Mia Nygren, diretora-geral do Spotify na América Latina, celebra uma década de crescimento no Brasil e compartilha sua visão para o futuro da plataforma como o maior serviço de assinatura do mundo (Julian Buitrago/Divulgação)
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Publicado em 29 de outubro de 2024 às 06h00.
Última atualização em 9 de dezembro de 2024 às 07h32.
Sinônimo de serviço de streaming de música, o Spotify comemora em 2024 dez anos de Brasil com muita ambição: “Queremos ser o maior serviço de assinatura do mundo”, diz Mia Nygren, diretora-geral da empresa na América Latina. Na companhia desde 2011, ela acompanhou a evolução do mercado ao longo da última década. “Nunca poderíamos imaginar que o Brasil seria um de nossos maiores motores de crescimento, além de ser um negócio sustentável para nós”, afirma.
Com 626 milhões de usuários e 246 milhões de assinantes no planeta, a plataforma tem 22% de sua presença nas duas bases na América Latina. Para Nygren, é pouco. “Tem muita gente que gosta de música e ainda não está na plataforma. Nosso trabalho é convencê-los”, afirma.
Na entrevista a seguir, a executiva fala sobre o desafio de dar uma cara local a um serviço global e projeta o papel da inteligência artificial na plataforma, além de ressaltar o que aprendeu na região desde 2014. “A despeito das crises, as pessoas pagam por música. Ela é extemporânea às crises políticas ou flutuações econômicas”, diz.
O Spotify completa dez anos no Brasil em 2024. Que balanço você faz desse período?
Nunca poderíamos imaginar que o Brasil seria um dos maiores motores de crescimento da nossa base global, além de ser um negócio sustentável. Temos ainda uma estatística que segue a média global de conversões de usuários para assinantes pagos. Para nós, este é o futuro: queremos ser o maior serviço de assinatura do mundo. Ainda há um enorme mercado endereçável no Brasil e na América Latina: tem muita gente que gosta de música e ainda não está na plataforma — e nosso trabalho é convencê-los. Nessa década, aprendemos ainda algo interessante: a despeito das crises, as pessoas continuam pagando por música. Ela é extemporânea às crises políticas ou flutuações econômicas.
Há muitos Brasis dentro do Brasil. O que vocês aprenderam sobre os brasileiros nesses dez anos?
Se há algo que caracteriza o Brasil é a variedade e a enorme quantidade de gêneros que existem aqui. Quando chegamos, percebemos rapidamente que nosso maior desafio seria fazer o Spotify Brasil ser brasileiro, abraçando a variedade de gêneros e de hábitos, bem como a expectativa das pessoas na localização do app. É uma jornada que nunca acaba, pois nossos primeiros usuários agora têm filhos. Estamos muito focados nos jovens e em descobrir como eles ouvem música. Mas há uma vantagem no peso que o Brasil tem dentro do Spotify: quando dizemos que é preciso fazer algo para o mercado brasileiro, isso é levado em consideração globalmente.
Que tipos de funcionalidades vocês implementaram no app com base no comportamento dos brasileiros?
Uma das mais recentes é a Máquina do Tempo, que permite que as pessoas acompanhem seu próprio consumo de música e compartilhem com os amigos. É algo que tem muito a ver com o comportamento dos brasileiros, porque vocês são muito ativos em redes sociais. O app do Spotify muda bastante em cada país: temos um conjunto de funcionalidades que os times locais podem escolher para usar. Um exemplo é que temos uma experiência de escuta gratuita excelente no Brasil. Poucos países têm isso, mas no Brasil sabíamos que essa experiência precisava ser excelente para o público mais jovem.
Muitos jovens hoje descobrem música pelo TikTok. Como isso influencia o Spotify?
O TikTok é de fato um grande motor de descobertas para as pessoas. Já o Spotify é um grande motor de consumo de música. Todos têm seu papel nesse enorme ecossistema. Dito isso, sempre buscamos novas formas de ajudar os usuários a encontrar a música de que gostam. A personalização é um dos pilares do Spotify e ela nos ajuda a atender mais de 600 milhões de pessoas pelo mundo. No futuro, creio que será ainda mais evidente nosso investimento para que a personalização seja cada vez mais única, com funcionalidades como um DJ movido a inteligência artificial.
Quando o Spotify chegou ao Brasil, era uma empresa privada, avaliada em torno de 10 bilhões de dólares. Hoje, o valor de mercado gira em torno de 75 bilhões de dólares. Qual é o papel do Brasil e da América Latina nessa valorização?
Discuto muito isso com meus times: cada parte do mundo adiciona valor para a empresa global que é o Spotify, e nosso papel é trazer usuários para o ecossistema. Estamos aqui há dez anos, mas ainda há um enorme mercado endereçável no Brasil e na América Latina. Tem muita gente que gosta de música e ainda não está na plataforma, e nosso trabalho é convencê-los a estar. Hoje, a América Latina responde tanto por 22% da base de usuários ativos mensalmente quanto por 22% da base global de assinantes. Isso é muito relevante. E nosso foco aqui é ter mais assinantes.
Inteligência artificial é um dos temas do momento. Como ela afeta o Spotify?
Tem sido incrível ver como a IA pode reforçar a criatividade das pessoas. Sei que é um tema assustador, mas há um lado muito interessante da tecnologia podendo melhorar a criatividade ou a personalização dentro das plataformas. Hoje, já temos playlists criadas por IA para os usuários do Spotify. Por outro lado, para nós é inaceitável que se utilize IA para criação de conteúdos sem respeitar os direitos autorais. Temos mecanismos para remover esse tipo de conteúdo, mas também queremos ajudar nossa comunidade de criadores a usar cada vez mais ferramentas de IA.
Em 2014, o discurso da empresa ao chegar ao país era de que o principal rival do Spotify era a pirataria. E agora?
O Spotify nasceu por causa da pirataria. Nossos fundadores queriam um sistema em que a experiência fosse a mesma que existia na pirataria, mas na qual houvesse remuneração e controle por parte dos artistas. Foi esse o nosso berço. Hoje temos cerca de 250 milhões de pessoas pagando por música. Mas não vejo limites para o nosso trabalho: se você comparar o número de assinantes com a população mundial, a proporção ainda é baixa — especialmente considerando o apetite global por música. Dito isso, investimos muito para garantir que o conteúdo dentro da plataforma não seja mal utilizado nem fraudado, e que nossos sistemas removam conteúdos que não respeitem direitos autorais.
Como o Spotify pretende se tornar o maior serviço de assinatura do mundo, considerando as diferenças no custo de vida e demais variáveis entre países?
Temos de entender que as diferenças entre geografias são enormes, considerando o custo de vida e também as oportunidades existentes em cada lugar. No Brasil, buscamos ser o mais flexíveis que podemos em termos de preços e funcionalidades. A proporção entre o preço e o valor que as pessoas obtêm importa muito para nós. Por outro lado, há fatores que nos ajudaram nessa década, como a penetração dos smartphones, a queda no custo da internet e inovações locais, como o Pix. Há todo um ecossistema que precisa funcionar além do Spotify para alcançarmos nossa missão, mas vemos evolução e estamos felizes com os avanços recentes.
Hoje, o Spotify é considerado sinônimo de streaming de música por muita gente. Como é liderar sem que isso suba à cabeça?
O fato de que o streaming é hoje uma categoria madura no Brasil e na América Latina vem com uma grande responsabilidade — e nós a levamos a sério. Temos uma meta ambiciosa: ter 1 bilhão de usuários na plataforma até 2030, e não estamos nem perto de estar num lugar confortável. Acredite ou não, estamos apenas no começo. Ser líder de mercado é importante, mas não podemos ficar confortáveis demais, porque tudo muda de um dia para o outro no mercado de tecnologia.
Globalmente, o Spotify é visto como case de sucesso por causa de seu produto e de sua tecnologia. O que mais contribuiu isso?
Essa pergunta me dá oportunidade de jogar luz sobre o fato de que trabalhamos com pessoas. Nossa estratégia sempre começa com o time que temos. Podemos ter o melhor produto do mundo, mas, se ele não tiver uma cara brasileira, não teremos sucesso aqui. Pensamos muito sobre como fazer nossas campanhas ressoarem com a audiência e a cultura brasileiras — como fizemos no show celebrando Marília Mendonça no Allianz Parque. São coisas que consideram o aspecto humano do negócio, do qual nunca deixarei de falar.
É comum comparar o Spotify a serviços de streaming de vídeo. Mas há uma diferença: no vídeo, o conteúdo é exclusivo. Já o Spotify tem o mesmo conteúdo que seus rivais. Como se diferenciar quando o conteúdo é praticamente uma commodity?
Estamos focados em criar mais valor para os usuários, seja do ponto de vista técnico, usando novas funções de inteligência artificial, seja no lado humano, ao homenagear Marília Mendonça com um show tributo. Não olhamos para os outros: somos focados nos nossos usuários e em como agregar valor a eles. É diferente do vídeo: aqui, o conteúdo atrai as pessoas, mas são as funcionalidades que fazem com que elas permaneçam no Spotify. E não subestimamos o efeito de rede: temos planos de família, planos em dupla, em um sistema que se beneficia da conexão das pessoas.
Pouco antes da pandemia, o Spotify apostou alto em podcasts. Há uma crítica comum entre os criadores de conteúdo de que os investimentos têm sido reduzidos. Como você recebe esses comentários?
É lisonjeiro ouvir que há discussões sobre isso. O fato é que mudamos nossa estratégia. Nós começamos — e continuamos — com uma enorme ambição por podcasts, mas buscamos criar um negócio que seja sustentável com o tempo. Investimos muito, educamos o mercado, mas agora estamos numa fase em que queremos garantir que qualquer criador de conteúdo possa colocar suas criações na plataforma. A música é o coração do Spotify, mas os podcasts são um pilar crucial. Hoje, 30% de nossos usuários ouvem podcasts, e esse número continua crescendo. Nossa ambição em torno de podcasts não diminuiu, mas mudou, e há muita gente que gosta dessa mudança. É claro que há disrupções por causa disso, mas queremos mostrar que estamos trabalhando.
De um lado, a indústria fonográfica cresceu nos últimos anos por causa do streaming. Do outro, há uma crítica comum dos artistas, especialmente os independentes, de que o Spotify não paga o suficiente para que eles tenham carreiras sustentáveis. Como cuidar desse equilíbrio, considerando que Spotify e indústria buscam lucros, e os artistas precisam sobreviver?
Se olharmos para os números, a categoria de streaming cresceu quase 30% em 2023, em termos de receita. Já a indústria fonográfica cresceu em torno de 13%. São números que mostram a importância do streaming e de seguir crescendo. Em 2023, pagamos cerca de 9 bilhões de dólares para os artistas globalmente; aqui no Brasil, repassamos 1,2 bilhão de reais. É bastante dinheiro, mas é nossa missão. Entendo que haja questionamentos sobre remuneração, é algo que faz parte da nossa jornada. Para nós, é importante oferecer acesso a esse jeito de ganhar a vida. Hoje, pagamos mais de 70% do que recebemos para os artistas e a indústria, por meio de um complexo sistema de remuneração. Temos a responsabilidade, mas sabemos que estamos pagando. Não sei se deveríamos prestar mais a atenção a algo, mas temos orgulho das receitas que geramos.