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Podemos confiar em um sistema elétrico 100% renovável?

Manter a segurança no suprimento de energia elétrica em dias nublados ou quando não há vento continua sendo um dos principais desafios na transição energética, e a chave para superar esse desafio é a flexibilidade

A rápida penetração global das novas fontes de energia renovável como eólicas e solares trouxe benefícios tanto para os consumidores como para o esforço de redução das emissões de gases de efeito estufa. (wirestock/envato)

A rápida penetração global das novas fontes de energia renovável como eólicas e solares trouxe benefícios tanto para os consumidores como para o esforço de redução das emissões de gases de efeito estufa. (wirestock/envato)

Ricardo Perez
Ricardo Perez

Colunista

Publicado em 24 de outubro de 2024 às 14h00.

Última atualização em 24 de outubro de 2024 às 15h50.

Imagine que você está descendo uma ladeira de bicicleta em velocidade constante e, no fim desta ladeira, começa uma rampa íngreme de subida. O que acontecerá?

As rodas da bicicleta que estavam em uma dada rotação mais rápida e constante enfrentarão uma carga maior e começarão a reduzir a frequência de rotação; neste caso, se seu objetivo for voltar à mesma velocidade anterior, terá de pedalar mais forte (introduzindo mais potência) para voltar à velocidade de giro prévia.

Este é o fundamento da estabilidade de um sistema elétrico de potência. As máquinas rotativas que geram eletricidade giram na frequência de 60 ciclos por segundo (60 hertz) no Brasil, e o objetivo fundamental da operação do sistema é ajustar continuamente a oferta e a demanda de energia em todos os momentos, de maneira a manter a frequência e a estabilidade do sistema, conforme ilustra a figura abaixo:

Qualquer redução de geração em uma dada usina, portanto, causa um desbalanço (demanda maior que oferta) análogo ao exemplo da bicicleta acima. Neste caso, para evitar a queda da frequência de giro, é necessário aumentar a geração em outra usina (flexível) para compensar esta redução.

A rápida penetração global das novas fontes de energia renovável como eólicas e solares trouxe benefícios tanto para os consumidores como para o esforço de redução das emissões de gases de efeito estufa, pois elas são economicamente competitivas e limpas. Por outro lado, a variabilidade e a intermitência da produção destas fontes criaram desafios para sua inserção confiável nos sistemas elétricos. Como as nuvens e as rajadas de vento vêm e vão, toda vez que uma fonte renovável reduz a geração, voltamos ao exemplo da bicicleta, e outros geradores terão de aumentar sua produção para compensar.

A flexibilidade do sistema de potência pode, portanto, ser definida como a capacidade em oferecer resposta para equilibrar as flutuações causadas por variáveis de operação incertas (como carga e geração renovável) e condições de operação incertas (como falhas em linhas de transmissão e geradores). Também necessitamos de flexibilidade não só minuto a minuto (quando o vento para ou uma nuvem encobre a irradiação solar) mas também para acompanhar toda a mudança no padrão de consumo ao longo dia, a entrada e saída da geração solar, e seus consequentes efeitos na “curva do pato”.

Quem são os provedores de flexibilidade?

As principais fontes de flexibilidade são:

  • Tecnologias de armazenamento: hidrelétricas convencionais ou reversíveis, baterias ou sistemas de armazenamento térmico;
  • Usinas de partida rápida: térmicas flexíveis a gás natural;
  • Resposta à demanda;
  • Interconexões entre países (ou regiões)

Por último, vale mencionar que a nova tecnologia de baterias de ferro-ar está atraindo a atenção por sua capacidade de armazenamento de energia de longa duração (aproximadamente 100 horas) a um potencial custo significativamente menor do que as baterias de íon-lítio em um futuro próximo. Porém, é preciso trabalhar pela descarbonização com as tecnologias atuais, sem contar com o sucesso de outras tecnologias “no forno”. Quando, ou se, elas surgirem, só poderão ajudar.

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