ao cliente, o NPS da empresa também cresceu 39%.

Leandro Ribeiro: CEO da match.mt: transformação de dados em estratégias personalizadas em toda a jornada digital do cliente (match.mt/Divulgação)

Visão clara

Muitos CMOs estão depositando expectativas pouco realistas em seus investimentos em inteligência artificial, esperando retornos rápidos que, segundo especialistas, podem demorar mais do que o previsto. Relatório mais recente da Gartner, divulgado em setembro, revelou que oito de cada dez CMOs acreditam que a IA (incluindo a IA generativa) terá um impacto positivo em suas estratégias de mar­keting neste ano.

No entanto, outro estudo da mesma empresa, publicado em junho, mostra que esses retornos demandam tempo e investimentos contínuos. De acordo com essa pesquisa, pelo menos 30% dos projetos que dependem de IA generativa serão abandonados até o final de 2025, justamente porque os executivos não verão os resultados financeiros esperados de imediato.

“A IA generativa pode fazer muitas coisas, mas vai exigir mais recursos e orçamento para ser bem-sucedida”, afirmou Nicole ­Greene, vice-presidente da Gartner e uma das responsáveis pelo estudo. Ela também diz que os CMOs devem ajustar suas expectativas, aceitando resultados indiretos no curto prazo, como melhorias na gestão de mudanças, em vez de focar apenas os retornos financeiros. A lição que fica é que as empresas não devem adotar a IA apenas por adotar, mas para buscar ganhos específicos em áreas como engajamento, eficiência, produtividade ou segurança.

Nicole Greene destaca que os CMOs podem encontrar retornos no curto prazo em três áreas de gestão de mudanças: qualidade dos dados, preparação tecnológica e confiança, tanto internamente quanto externamente. Segundo ela, apenas 4% dos CMOs consideram seus dados prontos para ser usados com IA, o que revela uma lacuna crítica. Além disso, 41% dos CMOs veem a resistência dos funcionários à IA como um desafio, um reflexo do medo de substituição pela tecnologia.

Esse cenário mostra que, embora a corrida pela adoção de IA seja intensa, os líderes de marketing precisam ajustar suas expectativas e estratégias. A busca por retornos rápidos pode levar ao fracasso de muitos projetos, se não houver uma visão clara de longo prazo e uma abordagem cuidadosa para enfrentar as mudanças internas e externas que a IA exige. Como Nicole Greene destaca: “É como um banquinho de três pernas — remova uma delas, e ele vai cair”.

Adilson Lavrador, da Tokio Marine: soluções para um setor de seguros mais ágil (Flora Pimentel/Divulgação)

O retorno de cada real investido

Se existe uma pergunta cuja resposta todo profissional de marketing quer é a seguinte: qual é o retorno para cada real investido? Em 2011, quando Marcelo Ferronato ainda era apenas um mero estagiário na P&G, ouviu esse questionamento do CFO da empresa em uma reunião com os diretores de vendas, de mídia e de marketing. “Ele queria saber quantos xampus a menos a empresa venderia se cortasse 10 milhões de reais da verba de TV”, lembra. Ninguém na sala conseguiu uma resposta objetiva.

Ao longo de sua meteórica carreira no mundo do marketing, Ferronato passou também por McDonald’s, Burger King e Red Bull, onde se tornou CMO. Ao longo de 15 anos como marqueteiro, Ferronato jamais conseguiu uma resposta para aquela pergunta. Foi assim que decidiu criar a Media Hero, plataforma que integra dados de negócios, mídia e contexto dos brasileiros, utilizando machine learning causal.

Com base em uma análise que processa milhões de modelos estatísticos por meio de uma base proprietária com mais de 25.000 fontes de dados (IBGE, bancarização, redes sociais, datas comemorativas e até o clima de cada município), a Media Hero revela a contribuição de cada plano para os resultados e orienta a marca sobre como investir para crescer, especificando por veículo, formato de mídia e região do país.

Para criar a empresa, Ferronato se uniu a Gustavo Ioschpe, CEO e fundador da Big Data, que já trabalhava com modelos de machine lear­ning para resolver outros problemas, como precificação, distribuição, revenue management, definição de portfólio, entre tantos outros. Até Raul Tichauer, seu ex-CEO na Red Bull, apostou na ideia, entrando como investidor-anjo.

A equipe de 22 pessoas é composta de Ph.Ds, engenheiros e cientistas formados no ITA e na USP. Até o fim do ano, serão 30 profissionais. Para o ano que vem, Ferronato acredita que serão 60 pessoas trabalhando full time na companhia. Atualmente, 20 clientes, entre eles Nubank, Iguatemi, O Boticário, Natura, Avon e Renner, usam a tecnologia proprietária da Media Hero. No caso do Nubank, a solução já foi até exportada para o México.

“Inteligência artificial e machine learning é apenas um meio para o nosso trabalho final. Nem gosto muito de ficar usando esses termos porque nosso objetivo mesmo é ajudar nossos clientes a mensurar e planejar o orçamento de marketing”, sintetiza Ferronato.

Mas, afinal, se cortasse os tais 10 milhões de reais da TV, quantos xampus a menos a P&G venderia? “Hoje temos como dar essa resposta. Mais que isso, conseguimos determinar se cada tipo de investimento é eficiente ou ineficaz”, celebra Ferronato. Fato curioso: ao ser apresentada à Media Hero, a então diretora de mídia e dados da P&G, Julia Asakawa, gostou tanto da solução que pediu demissão do gigante norte-americana e se juntou ao time.

Marcelo Ferronato, fundador da Media Hero: plataforma integra dados para planejar orçamentos (Media Hero/Divulgação)

Foco no cliente

No mercado de seguros, um dos mais dinâmicos e complexos, o uso da tecnologia está transformando completamente o setor, garantindo mais agilidade e transparência para todas as pontas. Adilson Lavrador, diretor-executivo de operações, sinistros e tecnologia da Tokio Marine, diz que o foco da empresa está na jornada do cliente. “Buscamos a facilitação do processo de cotação e contratação do seguro, com mais agilidade, menos burocracia e precificações mais precisas, até a regulação ágil e inteligente de sinistros”, afirma. A equipe dedicada exclusivamente à tecnologia na Tokio Marine conta com 253 profissionais.

Lavrador diz que a seguradora investe anual­mente 140 milhões de reais em tecnologia, incluindo IA, modelos de machine lear­ning, data science, big data e segurança da informação. Em abril deste ano, a empresa lançou o Projeto 72h, que promete pagar indenizações integrais de sinistros de automóveis em até três dias. É uma redução de 60% do tempo.

Três meses depois, a Tokio Marine integrou a assistência dos seguros de automóvel e patrimonial. Agora o cliente consegue solicitar, acompanhar e cancelar uma assistência 24 horas de maneira totalmente digital, apenas com seu CPF ou CNPJ. Houve integração de vários canais de atendimento, como ­WhatsApp, app proprietário, chat, Instagram, messenger, entre outros. Antes tais processos dependiam apenas do 0800. “Agora mais de 40% das assistências são abertas de forma 100% digital”, comemora Lavrador.

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