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Um projeto pela vida das mulheres

O novo Plano de Ação do Pacto Nacional de Prevenção e combate à Violência contra mulher possui potencial transformador se bem executado

Daniela Grelin, diretora executiva do Instituto Avon: "Novo plano de ação nacional nos dá motivos para acreditar em um projeto pela vida das mulheres" (pcess609/Getty Images)
Daniela Grelin

Diretora Executiva do Instituto Natura

Publicado em 5 de abril de 2024 às 09h53.

Certa vez, Darcy Ribeiro formulou uma síntese precisa sobre a educação no Brasil. Ele disse: “A crise da educação no Brasil não é crise, é projeto”. Esta constatação – que tão bem articulou a convergência de fatores históricos, políticos, culturais e sociais para o fracasso do modelo educacional brasileiro – se aplicada ao fenômeno da violência contra a mulher, ganha contornos trágicos,pois a violência de gênero tem contra si alguns fatores agravantes. Culturalmente relegado à categoria dos problemas de esfera íntima, este flagelo de ordem pública é invisibilizado, silenciado e suas vítimas abandonadas à própria sorte. Ainda que vitimize estimadamente aproximadamente 48% das mulheres brasileiras, esta tragédia evitável, que nada tem de fortuita ou necessária, inviabiliza o mesmo projeto de país justo, próspero, democrático e inclusivo que a educação busca habilitar.

Se este problema persistente e alarmante é resultado de um projeto de indiferença pela mulher nos orçamentos públicos e no investimento social privado, seu melhor antídoto não poderia ter outra forma se não a de um pacto coordenado, integrado e bem fundamentado com o objetivo inverso: promover a prevenção e o enfrentamento às diferentes formas de violência de gênero.

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Um projeto sério e consistente foi apresentado na semana passada pelo Ministério das Mulheres, na forma do Plano de Ação do Pacto Nacional de Prevenção e combate à Violência contra a Mulher. Existem razões para apostar em seu potencial transformador, se bem executado, pois contempla os principais pontos nevrálgicos para uma resposta eficaz, a saber:

1. Integração e articulação: uma resposta eficaz ao fenômeno complexo da violência contra a mulher precisa necessariamente articular uma resposta em rede, abarcando todas as instituições corresponsáveis pela proteção da vida da mulher. A resposta em rede, reconhecidamente necessária, não é facilitada naturalmente por um sistema fragmentado e carente de uma governança eficaz. Por isso mesmo, a criação de comitês gestores em âmbito nacional e estadual podem ser uma resposta adequada, na medida em que sejam capazes de criar fluxos de encaminhamento fluídos e claros, com protocolos de colaboração interinstitucionais e, idealmente, processos e sistemas minimamente integrados.

2. Prevenção, assistência e proteção: reconhecendo a complexidade do desafio e as diferentes etapas na rota de emancipação da mulher em situação de violência, o plano abarca políticas públicas de prevenção, intervenção e proteção com a oferta de serviços especializados, como casas-abrigo, centros de atendimento e centros de referência.

3. Capacitação e sensibilização dos profissionais da rede: em um trabalho aprofundado de mapeamento da rede de proteção à mulher em situação de violência, o Instituto Avon, em parceria com a Catálise e o Ministério Público de SP, detectou a partir de dezenas de entrevistas com os diversos operadores do sistema de justiça, segurança pública, saúde e assistência social, uma demanda comum prioritária, a saber, justamente a capacitação e sensibilização dos profissionais envolvidos. Tais esforços precisam necessariamente prepará-los para uma atuação centrada nas necessidades da vítima, informada sobre a dinâmica e efeitos do trauma e as melhores práticas de resposta integrada.

4. Fortalecimento da rede: por mais preparada que cada instituição (delegacia, hospital, CREA/CRAMS) seja para corresponder ao seu papel institucional, se não atuar em rede, cria uma lacuna em que a mulher se perde. Por isto mesmo a criação de espaços e mecanismos de cooperação interinstitucionais são absolutamente essenciais para a proteção integral da vida da mulher.

5. Campanhas de conscientização: a violência contra mulheres e meninas repousa sobre modelos mentais e normas culturais que precisam ser desafiadas. As mudanças políticas e sociais são precedidas por mudanças de consciência e a comunicação, por meio de campanhas de prevenção, são parte fundamental do esforço de prevenção e atua diretamente sobre as causas mais profundas do problema.

6. Monitoramento e evidências: uma boa política pública pressupõe evidências rigorosas, especialmente quando o problema que busca resolver se perpetua no silêncio e na invisibilidade. Sem dados e evidências, as políticas públicas pela vida da mulher continuarão a ser preteridas nos orçamentos públicos e no investimento social privado.

O novo plano de ação nacional, ao endereçar simultaneamente todas estas alavancas de transformação, nos dá motivos para acreditar em um projeto pela vida das mulheres. Não me refiro a uma esperança passiva, portanto vã, mas à esperança ativa que envolve mobilização e engajamento de todos os setores da sociedade que vivem o problema e têm um interesse direto em sua superação. Não menos importante, se “lugar de prioridade é no orçamento”, o plano de ação consegue alçar a vida das mulheres um novo patamar de proeminência e atenção ao prever, pela primeira vez na história, recursos da ordem de R$2.5 bilhões.

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