Há uma tese que diz que a geração Z (nascidos em meados dos anos 1990 e o início dos anos 2010) e os millennials (nascidos entre o início dos anos 1980 e meados dos anos 1990) tratam o dinheiro como parte de um jogo.
Operam opções, compram memecoins, participam de bolsas de apostas que transformam quase qualquer situação em chance de ganhar (ou perder) dinheiro.
Partindo dessa mesma linha de pensamento, baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964) e integrantes da geração X (nascidos entre 1965 e 1980) seriam mais conservadores e críticos dessa tendência, tendendo a enxergar imprudência nesse comportamento, resultado direto da chamada “gamificação” das finanças pelas redes sociais.
Mas o que parece irresponsabilidade, na prática, é uma forma de adaptação econômica, afirma a americana Kyla Scanlon, autora do livro "In This Economy", em artigo publicado pelo The Wall Street Journal
O fenômeno, observa a autora, ganhou o nome de niilismo financeiro, termo cunhado pelo podcaster Demetri Kofinas, e descreve a percepção de que o sistema econômico deixou de recompensar a prudência, o planejamento de longo prazo e o caminho tradicional de ascensão social.
O que é niilismo financeiro?
O niilismo financeiro parte da ideia de que seguir regras clássicas como estudar, poupar, trabalhar duro e investir com cautela, já não garantem progresso material. Para muitos jovens, o contrato implícito que sustentou a mobilidade social no pós-guerra simplesmente se rompeu.
Cada geração respondeu às pressões de seu tempo. A América do pós-guerra apostou na estabilidade dos subúrbios. O enfraquecimento da indústria elevou o diploma universitário a passaporte para melhores salários. Mas essas respostas dependiam de pilares hoje fragilizados: instituições fortes, educação acessível, empregos estáveis e moradia ao alcance da renda.
Educação cara, salários travados e menos oportunidades
Hoje, a educação deixou de ser um ativo claro. A dívida estudantil nos Estados Unidos soma US$ 1,6 trilhão em 2024, contra US$ 1,16 trilhão em 2014 e US$ 345 bilhões em 2004. Ao mesmo tempo, o prêmio salarial do diploma universitário caiu de cerca de 80% em 2001 para 75% em 2023, mesmo com um aumento aproximado de 40% no custo da faculdade.
Os salários reais cresceram pouco por anos, limitando o avanço de renda. No mercado de trabalho, vagas de entrada foram corroídas por automação e pressão de custos. Apenas 30% dos formandos de 2025 conseguiram empregos iniciais em sua área de formação, segundo a Cengage Group. A taxa de desemprego entre jovens de 16 a 24 anos chegou a 10,6%, o maior nível desde a pandemia.
Sonho da casa própria ficou mais distante
A moradia é outro gargalo. Apenas 32% dos jovens de 27 anos eram proprietários de imóveis em 2024, percentual abaixo dos quase 40% observados entre boomers e geração X na mesma idade.
A relação entre preço dos imóveis e renda praticamente dobrou em relação às décadas de 1980 e 1990, empurrando a entrada no mercado imobiliário para um horizonte cada vez mais distante.
Por que o risco virou a única alternativa
Com os caminhos tradicionais estreitos, muitos jovens passaram a buscar retorno onde ele ainda parece possível, mesmo que acompanhado de alto risco. Mercados de previsão, apostas esportivas e criptomoedas surgem como algumas das poucas “alavancas” restantes.
Quase dois terços da geração Z e dos millennials acreditam que a única forma de construir riqueza hoje passa por alternativas como apostas e criptoativos, segundo pesquisa da Harris Poll.
Levantamento da Gemini mostra que quase metade dos investidores da geração Z possui criptomoedas. Entre apostadores esportivos online, 31% dos jovens entre 18 e 34 anos têm conta ativa, e uma parcela significativa aposta várias vezes por semana.
Apesar disso, o movimento não reflete um desejo por caos. Pesquisas indicam que cresce entre os jovens a percepção de que apostas esportivas legalizadas fazem mal. O comportamento é menos sobre emoção e mais sobre tentativa de recuperar algum controle em um sistema que parece negar perspectivas reais de avanço.
Há também um componente social. Fóruns no Reddit e servidores no Discord funcionam como novas comunidades, substituindo espaços tradicionais de pertencimento. Mesmo com perdas financeiras, muitos encontram identidade e coesão.
Um sintoma estrutural da economia
Os jovens não ignoram os riscos. Eles os conhecem. O que mudou foi a relação entre risco e recompensa. Quando o caminho tradicional deixa de funcionar, o risco deixa de ser uma escolha e passa a ser o ponto de partida.
Mais do que um traço geracional, o niilismo financeiro é um sinal de alerta sobre a estrutura da economia atual. Quando as pessoas começam a tratar o sistema econômico como um jogo, a mensagem é clara: as formas tradicionais de “vencer” deixaram de parecer reais.
*com agências internacionais