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A corrida do ouro: o que explica a alta do metal?

Cotação do ouro saiu da casa dos US$ 1.900 para US$ 2.500 em menos de 12 meses. Bancos Centrais impulsionam demanda

Ouro: metal valoriza 30% em menos de 12 meses (KTSDESIGN/SCIENCE PHOTO LIBRARY/Getty Images)

Ouro: metal valoriza 30% em menos de 12 meses (KTSDESIGN/SCIENCE PHOTO LIBRARY/Getty Images)

Rebecca Crepaldi
Rebecca Crepaldi

Repórter de finanças

Publicado em 23 de agosto de 2024 às 10h22.

Última atualização em 23 de agosto de 2024 às 10h22.

No fim do arco-íris, se tiver um pote de ouro, o investidor pode comemorar. Em menos de 12 meses, a commodity viu sua cotação passar dos US$ 1.900 para US$ 2.500 por onça troy. O maior patamar histórico.

Em números exatos, no fechamento do dia 10 de novembro de 2023, o metal valia US$ 1.937,70, enquanto no fechamento de quinta-feira, 22, o ouro alcançou a marca dos US$ 2.519,80, uma valorização de 30,40%.

A grande valorização foi destacada como “alta incrível” e “tremenda oportunidade” por Luís Stuhlberger, CEO da Verde Asset, durante o Macro Day, evento anual do BTG Pactual (mesmo grupo controlador da EXAME) – além de lamentada, em tom de brincadeira: “[...] Para o meu desgosto, porque acabei não pegando [a alta].”

Na visão de um dos maiores gestores do país, o metal é um dos poucos ativos que refletem de maneira adequada a ampliação dos riscos geopolíticos atuais (como o aprofundamento do conflito no Oriente Médio e a relação comercial estremecida entre Estados Unidos e China) no mercado.

Neste combo, a política monetária e o fiscal dos EUA também entram para somar como fatores que potencializam o valor do ouro.

E os principais investidores do ouro físico são os Bancos Centrais. Segundo a pesquisa do Conselho Mundial do Ouro (WGC, na sigla em inglês), no primeiro trimestre de 2024, a demanda do ouro pelos BCs foi 299,94 toneladas de ouro, o maior nível já registrado na série histórica para um primeiro tri.

Fim do conflito no Oriente Médio: alarme falso?

As últimas notícias trouxeram novos capítulos para a questão Israel-Hamas – mas que não foram suficientes para o mercado.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, anunciou que Israel aceitou a proposta norte-americana para um cessar-fogo em Gaza. O anúncio ocorreu na segunda-feira, 19, em Tel Aviv, após uma reunião entre Blinken e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.

O possível cessar-fogo deveria retirar a pressão no preço, já que a relação do ouro com o risco geopolítico é inversamente proporcional: o metal valoriza quando o risco aumenta. “Ele é muito buscado quando há tensões geopolíticas por ser um ativo seguro”, explica Gabriel Meira, especialista e sócio da Valor Investimentos.

Entretanto, não é o que ocorreu.

O motivo? O mercado trabalha em cima de expectativa. “E a expectativa é que não ocorra o cessar-fogo entre Israel e Hamas. Já foi tentado diversas vezes e não vai para frente”, afirma Meira.

Somado a isso, o mercado ainda aguarda uma possível resposta do Irã após o assassinato do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh. Isso porque o ataque aéreo aconteceu no final de julho, em Teerã, capital do Irã, e foi atribuído pelo grupo a Israel.

Em meio ao temor de uma potencial retaliação do Irã, o conflito piora ainda mais quando os Estados Unidos anunciaram, no dia 13 de agosto, o envio do submarino USS Georgia para o Oriente Médio, com capacidade de disparar mísseis. Os EUA são historicamente conhecidos por serem aliados de Israel.

Guerra comercial EUA e China

Outro fator que está puxando o metal é o fato de a China não querer manter treasuries americanos no seu balanço, ponderou André Esteves, chairman do BTG Pactual, que mediava o debate.

"Mas é geopolítico. A China não querer ter treasury é um risco político", devolveu Stuhlberger.

O motivo da China estar buscando diminuir sua dependência de dólares americanos é conseguir fugir dos problemas da guerra comercial com os Estados Unidos. “A China busca se proteger de eventuais bloqueios americanos às suas reservas”, explica Gilvan Bueno, especialista em mercado.

Em maio, a relação entre as duas potências, que se estende de forma conflituosa desde 2018, ganhou novos capítulos neste ano, com a tarifa de 100% sobre veículos elétricos chineses imposta pelo presidente Joe Biden.

Enquanto compra ouro, a China está reduzindo as suas reservas em títulos americanos em dólares. De acordo com o Conselho Mundial do Ouro (WGC, na sigla em inglês), o BC da China ocupa a sexta posição em 2024 com as maiores reservas de ouro do mundo, somando 2.200 toneladas.

Até junho de 2024, a China comprou quase 30 toneladas de ouro, sendo a terceira maior compradora deste ano até agora. Na contramão, ela reduziu sua posição em treasuries de US$ 1,1 trilhão em fevereiro de 2019 para US$ 775 bilhões no mesmo mês em 2024 – uma queda de 24,5%.

Redução de China nos treasuries

Fiscal americano e corte de juros

Por fim, o reflexo do fiscal americano também impulsiona o preço do metal. A dívida americana está muito alta e, com isso, o dólar e os treasuries acabam perdendo um pouco o valor de reserva. Investidores correm para o ouro.

"Ele é um risco geopolítico ou ele é um risco do fiscal americano? Qual o recado que a o ouro está dando para a gente? É um pouco dos dois, eu diria”, disse Stuhlberger no Macro Day.

Com isso, a segunda maior economia do mundo, a China, desconfia da trajetória da dívida dos EUA e está, aos poucos, se afastando, é o que explicam os especialistas.

Segundo os últimos dados divulgados pelo Tesouro Americano, o déficit fiscal gira em torno de US$ 243,7 bilhões em julho, comparado ao saldo negativo de US$ 70,9 bilhões em junho. O número foi maior que o registrado no mesmo mês do ano passado, de US$ 220,7 bilhões. No acumulado do ano fiscal até o momento, o déficit já soma US$ 1,516 trilhão.

Tem espaço para crescer mais?

Novos dados da economia americana e a ata do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) calibram a tese de que o BC irá cortar juros em setembro por lá. O documento, divulgado nesta semana, inclusive mostrou que vários dos dirigentes notaram que um progresso na inflação justificaria um corte de 25 pontos-base (pb) já em julho.

O corte das taxas, teoricamente, sim, poderia favorecer o ouro, já que o dólar perderá força, é o que explica Meira. Entretanto, como a taxa americana está muito alta, sua redução irá favorer de forma mais intensa ativos de maior risco, como bolsas de países emergentes. “Por isso não deve ter um fluxo tão grande para o ouro”, afirma.

Para o especialista, para o ouro avançar ainda mais, seria necessário que os riscos geopolíticos piorassem. “Acho pouco provável, durante o ano de 2024, principalmente com a queda na taxa nos EUA, que o mercado tenha uma alta muito grande na cotação do ouro.”

Acompanhe tudo sobre:OuroIsraelHamasFed – Federal Reserve SystemChinaJuros

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