ESG

Com gasolina alta, o Brasil pode usar etanol para driblar os preços?

Líder mundial no biocombustível, Brasil até poderia aumentar produção de etanol e diminuir seu custo, mas resultados são só no longo prazo

Colheita de cana-de-açúcar em Sertãozinho (SP): combustível emite apenas 200 gramas de CO2 por litro, enquanto a gasolina emite cerca de 10 vezes mais (Paulo Whitaker/Getty Images)

Colheita de cana-de-açúcar em Sertãozinho (SP): combustível emite apenas 200 gramas de CO2 por litro, enquanto a gasolina emite cerca de 10 vezes mais (Paulo Whitaker/Getty Images)

Victor Sena

Victor Sena

Publicado em 18 de fevereiro de 2022 às 14h45.

Última atualização em 18 de fevereiro de 2022 às 15h22.

Barril de petróleo a quase 100 dólares e um apelo global por combustíveis menos poluentes. O cenário parece perfeito para o Brasil investir mais em alternativas à gasolina — que teve o valor do litro ultrapassando R$ 8 em postos do Rio de Janeiro. Pelo menos em tese.

O país é o maior produtor de etanol do mundo e o setor costuma defender seu uso em vez de uma aposta da sociedade totalmente nos carros elétricos.

O combustível emite apenas 200 gramas de dióxido de carbono por litro, enquanto a gasolina emite 10 vezes mais. Apesar de render 30% menos que a concorrente, o etanol também é mais barato.

Desde que o mundo começou a flexibilizar restrições com o avanço da vacinação contra a covid-19, o barril do petróleo disparou. Isso porque a oferta não tem acompanhado a demanda. Com o dólar valorizado e a política de preços de paridade internacional da Petrobras, que ainda tem o monopólio do refino, os derivados acompanharam.

No curto prazo, o Brasil conseguiria aumentar a produção de etanol para que os motoristas de carros ficassem menos vulneráveis a esse momento de alta do petróleo?

Para responder essa pergunta, primeiro é preciso entender como os dois combustíveis são produzidos e como seu preço é composto.

A gasolina é um derivado do petróleo, produzida numa escala muito maior que o etanol, e de forma extrativa. Em outras palavras, o petróleo está lá e só precisa ser extraído e encaixado na cadeia de refino. Já o etanol é fruto da agricultura da cana de açúcar, tem safra e um ciclo longo. Além disso, depende de terra produtiva.

Na visão de Gesmar Santos, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), não seria possível no curto prazo garantir mais oferta de etanol para tentar dar uma opção mais barata ao consumidor, aumentando oferta.

“Existem algumas questões entrelaçadas: a sustentabilidade, a composição do processo, a viabilidade da demanda, a sustentabilidade da produção. Alguns atores vão dizer sim e outros não a essa pergunta. Eu não acredito na viabilidade do etanol para conseguir reduzir preço da gasolina com oferta. A produção é bem menor e não seria possível aumentá-la a ponto de reduzir tanto o preço para que o consumidor troque a gasolina.”

Gesmar também explica que aumentar a oferta de etanol — mesmo no médio prazo — não seria suficiente para fazer com que os preços baixassem. Para baixá-los, seria preciso que toda a cadeia aceitasse reduzir margens e que a própria gasolina também caísse.

“Eu não defendo que baixar a tributação seja apontada como uma panaceia. Eu creio que deve ser feito, mas com outras medidas que baixem o conjunto de combustíveis. Idealmente deveria se pensar no custo do transporte no Brasil, como se forma o preço no longo prazo. Se você baixar o preço demais, a tendência também é o produtor exportar. Nessa discussão dos preços, a contribuição do etanol é limitada”, diz Gesmar.

A produção de etanol é menor justamente porque ele depende de terras e plantio. Em 2021, ela foi de 31 bilhões de litros, valor menor que os dois anos anteriores, em que os produtores produziram 35 e 32 bilhões de litros. No ano passado, a seca influenciou em uma menor produção. Então, para fugir do atual ciclo da alta da gasolina, não é viável “apertar um botão” nos canaviais e produzir álcool.

Em 2021, foram vendidos 16,7 bilhões de litros de etanol, 13% menos que em 2020, e valor bem abaixo do recorde 22 bilhões de litros de 2016. Já a gasolina teve um consumo de 39,3 bilhões de litros em 2021, ou 9,7% a mais do que em 2020.

“As indústrias não conseguem no curto prazo reverter toda a produção de açúcar em etanol. Tem um limite de até 15%. Além disso, contrato de fornecimento de açúcar e etanol não pode ser de uma hora para outra. Optando por produzir etanol, poderiam perder cana de açúcar também", explica o economista.

Desde o ano passado, não foi só a gasolina que aumentou. O etanol acompanha o preço dela por uma dinâmica própria de mercado, já que são complementares.

A média do preço da gasolina no mês de janeiro no Brasil foi de R$ 6,874, e o etanol teve uma média de R$ 5,779, segundo o Índice de Preços Ticket Log. Em janeiro do ano passado, as médias estavam em R$ 4,816 para a gasolina e R$ 3,779 para o etanol. Assim, o aumento foi de de 42,7% e 52,4% respectivamente.

No curto prazo, a resposta é não. A produção de etanol não pode ser elevada para driblar a alta do petróleo. Mas e no médio prazo?

“No médio prazo é possível aumentar a oferta, mas não é possível observar os efeitos. Estruturalmente produzir derivado de petróleo é mais barato, mas o etanol sustentável tem um custo econômico social menor, é por isso que tem que teria que ser uma escolha da sociedade se ela quiser q o etanol ocupe um espaço maior", explica Gesmar.

Quanto ao preço do petróleo nos próximos anos, a tendência é de que o barril se mantenha em alta. O banco de investimento Morgan Stanley já prevê que ele deve bater os 100 dólares no segundo semestre deste ano. A tensão entre Rússia e a Ucrânia e a falta de vontade de países do Oriente Médio de aumentar a produção são as principais causas.

O analista do setor Ilan Albertman, da Ativa Investimentos, não prevê preços mais baixos:

"A gente tem um problema na cadeia de petróleo que se idensificou na volta da pandemia quando as potências começaram a se recuperar de forma mais rápida, mas o incremento na produção de fósseis foi baixo. Hoje, os players globais estão pensando em qualidade do petróleo extraído e não na quantidade. A alocação de petroleiras tem sido em energias renováveis e isso diminui as projeções as curvas de oferta. Assim naturalmente teremos preços maiores".

Congresso quer baixar preços

O preço alto do combustível tem levado o Congresso e o governo Bolsonaro a discutir uma série de opções para fazer com que o preço da gasolina e do diesel doa menos no bolso do brasileiro.

Em 2021, a política de preços da Petrobras foi vítima de críticas de integrantes do Palácio do Planato, da base aliada e de Jair Bolsonaro, mas as discussões agora giram em torno de um mecanismo que não "atrapalhe" as contas da petroleira.

O principal consenso no Congresso é que é preciso dar algum subsídio ao diesel, ampliar o programa auxílio gás e definir uma alíquota fixa para o imposto estadual ICMS.

O ICMS é responsável, no caso da gasolina, por quase 30% do valor na bomba. Um dos projetos quer defini-lo em 15% em todos os estados. Para tentar um acordo com a Câmara para acelerar a tramitação, a votação foi adiada nesta semana.

Como o país depende principalmente do transporte rodoviário, a alta de gasolina e diesel afetaram fortemente a inflação de 2021, que fechou o ano acima de 10%.

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