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Senna: em 30 anos, a marca do tricampeão de F1 movimentou mais de US$ 1,2 bilhão

Três décadas após a morte do ídolo automobilístico no trágico acidente ocorrido durante o Grande Prêmio de San Marino, em 1994, a marca Senna continua forte e presente em centenas de produtos licenciados, desde bonés e camisetas até motocicletas e relógios de luxo

Ayrton Senna: voz do piloto é recriada por inteligência artificial em exposição (Paul-Henri Cahier/Getty Images)

Ayrton Senna: voz do piloto é recriada por inteligência artificial em exposição (Paul-Henri Cahier/Getty Images)

Marcus Lopes
Marcus Lopes

Jornalista colaborador

Publicado em 2 de novembro de 2024 às 13h25.

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No começo dos anos 1990, Ayrton Senna queria uma logomarca de fácil reconhecimento visual para timbrar seus negócios empresariais, que cresciam na mesma velocidade que ele desempenhava nas pistas. Na busca pela perfeição, característica que marcou sua trajetória dentro e fora dos circuitos, o tricampeão de Fórmula 1 supervisionou pessoalmente o trabalho da designer ­Renata Curcio para a criação do traçado que forma o característico “duplo S”, símbolo da marca Senna.

Pelas mãos de Renata nascia o icônico desenho que se tornaria referência visual em lifestyle associado ao piloto. Três décadas após a morte do ídolo automobilístico no trágico acidente ocorrido durante o Grande Prêmio de San Marino, em 1994, o logotipo da marca Senna continua forte e presente em centenas de produtos licenciados, desde bonés e camisetas até motocicletas e relógios de luxo, passando por brinquedos, itens colecionáveis, equipamentos esportivos, livros e aditivos para automóveis.

Em 30 anos foram movimentados mais de 1,2 bilhão de dólares em vendas e licenciamentos, segundo estimativa da Senna Brands, braço empresarial da família Senna que controla as marcas Senna e Senninha, personagem infantil criado em vida pelo próprio Ayrton. São milhares de produtos licenciados consumidos ao redor do globo, todos os anos, por meio das lojas parceiras e de canais de vendas pela internet. A empresa também é responsável por toda a gestão da imagem do piloto, por exemplo, nas celebrações oficiais dos 30 anos de seu legado, realizadas neste ano.

Projeção do capacete em Las Vegas: homenagem da Ambev pelos 30 anos da morte do piloto (Divulgação/Divulgação)

Bonés e camisetas lideram as compras no canal Senna Shop. Em 2023, 41% das vendas totais online (Brasil e exterior) foram na categoria bonés. As camisetas responderam por 27% das vendas gerais. O produto Senna mais vendido, em todas as categorias, é o tradicional boné azul com a logomarca do Banco Nacional. Além de ser um acessório com preço mais acessível (a partir de 150 reais), o boné possui forte imagem ligada ao piloto, que o utilizava em grande parte das aparições públicas.

“Ayrton Senna não apenas era um exímio piloto de corrida como tinha boa atuação nos negócios. Ele já pensava muito à frente no processo de criação de sua marca pessoal”, afirma Thiago Fernandes, COO da Senna Brands, que até 2019 era vinculada ao Instituto Ayrton Senna (IAS). Com o crescimento gradual dos negócios envolvendo a marca, as operações foram separadas, em um projeto de reestruturação administrativa conduzido pela família Senna. O objetivo foi agilizar processos e jogar luz na expansão dos negócios, em especial com vistas ao futuro da marca. “Com maior autonomia, a marca ganhou nova dimensão e perspectiva. O instituto, por sua vez, ficou mais leve e com foco totalmente voltado para os projetos educacionais”, explica Fernandes.

A Senna Brands conta hoje com cerca de 60 empresas parceiras, inclusive do setor de vestuário. A lista inclui referências em seus setores de atuação, como Audi, Shell, Lego, Ducati, TAG Heuer e Puma. A direção da Brands — que conta com 30 funcionários e tem sede em São Paulo, cidade natal do piloto — é discreta em relação ao desempenho financeiro da companhia e não revela números detalhados resultantes das operações, mas não esconde que administra uma marca valiosa e de características únicas.

Ana Simões, CMO da Senna Brands: marca atemporal atrelada ao sentimento de vitória (Senna Brands/Divulgação)

“A marca deriva de uma pessoa que morreu há 30 anos, mas é atemporal e carrega valores muito fortes, inspirados no tipo de pessoa e profissional que ele era”, resume Ana Simões, CMO da Senna Brands. “São valores muito ligados à garra, à empatia e ao sentimento de vitória que ele despertava nas pessoas e que permanecem”, diz Ana.

O legado do herói das pistas continua como um ativo muito importante no país e no exterior. Pesquisas feitas pela Senna Brands­ mostram que o nome de Ayrton Senna possui 92% de conhecimento entre os brasileiros, superando atletas que ainda estão em atividade. Quase a totalidade dos entrevistados — 98% — se consideram fãs e/ou interessados em Senna.

O reconhecimento, de acordo com as pesquisas, também é alto em outros paí­ses, como Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, Argentina e Estados Unidos. No Japão, o reconhecimento do nome chega a 87%. Em todas as nações pesquisadas, o piloto brasileiro está sempre entre os dez maiores atletas citados pela população, incluindo todas as categorias e modalidades esportivas. O fenômeno Senna supera, até mesmo, o interesse das pessoas pelo próprio esporte em que ele se consagrou, a Fórmula 1.

“A marca Senna personifica o DNA do Ayrton e representa a busca incessante pela excelência, a determinação por não desistir e a inspiração para seguir em frente, independentemente dos desafios que a vida apresenta”, diz Bianca Senna, CEO da Senna Brands e sobrinha do piloto. Caso estivesse vivo, provavelmente estaria presente no cotidiano das operações.

“Meu tio sempre foi muito exigente, buscava a excelência em tudo o que fazia, e isso pautava toda a sua vida. Ele estaria muito presente, nos estimulando a superar os obstáculos e sempre pronto para ajudar o time na rotina de trabalho”, diz a CEO.

Ayrton Senna com a revista em quadrinhos de seu personagem: milhares de produtos licenciados consumidos ao redor do globo por meio de lojas parceiras e canais online (Norio Koike/ASE/Divulgação)

Ainda em relação aos números, Bianca destaca que as pesquisas internas mostram que o interesse de compra do brasileiro aumenta em 60% quando o produto é associado ao seu tio. “Costumamos dizer que não vendemos produtos, e sim inspiração em diversos formatos. A marca continua sendo muito relevante para as novas gerações”, completa Bianca, que cita parceiros de longa data, como a montadora Audi, cujo primeiro representante no Brasil foi justamente Ayrton Senna, por meio da Senna Import.

“O Ayrton foi responsável por introduzir a Audi no mercado brasileiro, há 30 anos. Em 2024, faremos juntos uma nova campanha institucional”, diz Bianca, referindo-se à campanha #DesafiandoOTempo, que prevê ações conjuntas de resgate e valorização da trajetória de três décadas de união com a fabricante de carros de luxo. “A Audi do Brasil completa 30 anos de história no país, e entendemos que a melhor forma de contar essa história é conectando o nosso passado com o nosso futuro e trazendo o ídolo que conquistou multidões e deixou um eterno legado para o mundo”, celebra Daniel Rojas, presidente e CEO da Audi do Brasil.

Em maio deste ano, em Ímola, a fabricante de motos Ducati, cuja parceria também remonta à época de Senna, que gostava de pilotar as motos, lançou uma edição especial limitada de unidades do modelo Monster Senna, em homenagem aos 30 anos da morte do piloto, ao custo aproximado de 189.000 reais. Todas as 341 motos fabricadas para a edição — o 3 faz referência ao número de títulos do brasileiro e o 41 ao total de vitórias conquistadas em grandes prêmios — foram vendidas em menos de 24 horas após o lançamento, realizado na cidade italiana.

Tênis de corrida Asics com a assinatura do tricampeão: produto licenciado pela Senna Brands (Senna Brands/Divulgação)

“Isso mostra a força e a relevância da marca”, diz Fernandes. Força que, segundo especialistas, é resultado de uma soma de fatores ligados à própria natureza do piloto e aos exemplos que deixou em vida e transmitiu a seus admiradores, tais como superação a cada desafio imposto, perfeccionismo nas ações, inovação contínua, empatia com as pessoas, velocidade e, claro, muita garra e determinação demonstrados nos eventos da Fórmula 1.

“A Senna Brands atua em parceria com marcas que se conectam com o espírito vencedor de Ayrton, prezando pela qualidade, inovação e pela busca de fazer sempre o melhor”, explica a sobrinha e multiartista Lalalli Senna, que assina o busto feito em homenagem ao tio, atualmente instalado no Autódromo de Interlagos. A peça, cuja semelhança com o rosto de Senna emociona a família e os fãs, ganhou escalas menores em séries especiais e limitadas destinadas a colecionadores, a “Nosso Senna Collection”.

Uma característica marcante refere-se à preocupação do piloto com o meio ambiente, em uma época em que nem sequer se falava em agenda ESG (ambiental, social e governança). Era comum, lembram os mais próximos, observar Senna percorrendo o litoral de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, onde costumava passar as férias com a família, recolhendo o lixo deixado pelos frequentadores na praia ou no mar, a bordo do seu jet ski.

Ayrton Senna em foto de campanha: patrocínio de marcas de setores diversos, desde bancos até moda (Norio Koike/ASE/Divulgação)

Essa preocupação pessoal com a sustentabilidade ambiental é celebrada na parceria estabelecida recentemente com a Raízen, responsável pela Shell no Brasil, para o licenciamento do novo etanol aditividado da família Shell V-Power. “Associar-se a um ícone como Ayrton Senna fortalece os valores de ambas as marcas, tais como a busca pela excelência, inovação e superação, além de reafirmar o compromisso da companhia com o desenvolvimento sustentável”, explica Ricardo Berni, diretor-executivo de marketing e digital da Raízen. “A parceria impulsiona a percepção e a adoção do etanol brasileiro, um produto de origem renovável que reduz os impactos ambientais e que, assim como Ayrton, é genuinamente brasileiro”, completa Berni.

O rigor e a disciplina na seleção de produtos também é uma das heranças deixadas pelo fundador da marca a seus sucessores. “Ayrton se dedicava a tudo que decidisse fazer. Ele realmente se envolvia em cada projeto que abrangesse sua imagem. Todas as parcerias que ele construiu foram muito genuínas, algo que norteia nosso trabalho até hoje”, explica Bianca, citando parcerias estabelecidas pelo próprio tio e mantidas até hoje, como as já citadas Audi, TAG Heuer, McLaren e Ducati. “São marcas globais que têm a admiração e o reconhecimento dos brasileiros, muito por causa da associação à figura do Senna”, completa Bianca.

O critério rigoroso no licenciamento e a excelência na gestão são pontos destacados pelos especialistas em gestão de marcas para explicar o sucesso no legado do automobilista. “A Senna Brands se destaca por sua capacidade de se reinventar. É um caso exemplar de gestão de marca pessoal, mantendo a chama de Ayrton Senna acesa, mesmo 30 anos após sua partida”, diz Patrícia Daré Artoni, administradora com especialização em estratégias de marketing e professora da FIA Business School.

Bianca Senna, CEO da Senna Brands: parceria com marcas como Audi, TAG Heuer, McLaren e Ducati (Senna Brands/Divulgação)

O desafio é justamente manter essa lembrança viva nas futuras gerações, cujos conhecimentos e mesmo relações afetivas com o piloto tendem a ficar cada vez mais diluídas pelo tempo. Assim como o fundador fazia com maestria nas competições, os administradores procuram enxergar a pista lá na frente, antecipando desafios e executando as manobras no tempo certo.

“A marca Senna, diferentemente da imagem do Ayrton, precisa evoluir com o tempo para continuar conversando com as novas gerações. Ela é inspirada no DNA dele, mas sempre terá de se atualizar e se manter relevante de acordo com o momento atual”, explica Fernandes. A opinião é compartilhada com a professora de mar­keting e branding da ESPM, Ana Cristina Duque Estrada: “A pessoa Senna sempre será um elemento muito importante, mas são necessários novos significados em torno da marca que façam sentido para as pessoas nos tempos atuais e futuros”.

São citados como exemplos dessa conexão intergeracional o jogo virtual protagonizado por Senninha no metaverso e a parceria com a Netflix para a produção da série biográfica, que será lançada até o final do ano. “Nossa prioridade é expandir o alcance da marca no mercado americano e consolidar nossa presença na Europa e na América Latina. Outro foco importante é justamente ser relevante para as novas gerações, que não viram o Ayrton correr”, atesta Bianca.

Lalalli Senna, sobrinha do piloto: busto de sua autoria está no Autódromo de Interlagos (Fabricio Bolfarini/Divulgação)

Um dos modelos citados como fonte de inspiração é o da Lacoste. A companhia, fundada em 1933 pelo tenista francês René Lacoste, tetracampeão internacional e melhor jogador do mundo em 1926 e 1927, tornou-se destaque mundial em qualidade, elegância e durabilidade no vestuário casual e esportivo. Apesar da importância e do legado permanente do fundador, aos poucos a Lacoste descolou-se da imagem direta do seu criador sem prejuízos à trajetória da companhia, que permanece atual e referência em lifestyle.

Gabriel Leone como Ayrton Senna em Senna. (Kurt Iswarienko/Netflix/Divulgação)

“Essa é a nossa direção, que trilhamos com muita calma e cuidado. Manter de forma permanente os valores da marca, que são atemporais, independentemente do automobilismo”, diz Ana Simões, sobre os passos a serem tomados em relação ao futuro. “Nos próximos 30 anos, acredito que seremos uma marca em lifestyle consolidada em cima de valores pes­soais muito fortes e de acordo com o legado deixado pelo Ayrton, e não apenas na lembrança da imagem do piloto.”

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