Ferretti Yatchs (Ferretti Yacths/Exame)
"Navegar é preciso", diziam os navegadores portugueses que descobriram o Brasil.
Para a Ferretti Yachts, tradicional fabricante de embarcações de luxo, a frase mais correta seria "Navegar no Brasil é preciso".
Para o grupo italiano, que tem mais de 60 anos de história e abriu o capital esse ano na Bolsa de Valores de Hong Kong, o Brasil não é apenas um mercado muito interessante. É fundamental para o futuro. E é por isso que a empresa está cada vez mais atuante no País, onde a demanda de iates de luxo cresce de forma expressiva.
"O mercado brasileiro está em um momento muito positivo. Estamos crescendo muito, já fechamos as vendas para o inteiro 2023. Os pedidos para o ano que vem foram muito bons. E provavelmente vai ser um dos melhores anos para a indústria de iates no Brasil", explica o CCO da Ferretti Group, Stefano de Vivo, em entrevista exclusiva à EXAME.
O executivo explicou que o iates de luxo da Ferretti, cujo valor oscila entre cerca de R$ 12 e R$ 35 milhões, dependendo da configuração, estão se tornando cada vez mais populares entre os milionários brasileiros.
De Vivo recebeu a EXAME no escritório da Yachtmax em São Paulo, no bairro do Itaim Bibi, distribuidor exclusivo da Ferretti Yachts no Brasil, junto com outros executivos da empresa e com Nércio Fernandes, sócio fundador da Okean, empresa brasileira com a qual o grupo italiano assinou um acordo para a produção de iates diretamente no Brasil. O único caso no mundo de um acordo desse tipo realizado pela Ferretti, e que demonstra o forte interesse da marca pelo mercado brasileiro.
"O mundo está mudando muito rapidamente, e o mercado brasileiro também está mudando. Agora, estar na praia não é mais uma escolha, é uma necessidade. As pessoas querem mais privacidade, mais espaço, e conseguem isso com um barco. A pandemia mudou tudo em nosso setor. Muita mais gente procurou nossos iates para ter mais privacidade", explica de Vivo, que demonstrou otimismo com a operação no Brasil, mesmo com um mercado doméstico mais complicado, em ano de eleição, inflação elevada e turbulências internacionais.
Os números confirmam essa percepção: as encomendas aumentaram mais do que 100% entre 2022 e 2023, passando de 8 para 18 iates. E as perspectivas para 2024 parecem também positivas.
Para Fernandes, a produção brasileira está preparada para absorver essa nova demanda.
"Durante a pandemia fizemos o dever de casa. Mudamos de São Paulo para Itajaí, em Santa Catarina, aumentamos a planta. Fizemos tudo o que era necessário para estar preparados para o mercado que está por vir. Foi um grande desafio, mas está valendo a pena", explica o empresário.
A Ferretti está presente no Brasil desde a década de 1980, junto com um parceiro local que distribuía os iates. O sucesso foi muito rápido, tanto que foi considerada a terceira mais conhecida no mercado do luxo.
"Entretanto, por causa da crise econômica do período 2014-2016, e a consequente desvalorização do real, a empresa parceira acabou fechando as portas, e para a Ferretti foi uma época muito complicada. Tivemos que sair do mercado. Agora, decidimos voltar, sem ter participação direta na empresa, mas fornecemos design, tecnologia, engenharia e materiais italianos. Isso por causa dos elevados impostos alfandegários, que complicam a operação, mas também pelo fato que o Brasil é um grande mercado, então faz muito sentido estar presentes", diz de Vivo.
A empresa italiana demorou anos para fechar a parceria com o Grupo Okean, após muito estudo e investigações sobre a capacidade técnica e a reputação do fabricante brasileiro.
"Foi um namoro longo, de mais de três anos, mas no final estamos todos satisfeitos pelo resultado", explica Fernandes.
"A competência dos funcionários da Okean é impressionante. Mesmo durante a pandemia, quando tudo se tornou mais complicado, eles conseguiram montar as peças enviadas da Itália sem nosso suporte presencial. Foi incrível", salienta de Vivo.
A planta da Okean em Itajaí tem 250 funcionários diretos e outros 60 indiretos. Mas planeja chegar a 420 diretos e outros 180 indiretos em dois anos.
"O Brasil é um país quente, é possível utilizar o iate o ano todo. Por isso a demanda é tão elevada. Muita gente está preferindo comprar um iate do que uma mansão no litoral, pois a vista muitas vezes é mais bonita, é mais seguro e é possível mudar de local quando desejado, sem ficar 'preso' sempre na mesma praia. E, claro, quando se convida alguém para passar um final de semana em uma embarcações de luxo é impossível receber um 'não'", salienta Fernandes.
No Brasil, maioria dos clientes da Ferretti se concentra em São Paulo, com 40% das encomendas, seguido por 30% em Santa Catarina e 30% no Rio de Janeiro. E o perfil desse cliente está se tornando cada vez mais exigente, com iates que estão superando os 100 pés de comprimento.
"As pessoas estão decidindo comprar um iates para ter, de fato, uma ilha particular", explica de Vivo, "Os iates estão cada vez maiores e cada vez mais luxuosos. Basicamente hotéis a sete estrelas. Os brasileiros, em particular, gostam de embarcações flybridge, que podem acomodar de 12 até 25 pessoas, dependendo de onde se navega".
Segundo Fernandes, durante a pandemia a busca por embarcações de luxo aumentou consideravelmente, pois muita gente conseguia realizar reuniões em vídeo diretamente do próprio barco. "Isso foi até positivo para as tripulações, que ficaram três ou quatro meses navegando, protegidas do vírus, e, ao mesmo tempo, recebendo seus salários", diz o empresário.
Além disso, a tecnologia está ajudando esse setor a crescer cada vez mais, com mecanismos se estabilização que estão se tornando "tão comuns quanto o ar condicionado nos carros", evitando as ondulações excessivas e deixando muita gente mais a vontade em comprar um iate.
"A vida das pessoas no mar se torna cada vez mais simples e parecida com a vida na terra", explica de Vivo.
Entretanto, existem ainda empecilhos para o desenvolvimento da náutica de luxo no Brasil. O primeiro é, sem dúvidas, a falta de marinas. Nos quase 8 mil quilômetros de litoral, só existem 16 marinas.
"A presença de poucos portos no Brasil é um problema. Existe um clima contrário a construção de marinas no Brasil, por causa do excesso de regulamentações. E isso acaba limitando o desenvolvimento da indústria náutica", explica Fernandes.
Todavia, nos últimos 10 anos ocorreram alguns investimentos em marinas em São Paulo e Santa Catarina, e nos próximos anos deverão ser entregues até quatro marinas nos litorais desses estados.
"Essa é uma grande oportunidades, até pelo fato que as marinas criam desenvolvimento econômico em volta delas, não apenas para os iates. São lugares que se tornam magnético para turistas, empresas, e empregos", explica Fernandes.
A Ferretti está registrando números promissores. No último balanço semestral a empresa recebeu pedidos por um valor total de 641,9 milhões de euros (cerca de R$ 3,3 bilhões), alta de 30% em relação ao primeiro semestre de 2021. A receita líquida foi de 534,9 milhões de euros, em alta de 17% em comparação aos primeiros seis meses do ano passado.
Por sua vez, o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) ajustado foi de 69,0 milhões, valor 30% superior ao registrado entre janeiro e junho de 2021, com uma margem Ebitda de 13,5%, alta de 110 pontos base. O lucro líquido foi de 29,9 milhões de euros e posição financeira líquida equivalente a 415,8 milhões de euros em caixa.
Valores que poderiam crescer ainda mais no futuro, considerando a previsão de crescimento do mercado de luxo no mundo, e no Brasil. Uma ocasião de ouro para a fabricante italiana de iates, que poderia conquistar cada vez mais fatias do mercado local. Afinal, não foram os portugueses a criar a frase "Navegar é preciso", e sim um general de Roma antiga: Pompeu Magno.