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Redação Exame
Publicado em 12 de março de 2023 às 08h02.
Imagine só: dormir e acordar “cedinho” todo dia e seguir uma rotina que aproveite ao máximo a luz do sol. Parece um dia-a-dia perfeito, não? Para muitos, sem dúvida alguma. Porém essa certeza não é tão simples para a ciência.
A conceituação desse clube veio à tona com uma publicação do escritor e palestrante canadense Robin Sharma. Afastado da carreira de advogado para buscar o desenvolvimento pessoal, Sharma elaborou inúmeros best-sellers com essa temática. Dentre todas, o livro “The 5AM Club” é uma de suas mais notáveis obras.
Como um conceito introduzido pelo próprio autor, o “5AM Club” teve início em meados dos anos 2000 com a aspiração de promover a prática de acordar cedo. Estabelecer uma rotina que começa às cinco horas da manhã e termina antes das dez horas da noite traz, segundo ele, vantagens tanto físicas quanto mentais. No site do próprio escritor, essa dinâmica é descrita como “revolucionária” para a maximização da produtividade e conquista da melhor saúde possível. O livro, então, foi publicado pela primeira vez em dezembro de 2018, anos após a criação do clube, prometendo guiar o leitor a essa rotina mágica.
Em sua proposta, a principal arma é a fórmula 20/20/20: dividir a primeira hora do dia em três sessões, cada uma com um propósito diferente. Em primeiro lugar, 20 minutos de exercício físico intenso, especialmente para melhorar a circulação sanguínea e reduzir o cortisol. Após isso, a sessão de reflexão sobre o dia que virá pela frente, para manter os pés no chão e lidar com quaisquer problemas de forma racional - esse tempo pode ser utilizado para meditação ou planejamento das metas do dia. Por último, vêm o período de aprendizagem, no qual encoraja-se a leitura e o estudo.
No contexto pós-pandêmico atual, as reivindicações e influências do Clube das Cinco da Manhã receberam destaque. Diante do aumento de 25% da prevalência do transtorno de ansiedade, conferido pela OMS, os chamados “coaches motivacionais" avistaram uma brecha para divulgar em massa a cultura de acordar cedo. A tentativa era de reintroduzir a população à rotina mais rígida do contexto pré-pandêmico, prometendo melhorias no bem-estar e equilíbrio. Por essa razão, observou-se uma relevância midiática constante do assunto "acordar cedo".
De fato, acordar cedo e iniciar o dia com as práticas 20/20/20 pode parecer invejável e, na realidade, há grandes vantagens nisso. Alguns exemplos comumente atribuídos são a melhora no humor, na imunidade, no estresse e na produtividade. Além disso, existem, de acordo com a Royal Society for Public Health, muitos outros benefícios, como riscos reduzidos de ansiedade e depressão, de anormalidades metabólicas e até de acidentes rodoviários. Todavia, quando se fala sobre as vantagens de acordar cedo, é necessário compreender implicitamente que o desempenho depende também do pré, isto é, o indivíduo precisa ter ido dormir num horário adequado e ter tido um sono suficiente em duração - cerca de 7 a 12 horas por noite - e qualidade.
Dentre inúmeros médiuns, psicólogos, coaches etc. que promovem essa rotina favorável às manhãs, a obra de Sharma é mais um material que influencia o pensamento de que acordar cedo é melhor para todos, independente de quem seja. Contudo, o estudo neurológico do sono e do ciclo circadiano vai contra essa onda. É necessário compreender que, assim como cada um possui - por exemplo - uma digital única, cada pessoa possui um cérebro que funciona de um modo. Por isso, é comum que algumas pessoas fiquem naturalmente mais produtivas e motivadas um pouco depois, no período da tarde. A elas, conferimos o nome de “vespertinas”.
Os chamados vespertinos recebem tal denominação por serem favorecidos pelo período vespertino, ou seja, o intervalo entre o meio-dia e o pôr do sol. Eles se opõem aos matutinos, aqueles que funcionam melhor antes do meio-dia. No meio desse espectro, há também pessoas que se encaixam num intermediário, os chamados intermédios. Cada pessoa se encaixa com um dos três cronotipos, podendo descobrir isso através, por exemplo, da medição da quantidade de melatonina (o “hormônio do sono”) no sangue conforme o passar do dia.
Pessoas matutinas apresentam um pico de melatonina mais cedo no dia, indicando que devem dormir mais cedo que as pessoas dos outros cronotipos. Os vespertinos, por sua vez, passam pelo pico horas mais tarde, demonstrando que o sono mais benéfico para eles começa mais tarde que o dos vespertinos. E os intermédios, que, como o nome diz, estão no meio, fogem dos horários extremos; esses representam a maioria da população.
Independente dos cronotipos, o ser humano possui um padrão de vida naturalmente diurno, portanto, aquela soneca da tarde não pode ser justificada por um cronotipo diferenciado. Esse padrão geral é resultante do nosso relógio biológico, ou ciclo circadiano, coordenado lá no núcleo supraquiasmático (NSQ) do hipotálamo, regulando funções do organismo como a temperatura corporal, a secreção de hormônios e, claro, o evento do sono. Por esse motivo, os humanos têm uma tendência comum de serem ativos durante o dia e, à noite, sofrerem os efeitos da melatonina e dormirem, seja algumas horas antes ou depois.
Desse modo, o maior valor que se pode tirar do livro de Sharma não são os horários definidos de dormir às dez da noite a acordar às cinco, mas de ter uma rotina fixa. O sono é um processo que vai muito além das horas de efetiva inconsciência. Um bom sono possui um preparo precedente para que o corpo libere melatonina, relaxe, regule a pressão arterial e vá acalentando-se. Sendo assim, é importante que, alguns minutos antes de dormir, apague-se as luzes e evite-se aparelhos eletrônicos, pois a claridade diminui a liberação de melatonina pela glândula pineal.
Possuir um horário constante para cair no sono e outro para acordar se torna um costume para o cérebro, melhorando as horas de sono dormidas. Chegando no horário de costume, o corpo automaticamente secreta melatonina, induzindo ao sono. Depois, quando estiver perto da hora de acordar, será a vez do cortisol ser secretado, despertando o corpo de forma mais saudável.
A conclusão de tudo é: antes de seguir cegamente as instruções de acordar às cinco, é crucial compreender o funcionamento do próprio corpo. Não adianta querer acordar o mais cedo possível e seguir à risca o ideal do Clube das 5 da Manhã se seu corpo atinge seu maior potencial à tarde. Em contraponto, se a manhã é o período mais produtivo para o seu corpo, dedicar-se a acordar mais cedo pode aumentar drasticamente a sua produtividade. O melhor horário do dia é aquele em que seu corpo funciona melhor!
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Referências
BBC NEWS MUNDO. Qué es el cronotipo y por qué es útil que conozcas cuál es el tuyo. BBC, 30 Jul. 2018.
BELLESA, M. A interação do relógio biológico com os processos fisiológicos. Disponível em: <http://www.iea.usp.br/noticias/a-interacao-do-relogio-biologico-com-os-processos-fisiologicos>.
BONN, G. WHO technical meeting on sleep and health. Disponível em: <https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0008/114101/E84683.pdf>.
COVID-19 pandemic triggers 25% increase in prevalence of anxiety and depression worldwide. Disponível em: <https://www.who.int/news/item/02-03-2022-covid-19-pandemic-triggers-25-increase-in-prevalence-of-anxiety-and-depression-worldwide>.
ECKERT, A. Entenda o que é melatonina, seus benefícios e como tomar. Disponível em: <https://www.essentialnutrition.com.br/conteudos/melatonina/>.
The 5AM Club. Disponível em: <https://www.robinsharma.com/book/the-5am-club>.
The methods for superhuman productivity. Disponível em: <https://www.robinsharma.com/article/the-methods-for-superhuman-productivity>.
Waking up to the health benefits of sleep. Disponível em: <https://www.rsph.org.uk/static/uploaded/a565b58a-67d1-4491-ab9112ca414f7ee4.pdf>.