Por que a Apple (APPL34) está migrando sua produção de iPhones da China para a Índia
O risco de uma possível invasão de Taiwan é apenas uma das razões que está levando a Apple a migrar de Pequim para Nova Delhi
Carlo Cauti
Publicado em 22 de setembro de 2022 às 06h07.
Desde o começo da epopeia do iPhone, os laços entre a Apple (APPL34) e a China foram quase "relações carnais", parafraseando uma famosa declaração de um ex-chanceler argentino que marcou história das Relações Internacionais.
A quase totalidade dos produtos da Apple são realizados na China, graças a mão de obra barata, leis trabalhistas brandas e pouca ou nula atenção para questões ambientais.
Entretanto, com as chances de uma invasão de Taiwan subindo, a primeira coisa que a Apple está pensando é proteger sua cadeia produtiva. E por isso, o CEO Tim Cookparece ter encontrado uma alternativa muito próxima: a Índia.
A ideia de transferir parte da produção dos diversos aparelhos da Apple para a Índia já estava no ar há um tempo. Agora, no entanto, essa hipótese parece se concretizar, com os primeiros números sendo divulgados pelo JP Morgan, que indica em 25% do número de novos iPhones que serão produzidos na Índia até 2025.
Ou seja, um a cada quatro iPhones serão produzidos na Índia, cinco vezes mais do que o atual número, que é de 5%.
Apple (APPL34) já estava colocando as primeiras bases na Índia
A Apple já estava começando a conhecer o mercado indiano, produzindo os iPhones SE in loco, mas apenas para os dispositivos que seriam vendidos país. Desde então, a gama de modelos foi ampliada gradualmente, até que a produção do iPhone 13 começou no início de 2022.
O principal parceiro da Apple no país é o mesmo que opera com ela na China: a Foxconn, responsável por toda a produção do iPhone 13, e em breve novos iPhone 14.
Enquanto a Wistron - gigante taiwanesa, braço histórico de produção da Acer - é responsável pela produção do iPhone SE e iPhone 12. A ideia da Apple é iniciar a produção do iPhone 15 no próximo ano na China e na Índia ao mesmo tempo. Objetivo que a empresa de Cupertino já havia estabelecido com o iPhone 14, porém sem sucesso.
As escolhas da Apple, que também está tecendo importantes relações com o Vietnã (para onde será transferida a produção do Watch e alguns MacBooks), parecem inevitáveis. A empresa fundada por Steve Jobs é fortemente dependente da China como centro de fabricação e montagem de seus produtos. O vasto ecossistema de fornecedores que cresceu no país asiático tornou a produção de produtos da Apple uma operação fortemente integrada, difícil de replicar em outros lugares.
Risco-China gerou alerta vermelho
No entanto, tornou-se cada vez mais evidente o quanto essa dependência aberta da China seja um perigo para a maior empresa de Wall Street em termos de valor de mercado.
A fabricante do iPhone, ao longo dos anos, foi repetidamente obrigada a cumprir leis que contrariam diretamente seus próprios valores.
Sofreu paralisações de produção devido a guerras comerciais entre China e EUA e por causa dos repedidos lockdowns impostos pelo governo chinês para tentar conter a pandemia de coronavírus. Mas, pior de tudo, a Apple convive com a enorme incógnita (ou talvez o pesadelo) de que a China possa invadir Taiwan, com consequências dramáticas nas já tensas relações com os Estados Unidos.
Próximo passo: de volta para os EUA
Não por acaso, o Congresso americano acaba de aprovar o " CHIPS and Science Act " com grande maioria dos dois partidos - Democrata e Republicano - que financia com US$ 52,7 bilhões o desenvolvimento e fabricação de semicondutores nos EUA.
A medida se junta à estratégia de reshoring - ou seja, de transferência de produções da Ásia para os EUA - que em 2022 já trouxe de volta quase 350 mil empregos no setor manufatureiro, principalmente da China, enquanto a construção de novas fábricas em território americano aumentou 116%.
A pandemia mostrou que o offshoring, ou seja, a delocalização produtiva, foi longe demais, delegando no exterior a produção de bens essenciais para a sobrevivência dos cidadãos americanos. Além disso, a Covid paralisou as cadeias de distribuição, causando prejuízos que ainda pagamos, como a inflação.
A ofensiva no setor de tecnologia, porém, vai além. O desafio geopolítico entre a democracia americana e autocracia chinesa está apenas começando, e será tanto epocal quanto travado no terreno da tecnologia. Talvez mais do que no âmbito militar (setor que, por sinal, precisa desesperadamente de microprocessadorese outros bens semelhantes para poder funcionar).
Isso sem falar no controle social, que dará uma vantagem enorme para quem conseguir correr mais rápido no desenvolvimento da inteligência artificial.
Em suma, a Índia parece ser uma estratégia de saída que não pode mais ser adiada para a Apple. E aparentemente, nos escritórios de Cupertino, sabem bem disso. Mas poderia ser apenas um passo intermediário, para a volta definitiva das produções de iPhone para os EUA.