Como o comportamento da geração Z pode impactar os negócios no futebol
Torcedores mais jovens são ativos, comprometidos com questões sociais e interessados em jogadores em vez de clubes; especialistas defendem mudanças no futebol para gerar conexão
Redação Exame
Publicado em 21 de dezembro de 2023 às 17h51.
Última atualização em 21 de dezembro de 2023 às 20h06.
Pesquisa recente da Associação de Clubes Europeus (ECA) proporcionou uma nova visão sobre o futuro dofutebol em relação à próxima geração de torcedores. Ao contrário da tradição de herdar paixões por clubes, os fãs atuais, entre 16 e 24 anos, demonstram uma inclinação maior em apoiar determinado time que tenha jogadores que os representam.
Segundo o estudo, a geração Z é caracterizada por torcedores ativos, comprometidos com questões sociais e ligados a jogadores específicos em vez de clubes. Esses novos admiradores estarão dispostos, inclusive, a mudar de time, caso o jogador favorito também troque. Exemplos como o do jogador Lionel Messi, que saiu do Paris Saint-Germain (PSG) para o Inter Miami, levando consigo milhões de torcedores, ilustra o que poderá acontecer daqui para a frente.
"O cenário atual destaca uma mudança significativa no papel dos atletas, que agora também se tornam protagonistas em termos de produção de conteúdo. A quantidade superior de seguidores de alguns jogadores em relação aos próprios clubes os coloca como figuras centrais. Isso enfatiza a importância de os atletas seguirem uma conduta exemplar, dentro e fora de campo, para manter esses admiradores por perto, angariar novos e atrair marcas para a realização de parcerias", pontua Renê Salviano, CEO da Heatmap, empresa que faz a intermediação de contratos de patrocínio entre marcas, torneios, atletas e celebridades.
Outra mudança é a maneira como a nova geração consome conteúdo. Os torcedores dessa faixa etária não demonstram mais disposição para assistir aos 90 minutos de uma partida, devido à cultura de vídeos curtos, como os veiculados no TikTok. Agora, eles possuem preferência pelos melhores momentos, resumos do X (antigo Twitter), interações em chats e o acompanhamento de resultados por meio de aplicativos.
“As novas gerações já nascem dentro desse ecossistema: tecnologia, internet, redes sociais, economia da atenção, consumo, segunda tela, etc. e buscam cada vez mais conteúdos diferenciados, formatos mais ágeis, sincronizados com tendências de músicas e referências pops, por exemplo. Esses modelos se casam muito bem com as possibilidades de conteúdos que o esporte traz: ângulos diferenciados, comemorações, recortes específicos que colocam o consumidor dentro do que está acontecendo, criam essa relação de proximidade entre público e produto”, explica Danielle Vilhena, head de marcas da agência End to End, hub de soluções e engajamento para o mercado esportivo.
Mudanças nas regras
Em um período de pelo menos três a quatro anos, a International Football Association Board (IFAB) tem conduzido análises internas e discussões com autoridades sobre possíveis mudanças nas regras do futebol. Uma das propostas mais recentes tem ganhado força para ser implementada já em 2024, e diz respeito ao fim dos tradicionais 90 minutos de jogo, visando combater as frequentes perdas de tempo durante as partidas.
Para o presidente do Fortaleza, Marcelo Paz, essas mudanças precisam ser muito bem analisadas e estudadas, pois podem impactar profundamente o produto futebol, dentro e fora das quatro linhas. Na visão dele, é errado dizer que o futebol esteja perdendo interesse.
"Neste modelo atual, não vejo o futebol perdendo público, pelo contrário. É claro que não podemos ser estáticos. É preciso ouvir não somente uma possível mudança de tendência de público mas também quem pratica o esporte, e daí devemos incluir jogadores, treinadores, comissão técnica e dirigentes", declara.
Já o mandatário do Sport, Yuri Romão entende que todas as medidas que sirvam para melhorar o futebol como negócio, mas também dentro das quatro linhas, devem ser relevadas.
"Esses movimentos são importantes, desde que venham para auxiliar e melhorar o produto. Já vimos algumas transformações importantes ao longo dos anos na NBA e principalmente na Fórmula 1 , regras que eram sistemáticas e jamais se imaginaria que sofressem mudanças, e hoje vemos que elas estão aí para causar interesse e atrair quem participa e quem assiste. No futebol, é a mesma coisa, mas acho fundamental que sejam realizados testes e todas as partes ouvidas, pois de fato precisamos nos atentar às mudanças que a sociedade como um todo vem passando", acredita.
Reflexão de temas relevantes
Análise recém conduzida pelo Grupo Consumoteca mostra que 64% dos jovens pertencentes à geração Z expressam a opinião de que o futebol deveria assumir um compromisso mais forte em relação a questões como homofobia, racismo e machismo. Para esse público é fundamental que o esporte reflita temas relevantes para a sociedade. Do total, 27% afirmam que abandonariam o apoio ao time em caso de envolvimento em questões de preconceito de gênero, racial ou escândalo político.
Entre os atletas brasileiros, quem melhor representa isso é Vinicius Junior. O atacante do Real Madrid, de 23 anos, conquistou apoio internacional após enfrentar insultos racistas em várias partidas do Campeonato Espanhol. A luta marcante do atleta contra o preconceito racial fortaleceu ainda mais a conexão com os seus seguidores nas redes sociais. Recentemente, ele recebeu o Prêmio Sócrates, na cerimônia da Bola de Ouro 2023, pelo trabalho do Instituto Vini Jr, que investe na educação de crianças e adolescentes em sete escolas públicas do Brasil.
"O Vinicius é um atleta que, por iniciativa própria, decidiu construir o instituto. Hoje os atletas são reverenciados não apenas pelo rendimento dentro de campo, mas também pelas ações fora dele. Nós temos consciência de que nessa esfera as mudanças são contínuas, e que a repercussão de tudo é imediata, e por isso procuramos sempre validar nossas impressões com profissionais especializados, sem nunca 'adestrar' ou reprimir as individualidades de cada um. Estamos falando de um cenário muito diferente do que existia antes da criação das redes sociais", analisa Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, empresa que agencia Vini Jr.
Mais recentemente, quem fechou uma parceria milionária com o atacante Endrick, do Palmeiras e da Seleção Brasileira, foi a Neosaldina, medicamento referência no alívio rápido de dores de cabeça, tendo como objetivo justamente atingir essa parcela de público.
Para a empresa, o jogador é exemplo de brasileiro que tem uma entrega de resultados acima da média, sabe ser eficaz e responsável, levando a vida de forma leve e com bom humor, características essas que estão na essência da marca.
"A Neosaldina quer se conectar com a geração Z e o Endrick conversa com essa galera. Ele já tem uma comunicação mais digital, é mais desenvolvido e vem e traz toda essa leveza. Possui os valores da marca e está num momento de explosão. Ele consegue trazer a potência que é de um dos produtos, a velocidade que é de outro produto, e ainda tem toda essa áurea e essa personalidade de Neusa. É o match perfeito", explica Carla Dias, diretora de marketing e comunicação da Cafehyna, equipe responsável por todas as campanhas e ativações de Neosaldina.
Futebol feminino evidencia fenômeno
O esporte feminino, por sua vez, estabeleceu uma conexão significativa com a nova geração, ganhando cada vez mais força e visibilidade. A notável audiência na última Copa do Mundo serve como exemplo claro desse fenômeno. Com um enfoque crescente na equidade de gênero, a modalidade adquire uma importância no âmbito da luta política e da representatividade. Os torcedores não apenas passam a apoiar os times femininos, mas também demandam melhorias nas condições oferecidas a essas equipes.
"À medida que observamos mudanças não apenas na geração Z, mas em toda a sociedade, percebemos a necessidade de evoluirmos juntos. Acreditamos que apoiar e investir no futebol feminino é uma parte fundamental desse processo de evolução, e estamos comprometidos em continuar promovendo iniciativas que impulsionam esse desenvolvimento”, comenta Fábio Wolff, CEO da Wolff Sports e membro do comitê organizador da Ladies Cup, competição de futebol feminino que também incorpora workshops, ativações e iniciativas sociais dedicadas à modalidade.
Camila Estefano, gerente do Em Busca de Uma Estrela, projeto brasileiro de formação integral que oferece oportunidades dentro e fora das quatro linhas para meninas que sonham em jogar futebol profissional, celebra o crescimento da audiência da modalidade: "É muito legal observar a evolução da categoria em vários lugares do mundo. Ver os cases recentes de Inglaterra e Espanha, com estádios lotados, investimento desde a base e conquista de títulos importantes, como a Eurocopa 2022 e a Copa do Mundo 2023. É nítido que se trata de um desenvolvimento mundial da modalidade. Tenho certeza de que o futebol feminino seguirá crescendo e ocupando cada vez mais esses lugares de destaque".
Para Bruno Romeiro, sponsorship manager da agência de marketing esportivo Absolut Sport, e com passagem por oito anos no departamento de marketing da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o futebol como produto precisa estar atento ao seu consumidor e suas especificidades.
"É evidente que a nova geração tem uma forma de consumo diferente. É a geração on demand que vê o que quer, quando quer. A concorrência e as formas de entretenimento são diversas e o futebol precisa achar formas de se adaptar para manter a conexão com a essa geração. Criar formas de consumo e comunicação que mantenha a conexão com a nova geração", acrescenta.